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As orientações mais recentes das pesquisas da área educacional têm demonstrado o enorme aporte das pesquisas que tem dado destaque para o uso e a análise da faceta discursiva, em situações reais de sala de aula, nas práticas pedagógicas e nos processos de ensino e aprendizagem de Ciências. Tais orientações têm dado destaque para o papel da linguagem como um importante elemento para a aquisição do conhecimento científico formal no ambiente escolar.

Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a escola representa um dos poucos lugares em que os alunos acabam tendo contato com uma maior compreensão do mundo e com o conhecimento científico formal (BRASIL, 1998). Desse modo, é indispensável que estes adquiram um maior entendimento dos conhecimentos científicos, de modo que possam expressar suas opiniões e desenvolver, com isso, uma visão mais crítica acerca das coisas que os cercam (BRASIL, 1998).

O conhecimento científico escolar representa o efeito de uma emaranhada transposição dos conhecimentos e constructos científicos para o contexto do ensino de Ciências que, em sua grande maioria, é incorporado dos manuais e livros universitários. Desse modo, acaba não existindo uma adequada transposição entre o

conhecimento científico elaborado pelos cientistas e o que vem sendo ensinado em nossas escolas (VILLANI; NASCIMENTO, 2003). Por conta disso, diversos autores e pesquisas têm deixado transparecer a relevância dada à Ciência em nossa sociedade, ainda que esta não se manifeste no modo como ela é ensinada (ANDRIESSEN; BAKER; SUTHERS, 2003; ANDREWS; HERTZBERG, 2009; BAKER, 2009; CLARK; SAMPSON, 2008; JIMÉNEZ-ALEIXANDRE; ERDURAN, 2008; MIRZA; PERRET- CLERMONT, 2009; NUSSBAUM, 2008; SCHWARZ, 2009).

Determinados autores, dentre eles Driver et al. (1994), tratam o ensino e aprendizagem de Ciências como um modo de “enculturação”, isto é, a educação é tratada como uma forma de apropriação da cultura científica. Para outros autores, a citar Lemke (2000), aprender e entender Ciências requer dos estudantes a apropriação do discurso científico, ou seja, aprender e compreender como certos termos se relacionam entre si e entre os contextos que envolvem a produção de sentidos e significados característicos. Estes dois pontos de vista afluem quanto à necessidade de desenvolver o conceito de educação em Ciências, de modo a perpassar pela necessidade de levar em consideração o papel da linguagem na Ciência, sobretudo no processo de ensino e aprendizagem de Ciências.

O conhecimento científico é constituído por elementos característicos que envolvem conceitos científicos, princípios, leis e teorias, que se configuram em uma grande estrutura. A Ciência não demanda somente palavras com significados peculiares, mas sim uma linguagem característica que torna possível o seu desenvolvimento e, sobretudo, o seu entendimento. A linguagem científica acaba sendo, deste modo, mais que o registro do pensamento científico. Ela apresenta características específicas e um arcabouço singular, indissociáveis do próprio conhecimento científico, que servem para emoldurar e fornecer mobilidade e flexibilidade ao próprio pensamento científico.

O domínio da linguagem científica constitui uma competência essencial, tanto para a prática da Ciência como para o seu entendimento. Entender Ciências demanda mais que tomar conhecimento destes elementos. Requer que os alunos apresentem a habilidade de estabelecer relações entre tais elementos, no domínio da ampla estrutura que totaliza o conhecimento científico escolar. Em contrapartida, admitimos que a função da linguagem no contexto de ensino e aprendizagem de Ciências é amplo e complexo e apresenta, de maneira intrínseca, uma dualidade: por um lado, a

linguagem representa um mecanismo de mediação do seu processo de ensino, por outro ela pode ser configurada como um componente do processo de ensino e aprendizagem de Ciências.

Na primeira condição, o professor e os alunos necessitam estar “sintonizados em uma mesma frequência de comunicação” de modo que seja possível empreenderem sentidos e significados inerentes aos vários conceitos, princípios, leis e teorias os quais compõem o conhecimento científico trabalhado no contexto escolar. Isto exige o uso de uma linguagem própria e comum que deve ser dominada e compartilhada por todos aqueles que fazem parte do processo de ensino e aprendizagem, para que seja possível proporcionar a obtenção do conhecimento científico formal, sobretudo, levando em consideração o conhecimento cotidiano vivenciado na sala de aula em questão. A segunda situação, nos remete ao professor, uma vez que este deve estar constantemente atento às peculiaridades e especificidades do próprio conhecimento a ser ensinado na escola, não deixando de levar em consideração a relevância do ensino e aprendizagem dos múltiplos conceitos, princípios, leis e teorias em equiparada relevância com o ensino e aprendizagem da linguagem própria da Ciência, ou seja, da linguagem científica. A implicação disso perpassa pela intencionalidade do professor de ensinar os preceitos, os termos e as formas de sistematização e significação dos elementos que fazem parte do conhecimento científico, sobretudo em um ambiente em que as práticas argumentativas se fazem presentes.

