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O regime de alta inflação e a polêmica em torno da definição de hiperinflação

CAPÍTULO 2 – INFLAÇÃO E DESINFLAÇÃO: HISTÓRIA E MARCO ANALÍTICO

2.2 Moeda, inflação, desinflação, conflito e coalizão

2.2.4 O regime de alta inflação e a polêmica em torno da definição de hiperinflação

Nas economias contemporâneas, a moeda permite a interação entre diferentes agentes econômicos e as decisões tomadas, no presente, por esses atores dependem da previsibilidade e da estabilidade dos “contratos monetários” no futuro. Quando a inflação é baixa, a interação entre diferentes agentes econômicos e suas decisões não é seriamente afetada; quando não, pode se estabelecer um regime de inflação alta96.

O regime de inflação alta “é o conjunto de instituições típicas de uma economia exposta a um processo mais ou menos prolongado de taxas altas de inflação” (Frenkel, 1990a, p. 112) e se caracteriza: a) pela predominância da incerteza sobre a inflação vigente,

irredutível entre proprietários de riqueza, então é preciso reconhecer que as instituições que nascem do conflito são, elas mesmas, instáveis e sujeitas ao colapso e a reorganização periódicas. A ordem monetária disciplina e dá sentido à rivalidade irredutível que preside a busca do ganho privado. [...] Mas como a moeda, em si, é produto da luta encarniçada pela riqueza, também não está a salvo de rupturas periódicas que fazem a sociedade retornar a seu estado primitivo. A ordem monetária nacional é indissociável da soberania do Estado, e sua sobrevivência supõe que os litigantes privados acatem a moeda como uma convenção necessária para a reprodução do processo de circulação das mercadorias e de avaliação de riqueza. Assim, para o bom andamento das coisas, os agentes privados têm de acreditar nessa convenção precária e transformá-la numa âncora natural, num centro de gravitação de suas decisões, girando como a Terra em torno do Sol. O comportamento rotineiro, diz o professor Aglietta, é produto da ‘ilusão monetária’, que torna possível à moeda cumprir simultaneamente suas funções de unidade de conta, meio de circulação e reserva de valor. Essa ilusão deve ser suficientemente enraizada para permitir o movimento de preços relativos e a operação de forças da oferta e da demanda. Se, por exemplo, empresários e trabalhadores tentam escapar da ilusão monetária, procurando fixar seus rendimentos em termos reais, por meio da indexação ou da referência a uma divisa estrangeira, estarão dando o primeiro passo para a hiperinflação e para destruição da moeda. Essa trajetória poderá ser longa, como foi no Brasil, mas terminará inexoravelmente no colapso da ordem monetária. As crises monetárias podem ser interpretadas sempre como rupturas nos critérios rotineiros de avaliação dos agentes econômicos quanto à conveniência de manter a posse da moeda como forma da riqueza” (Belluzzo, 1999, p. 81-82). Assim, a “recuperação da confiança da moeda [deve] ser objeto de discussão pública e aberta” (Nogueira Batista Jr., 1993, p. 152-153).

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Para uma abordagem próxima à de Frenkel (1990a; 1990b): “Um estado de alta inflação se distingue de um processo inflacionário comum quando as taxas de crescimento de preços são tão elevadas (e, portanto o valor da moeda se deprecia tão rapidamente) que a denominação de contratos na moeda legal da economia se torna inviável. Ninguém aceita compromissos futuros em uma unidade cuja desvalorização é tida como certa, a não ser que a própria obrigação contratada de alguma forma contemple essa desvalorização. A impossibilidade de previsão perfeita da inflação futura faz com que emerjam perdas ou ganhos inesperados para as partes contratantes. Essas perdas e ganhos são tanto maiores quanto mais longa for a duração dos contratos e tanto mais intensa a elevação de preços. Isso se deve à capacidade diferenciada entre os agentes e setores de reação a pressões imprevistas [...]. Nesse sentido, a alta inflação [...] surge com uma inovação institucional: a indexação de contratos [...]. É importante ressaltar que a alta inflação é uma configuração de desequilíbrio na medida em que ela institucionaliza o conflito – do qual resulta – entre demandas incompatíveis com o produto social disponível” (Carvalho, 1992, p. 217-219).

