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Os conflitos e as coalizões em algumas experiências históricas

CAPÍTULO 2 – INFLAÇÃO E DESINFLAÇÃO: HISTÓRIA E MARCO ANALÍTICO

2.2 Moeda, inflação, desinflação, conflito e coalizão

2.2.8 Os conflitos e as coalizões em algumas experiências históricas

A articulação dos elementos supramencionados apresenta, historicamente, resultados bastante interessantes para a compreensão do funcionamento das coalizões. Na crise de 1873-1896, o Reino Unido era uma potência industrial com setor financeiro e comercial ligados profundamente ao comércio internacional. Os trabalhadores, empregados dessas empresas, preocupavam-se com o custo da alimentação e apoiavam a coalizão do livre-comércio após a rejeição das Corn Laws. Quando, em 1873, os preços começaram a baixar, alguns fazendeiros e produtores de aço defenderam a adoção de políticas protecionistas, mas não conseguiram desarticular a coalizão do livre-comércio.

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Já a Alemanha se caracterizava por uma industrialização tardia e sofria a concorrência dos produtos britânicos. Os bancos não eram ligados ao comércio internacional, mas sim à indústria. A agricultura não era competitiva como a britânica. A indústria pesada (ferro e aço) e os junkers (produtores de grãos) constituíram a “célebre” coalizão “aço e trigo” (iron and rye) que se sobrepôs à coalizão do livre-comércio composta pelos setores industriais tecnologicamente mais avançados e voltados para o exterior (produtos químicos e equipamentos elétricos), pelos criadores em busca de grãos mais baratos e pelos trabalhadores preocupados com o preço da alimentação. A estrutura do Estado prussiano – tradicionalmente protecionista – e os mecanismos de representação eram favoráveis à coalizão protecionista.

França e Suécia forjaram coalizões entre a indústria e a agricultura muito semelhantes à alemã. Nos Estados Unidos, a coalizão protecionista também predominou sobre a do livre comércio. Segundo Gourevitch (1986), a exceção britânica se explica pela convicção dos setores voltados ao mercado internacional de que uma ordem econômica internacional liberal lhes era vantajosa. Portanto, a configuração da economia internacional foi um importante elemento para a constituição de coalizões.

A crise de 1929 abriu a possibilidade para a implementação de novas políticas, pois as receitas da economia clássica não eram eficazes para o combate à deflação. Assim, todos os cinco países, em maior ou menor grau, desvalorizaram a moeda; elevaram tarifas; concederam subsídios e regularam o mercado agrícola; e concederam alguma ajuda à indústria. Alemanha, França, Suécia e Estados Unidos tentaram algum estímulo à demanda e à gestão macroeconômica.

Mas o efeito mais importante causado pela crise foi a desarticulação das velhas coalizões e a possibilidade aberta aos atores sociais de estabelecerem novas coalizões, que dariam sustentação às políticas de estímulo fiscal. Os empresários estavam divididos entre apoiadores e críticos das políticas deflacionárias. Os críticos buscaram o apoio do trabalho e da agricultura para forjar uma coalizão e vencer a resistência dos primeiros.

Na Suécia, as negociações entre o Partido Agrário e o Partido Social Democrata foi explícito: subsídios para a agricultura e compensações para o trabalho (1936). A coalizão se ampliou com o ingresso dos exportadores de produtos tecnologicamente avançados (1938).

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Na nova coalizão, o trabalho abdicou da socialização dos meios de produção e das greves; os empresários aceitaram pagar salários mais altos, reconheceram os sindicatos e a participação dos trabalhadores no governo; enquanto a agricultura manteve seus subsídios. Nos Estados Unidos, as negociações entre os atores sociais não foram tão claras. No primeiro New Deal, trabalho e agricultura aliaram-se ao empresariado voltado ao mercado interno, mas a coalizão não se sustentou em razão da resistência desse segmento do empresariado às demandas dos trabalhadores, e aos controles corporativistas, mas também devido à orientação da política econômica externa. Apenas no segundo New Deal, com a institucionalização dos sindicatos e da seguridade social, com as concessões feitas à agricultura, e com o empresariado se inclinando para uma política econômica internacionalista, foi possível, pela primeira vez (1938), adotar uma política de estímulo à demanda através de um déficit fiscal.

Uma coalizão entre empresariado, agricultura e trabalho também se constituiu na Alemanha nazista. Contudo, o trabalho não estava representado pelos sindicatos, mas sim pelos trabalhadores não organizados. Na Suécia e nos Estados Unidos ocorreu o fortalecimento dos sindicatos, enquanto na Alemanha nazista houve a sua destruição.