Leitão e Damianovic (2011) complementam que, quando os estudantes se engajam em práticas argumentativas, estes podem ser levados a formular seus pontos de vista de forma mais clara, uma vez que podem fundamentá-los por meio da apresentação de razões que possam ser aceitáveis a interlocutores críticos.

A partir deste contexto, é importante ressaltarmos a relevância de estabelecermos uma nítida distinção entre argumento e argumentação. Para Villani e Nascimento (2003), argumentação constitui uma atividade intelectual, de natureza verbal e não verbal, que é empregada para refutar ou justificar uma opinião. Ela é composta de um leque característico de um ou mais posicionamentos orientados para a obtenção da aprovação de uma ideia ou de um ponto de vista característico, por um ou mais interlocutores, que fazem parte do discurso. Estes posicionamentos podem

ser explanados em um ou vários comunicados e enunciados, que são definidos e interpretados como argumentos.

O termo argumento se refere designadamente às afirmações, dados, garantias e fundamentos que formam o conteúdo de um argumento, enquanto argumentação se refere ao processo de discussão (EL-MONA; ABD-EL-KHALICK , 2006). Para Meas e Voss (1996), um argumento pode ser apreendido como um encadeamento de ideias que são empregadas para justificar uma afirmação, ou seja, representa uma conclusão suportada por pelo menos uma razão (PENHA, 2012).

Driver, Newton e Osborne (2000) expuseram uma sofisticada definição para o conceito de argumento proveniente de duas perspectivas distintas: i) como uma atividade individual, definida como um conjugado de regras levadas em consideração para se obter uma adequada inferência (campo da lógica) e; ii) como uma atividade social, fundamentada no modo como as pessoas, em situações particulares, raciocinam a partir das premissas até a obtenção de uma conclusão (PENHA, 2012). Desse modo, ressaltamos que um enunciado isolado não constitui um argumento, uma vez que, somente pode ser considerado como argumento, quando vier inserido dentro de um discurso e submetido a um contexto determinado (PLANTIN, 2011). A partir dessa análise e da discussão que apresentaremos mais à frente, neste capítulo, compreendemos que os argumentos podem ser construídos tanto na língua portuguesa como na LIBRAS, visto que ambas apresentam regras e gramáticas próprias, cujos graus de complexidade e expressividade são comparáveis entre si.

Plantin (2011) ressalta que a argumentação não está centrada “na língua”, nem em uma simples atitude enunciativa pela qual o locutor coloca em cena e que, a partir do desenvolvimento de um discurso monológico, crie imagens dos objetos, do mundo, dos interlocutores e de seus discursos. No entanto, esta se configura como um modo de interação problematizante, constituída de intervenções guiadas por uma questão. No contexto do ensino de Ciências, Jiménez-Aleixandre (2010) ressalta que a argumentação pode ser compreendida como a habilidade que os estudantes devem adquirir para que estes sejam capazes de relacionar dados e conclusões e/ou de avaliar constructos teóricos a partir de dados empíricos ou oriundos de outras fontes.

Por conta disso, diversas pesquisas recomendam que o desenvolvimento de práticas argumentativas por parte dos estudantes pode levá-los a melhorar a habilidade de comunicação e a justificativa de suas ideias, além de contribuir de forma positiva para o seu desenvolvimento enquanto cidadãos (SOLOMON, 1998; SANMARTI, 1997; PATRONIS et. al., 1999; DUSCHL; OSBORNE, 2002; NEWTON; DRIVER; OSBORNE, 1999; DRIVER; NEWTON; OSBORNE, 2000). Dessa forma, pode contribuir, também, para que estes estudantes adquiram uma maior compreensão da dimensão dos conteúdos da Ciência e sobre o entendimento da maneira como o conhecimento científico vem a ser estabelecido por meio de modelos, teorias, leis e de outras ideias fundamentais sobre a dimensão científica (BRICKER; BELL, 2008; SAMPSON; CLARK, 2008).

Na próxima seção abordaremos o layout de Toulmin (1958), que é um instrumento de análise que vem sendo muito utilizado por pesquisadores para avaliar a “argumentação científica” produzida por estudantes nas mais diversas situações de ensino de Ciências (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE et al., 1998; JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, 2010; CAPECCHI; CARVALHO, 2002; ABI-EL-MONA; ABD-EL-KHALICK, 2006; TEIXEIRA, 2010). Algumas destas pesquisas contribuíram de modo bem contundente para materializar este layout como um instrumento de análise, que pode ser adaptado a diversas situações de ensino de Ciências (DRIVER; NEWTON, 1997; JIMÉNEZ- ALEIXANDRE, 2010).