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o valor real e o prazo de duração dos contratos monetários97; b) pela adoção de estratégias adaptativas, como mecanismos de indexação98, que acabam por reduzir o espaço temporal de reajuste dos ditos contratos e alterar as expectativas e as decisões de preço; c) “por um alto grau de coordenação das modalidades de contratos explícitos e implícitos nos distintos mercados, pois dificilmente um agente econômico pode modificar por sua vontade própria a modalidade dos contratos do qual é parte”; d) por choques, que obrigam os agentes a alterar suas expectativas; e) pelo conflito distributivo; f) pela flexibilidade dos preços de bens e serviços, “no sentido de que suas taxas de variação exibem uma significativa elasticidade em relação aos excessos de demanda”; e g) pela inércia inflacionária (Frenkel, 1990b, p. 164-171).

A longa convivência com a inflação, mesmo com a criação de instituições e de condutas adaptativas características de um regime de inflação alta, é nociva para o funcionamento da economia capitalista, pois afeta, entre outros fatores, as decisões de investimento, as contas públicas, o papel do sistema financeiro e o emprego. A generalização dos mecanismos de indexação e a diminuição dos períodos de reajuste dotam o regime de inflação alta de um “traço aceleracionista”, ou seja, levam à aceleração do processo inflacionário (Fanelli et al, 1992, p. 34) e à perda da soberania da moeda com a conseqüente destruição da coesão social, isto é, a hiperinflação:

As crises monetárias são processos de desorganização dos sistemas integrados. [...] Então, o sentido da crise monetária depreende-se claramente: o que ocorre não é um excesso quantitativo de moeda, mas um enfraquecimento da soberania monetária; uma perda da capacidade de coordenação das relações privadas (Aglietta & Orléan, 1990, p. 21-22).

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“A maior parte da atividade econômica está organizada como uma trama de contratos explícitos e implícitos que têm o dinheiro como denominador. Alguns destes contratos monetários são explícitos, como dos de trabalho e os depósitos bancários. Outros são implícitos, como os preços de oferta que regem por certo tempo e que são característicos da maior parte dos mercados de bens manufaturados e serviços” (Frenkel, 1990b, p. 164-165).

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“O estabelecimento de mecanismos de indexação produz dois efeitos básicos: de um lado, escamoteia o conflito distributivo que origina o processo inflacionário, na medida em que facilita o convívio com altas de inflação; de outro, enrijece o patamar inflacionário, tomando ineficazes as políticas tradicionais [...]. Dessa maneira, como mostram os inercialistas, a difusão por toda a sociedade do mecanismo de indexação e a redução dos períodos de reajuste conduzem a economia indexada a um esgotamento, que se traduz na hiperinflação” (Earp, 1993, p. 99-100).

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Na base de toda crise monetária ocorre a emergência de uma estrutura de ativos cujas condições de destruição se revelam incompatíveis com a reprodução das relações sociais dominantes. Estas dívidas constituem direitos sobre a renda nacional que, portanto, questionam a repartição da propriedade social, posto que a legitimação destas, isto é, sua extinção, faria pesar uma pressão insuportável sobre a valorização dos setores privados de produção (Aglietta & Orléan, 1990, p. 241). Há toda uma controvérsia sobre o momento em que a economia se encontra em hiperinflação. Predomina no mainstream a visão quantitativa, qual seja, quando a taxa mensal de inflação atinge 50% (Cagan, 1956). A crítica que se pode fazer a essa visão quantitativista é que em um regime de inflação alta – taxas de 20%, 30% ou 40% a.m., por exemplo – a “tecnologia” para se conviver com a inflação é muito semelhante à de 50% a.m. (Franco, 1995, p. 250)99.