Nesta segunda crise, as mudanças na economia internacional foram importantes também para a constituição de novas coalizões. Contudo, as organizações que articulam as preferências dos atores sociais adquiriram uma maior relevância, assim como a estrutura do Estado (a “fraqueza” da República de Weimar e da Terceira República). Mas o papel central nas coalizões foi desempenhado pelo trabalho. As coalizões que contavam com o trabalho organizado – partidos e sindicatos – puderam apoiar novas políticas econômicas em uma conjuntura de respeito à ordem constitucional. As coalizões compostas pelo trabalho não organizado também apoiaram novas políticas econômicas, mas em um regime político de exceção.

A crise iniciada no início dos anos 1970 colocou em xeque a coalizão formada no pós-guerra entre trabalho, agricultura e empresariado, que se caracterizava pelos seguintes fatores: caráter privado da produção, intervenção estatal na economia, sistema de bem-estar social, constitucionalização dos direitos, altos salários e o compromisso da política macroeconômica com o pleno emprego.

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Novamente, a mudança na economia internacional – o fortalecimento das economias alemã e japonesa, a industrialização dos países em desenvolvimento, o surgimento de novos produtos e processos produtivos – e a crises que se seguiram desmantelaram a coalizão existente. O empresariado aceitou a versão de que o trabalho era responsável pela crise (alto custo, comportamento agressivo, e apoio às regulamentações) e a forma de combatê-la seria através da redução do custo do trabalho, das contribuições sociais e da desregulamentação, o que elevaria a lucratividade das empresas. A agricultura poderia receber seus subsídios apenas com o apoio do empresariado e, portanto, podia prescindir do apoio do trabalho.

Nos cinco países, todos os partidos governistas ligados ao trabalho sofreram os efeitos dessas mudanças. Na França, em 1981, Partido Socialista não só interrompeu sua política de nacionalização, mas foi de encontro ao seu programa original ao adotar políticas neoliberais. Os socialistas descobriram que a vitória eleitoral não foi suficiente para constituir uma coalizão que sustentasse o governo. Em uma conjuntura em que a inflação e o desemprego aumentaram, os socialistas foram obrigados a atrair o empresariado – através da adoção de políticas neoliberais – para retomar o crescimento da economia francesa. As relações financeiras e comerciais internacionais da França contribuíram também para a mudança de rumo da política econômica.

A economia britânica sentiu os efeitos da crise da década de 1970. Essa crise desarticulou a coalizão entre o trabalho e o empresariado que sustentava as políticas adotadas pelo Partido Trabalhista britânico. Além disso, a onda grevista do final da década teria sido responsável pelo isolamento do trabalho. A nova coalizão, liderada pelo Partido Conservador, reunia o empresariado e os consumidores. Para ter expressão eleitoral, os conservadores – apesar do seu desejo – não destruíram o sistema de bem-estar social, e assim conquistaram o apoio de uma grande parcela dos trabalhadores.

Após seis anos na oposição, em 1982, o Partido Social Democrata retornou ao poder na Suécia. Os partidos de centro e de direita que estavam no poder representavam uma coalizão bastante heterogênea composta pelo empresariado, setor agrícola e gerentes. A luta contra o poder dos sindicatos era o que unificava o empresariado, porém, os setores de alta tecnologia e orientados para o mercado externo – que tinham condições de repassar os seus

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custos aos consumidores – tinham uma maior propensão de compor com os social- democratas, o que não era possível para as pequenas e médias empresas. O Partido Social Democrata não seguiu nem o caminho francês, nem o britânico. Ao contrário, procurou um caminho alternativo, qual seja, a conciliação entre uma política econômica mais liberal e os valores socialistas. Nesse sentido, rearticulou a coalizão formada nos anos 1930.

No caso da Alemanha [Ocidental], a crise internacional e a grita da indústria em relação ao aumento dos custos do trabalho não foram capazes de desarticular a coalizão entre os exportadores e o trabalho. Já a eleição do candidato do Partido Republicano em 1980 significou o enfraquecimento da coalizão forjada no Segundo New Deal. As mudanças da economia internacional e da própria economia norte-americana (a saber: o aumento da concorrência internacional, que impedia o repasse do custo do trabalho para o preço das mercadorias; a internacionalização das companhias norte-americanas, que enfraqueceu o seu compromisso com a produção interna; o surgimento de novos setores; a grande importância que adquiriu o setor financeiro, etc.) também colocaram em xeque a coalizão entre empresariado e trabalho e, como nos outros casos, responsabilizaram o trabalho. O presidente Reagan forjou uma nova coalizão na qual os interesses tradicionais dos republicanos (lucro, redução dos impostos, desregulamentação e disciplina do trabalho) eram articulados com uma retórica populista que atraia eleitores, membros dos sindicatos e investidores.