Em nada ajudam também as diferentes e arbitrárias taxionomias sobre inflação/hiperinflação apresentadas pela literatura econômica: “inflação normal”, ou seja, uma lenta e sustentada elevação anual de preços em torno de 3%, que caracteriza as economias capitalistas avançadas; “strato-inflação” é aquela que caracteriza as economias latino-americanas até os anos 1970, onde há um nível anual máximo de 50% e mínimo de 10% e uma média de 30%; hiperinflação, um momento transitório em que ocorre uma perda de confiança na moeda nacional; e “inflação suprimida”, típica dos então países comunistas, nos quais a intervenção e o controle estatal corrigem qualquer pressão ascendente nos custos e na renda, mantendo a taxa anual de inflação próxima de zero (Jackson et al, 1975, p. 22-58). Ou poderia ser representada da seguinte forma: “inflação rastejante” (até 10% a.a.); “inflação latina” (de 10 a 1.000% a.a.); “hiperinflação” (acima de 1.000% a.a.) (Maier, 1978, p. 42-43); “inflação moderada” (de 15 a 30% a.a.) (Dornbusch & Fischer, 1991); “inflação extrema” (de 15 a 20% a.m.) (Dornbusch et al, 1990); e “inflação muito alta” (100% nos últimos 12 meses) (Fischer et al, 2002).

Uma outra abordagem descarta a quantificação e informa que os processos hiperinflacionários possuem três características:

A alta de preços se torna simultaneamente exponencial, incontrolável e

imprevisível; os preços relativos perdem cada vez mais sua coerência, o que

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A existência de alta inflação (entre 30 a 150% a.a.) não se traduz num impedimento para a obtenção de elevadas taxas de crescimento (Salama & Valier, 1992, p. 211).

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alimenta a própria aceleração da alta dos preços; e a moeda nacional perde cada vez

mais o exercício de suas funções essenciais. [...] Com o emprego do termo

‘hiperinflação tendencial’100 queremos, de fato, exprimir precisamente duas

especificidades essenciais das situações hiperinflacionárias dos anos 80,

notadamente na América Latina: situações onde as características da hiperinflação

estão presentes, mas onde nem a perda do controle de preços, nem a incoerência dos

preços relativos, nem a perda pela moeda nacional de suas funções de moeda são generalizadas; a produção continua em geral a se desenvolver, ainda que a um ritmo

mais fraco e, sobretudo, mais irregular que na década precedente; [e] situações duradouras; o conjunto da década de 80, mesmo que incluindo, conforme

constataremos, curtos períodos de trégua, será caracterizado pela existência de uma inflação em níveis bastante elevados (Salama & Valier, 1992, p. 16-18).

2.2.5 Os agentes e os grupos sociais frente aos processos inflacionário e desinflacionário

A discussão até aqui apresentada restringiu-se ao debate no interior do “campo dos economistas” e, com exceção dos teóricos do conflito – marxistas ou não –, poucas foram as tentativas de extrapolar os limites desse campo, tendo em vista que “a inflação é um fenômeno econômico, financeiro e monetário resultante das decisões de pessoas que agem em resposta a teorias e interesses econômicos, considerações políticas, pressões sociais e atitudes culturais” (Feldman, 1997, p. vii)101.

Henri Aujac (1950) foi pioneiro na tentativa de considerar, de uma maneira mais sistemática, “o aspecto monetário como uma conseqüência do aspecto social”, mais precisamente de afirmar que “a inflação é a conseqüência do comportamento dos grupos sociais” (Aujac, 1950, p. 281). As relações monetárias são relações às quais estão sujeitos todos os grupos sociais. Nesse sentido,

Há inflação quando essas relações monetárias são perturbadas pelas ações e reações dos grupos sociais por razões políticas, econômicas ou outras. Se o conjunto da coletividade se adapta, por bem ou por mal, às relações existentes, estas não sofrem modificações de caráter inflacionário. Se, ao contrário, alguns grupos sociais recusam com sucesso a força das relações monetárias, tais quais elas existem no momento considerado, esse comportamento eficaz de recusa, que substitui o

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A preferência que os autores têm pelo conceito de “hiperinflação tendencial” decorre da maior importância que eles dão ao desajuste dos preços relativos do que à inércia inflacionária.

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G. L. Bach (1974) também fez referência aos limites de uma análise unicamente econômica da inflação, considerando que todo processo inflacionário envolve economia, ética e política.

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comportamento de adaptação, provoca uma mudança substancial na orientação e na grandeza dos fluxos de bens e de moeda e pode provocar uma inflação. A eficácia do grupo que se rebelou contra as relações monetárias existentes, depende, de fato, do seu poder efetivo de dominação sobre o resto da coletividade, seja esse poder de ordem econômica, jurídica ou política (Aujac, 1950, p. 282).

Ao defender o comportamento dos grupos sociais como a causa da inflação, Aujac (1950) sustenta que as teorias psicológicas da inflação – fundadas no comportamento individual – superestimam o poder dos indivíduos, já que a ação individual não é capaz de detonar a inflação. Os indivíduos pertencem a grupos sociais cujo poder econômico é desigualmente distribuído. Além disso, só se entende a ação do Estado se se leva em consideração as suas relações com os grupos sociais, pois o Estado pode modificar as relações entre os grupos sociais. A adoção de medidas antiinflacionárias, por exemplo, vai depender tanto da natureza do regime político (democrático ou autoritário) quanto do partido ou grupo social que detém o poder político, e seu sucesso vai depender da existência ou não de resistência feita pelos grupos socais. Finalmente, tentar entender a inflação unicamente a partir de fluxos e de estoques é desconsiderar que essas variações estão relacionadas ao comportamento dos grupos sociais.

Aujac (1950) vai utilizar o ensaio A Tract on Monetary Reform (1923), mais precisamente os capítulos I e III, para ilustrar a sua tese. Segundo o autor, Keynes não consegue manter ao longo do ensaio uma separação entre as dimensões social e econômica, já que elas são “puramente formais”, sendo obrigado a introduzir os grupos sociais na sua análise. A Sociologia presente nos capítulos supramencionados permite afirmar que as políticas salarial, creditícia, orçamentária etc. alteram o comportamento dos grupos sociais e que essa mudança gerou inflação. Mesmo um comportamento do grupo que não estabeleça uma relação monetária – como uma greve de solidariedade – pode resultar em inflação.

O texto de Aujac (1950) tem três grandes virtudes: em primeiro lugar, deixa claro que inflação e deflação somente podem ser compreendidas se levada em consideração a ação dos grupos sociais. Em segundo lugar, o autor afirma que uma análise exclusivamente econômica dará apenas uma visão parcial do fenômeno monetário e que, portanto, é preciso integrar as análises sociológica e econômica. Finalmente, é preciso levar em conta que as relações entre os grupos sociais e entre esses e o Estado são relações de poder. A lacuna

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deixada por Aujac (1950) foi não verificar que coalizões são formadas quando os grupos sociais entram em relação uns com os outros e não ter desenvolvido o papel do conflito no comportamento dos grupos sociais.

Outro autor a tentar transpor a abordagem essencialmente econômica foi Albert Hirschman (1981). Para este autor, “as raízes da inflação penetram profundamente na estrutura política e social em geral, e no conflito político e social e na administração do conflito em particular” (Hirschman, 1981, p. 177). Para compreender esse fenômeno, é preciso avançar em relação à existente tese sociológica da inflação102: é necessário articular “uma estrutura ‘fina’ de distinções, proposições e hipóteses” (Hirschman, 1981, p. 185).

Segundo Hirschman (1981), os “grupos sociais” adotam certos comportamentos frente à inflação. Os economistas, ao analisar os efeitos da inflação sobre a distribuição da renda, mostraram que a inflação beneficiou os grupos dominantes: industriais nas economias centrais e proprietários fundiários e exportadores de produtos primários nas economias periféricas. Favoreceu principalmente o Estado ao dotá-lo de capacidade de financiamento (inflacionário) dos seus próprios projetos e de redistribuir a renda em favor de outros grupos sociais. Outros analistas observaram a existência de inflação mesmo em regimes autoritários, nos quais o salário é controlado. Portanto, a luta não ocorre apenas entre lucro e salário [entre classes sociais antagônicas], mas entre os lucros de um grupo empresarial e os de outro grupo [no interior da própria classe dominante e de suas frações]. Nesse sentido, a indexação combateu os efeitos prejudiciais da inflação e foi eficaz em manter a renda dos exportadores, dos credores e dos poupadores, bem como as do Estado. E, finalmente, as alianças e as coalizões intra e entre classes podem explicar as diversas fases do ciclo político da inflação, bem como o rompimento e a formação de novas alianças (Hirschman, 1981, p. 185-194).

É na sociedade, nos “comportamentos” dos “grupos sociais” e nas suas relações, na parcela de poder que os grupos detêm e na disposição de iniciar ou contestar “ações inflacionárias” que está a origem e o desenvolvimento da inflação:

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“A explicação da inflação em termos do conflito social entre grupos, cada um dos quais aspira a uma maior parcela do produto social” (Hirschman, 1981, p. 183).

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A inflação freqüentemente se inicia ou se intensifica, ao que parece, quando um grupo social detém suficientemente poder ou influência para obter adicionalmente riqueza e renda para si próprio (ou para escapar da sua participação em alguma perda sofrida pela economia), mas não suficientemente para o fazer permanentemente, de uma transferência de maneira definitiva. A inflação é um meio de efetuar uma transferência temporária. Um cancelamento parcial, completo ou mesmo desproporcional dessa transferência pode acontecer, antes de tudo, através de subseqüentes rotações na espiral inflacionária, sobretudo quando outros grupos usam seu poder retaliatório e pegam algo para si (ou escapam). A vantagem temporária ganha, também pode se evaporar e se tornar um revés no curso de um programa de estabilização, de cortes, e de austeridade que pode se seguir após um período de inflação (Hirschman, 1981, p. 194-195).

Cada grupo social tem o seu pico de renda em períodos diferentes e um grupo social somente alcança esse pico à custa da apropriação da renda dos outros grupos. Estes, por sua vez, reagirão para retornar a sua renda máxima. O resultado disso é a continuidade da inflação. Com o aprofundamento do conflito social, a inflação possibilita a coexistência simultânea da luta e da repartição pelo produto social, evitando tanto a “guerra civil”, quanto se adiantando a perturbações sociais e políticas muito mais graves. Ou seja: a inflação “é uma invenção notável que permite a sociedade existir numa situação intermediária entre os extremos da harmonia social e da guerra civil [...] como uma válvula de escape das tensões políticas e sociais” (Hirschman, 1981, p. 201-202).

Há inflação mesmo numa situação oposta, marcada pela “colaboração” entre os grupos sociais e entre eles e o Estado que, por fraqueza ou excessiva “amabilidade”, sanciona as sucessivas demandas de um grupo ou do próprio aparelho estatal. A função da inflação, neste caso, é de negar uma parte daquilo que o Estado concedeu.

Hirschman (1981) aponta o que há de comum nesses dois padrões (opostos) de comportamentos: “evita-se vigorosamente o encontro cooperativo e o acordo dos grupos sociais” (Hirschman, 1981, p. 203).

Não obstante o inegável avanço da “teoria sociológica da inflação” realizado por Hirschman (1981), este autor adota um ponto de partida normativo: por que os “grupos sociais” deveriam necessariamente cooperar? Por ser a ação mais “racional”?

A cooperação ou não (intra e) entre as classes sociais deve ser investigada a partir de uma situação historicamente determinada. A tese do conflito, pois, seduz o sociólogo e o cientista político. Alguns economistas, mesmo aqueles que algum dia defenderam a sua

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validade, tentam desqualificá-la a partir de uma constatação: “conflito distributivo sempre existe no capitalismo, em qualquer lugar. E por que na Alemanha se tem conflito distributivo e não se tem inflação?” (Lara Resende, 1996, p. 307). Porque o corporativismo na Alemanha (McNamara, 1998) permitiu alcançar, por exemplo, os objetivos das políticas keynesianas através de um processo mais consensual103. Uma hipótese não “tautológica”104 seria defender que um dos resultados do conflito distributivo, em uma dada conjuntura histórica de uma dada sociedade105 ou em um certo arranjo institucional106, pode ser inflação107.