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Identificação dos episódios argumentativos nos turnos de fala

ANÁLISE 2: TAXONOMIA DA COMPLEXIDADE DA ARGUMENTAÇÃO

7.1 Identificação dos episódios argumentativos nos turnos de fala

Na análise da argumentação, levamos em consideração a argumentação do ponto de vista dialógico e do ponto de vista lógico21. Primeiramente, avaliamos a

21 Ressaltamos, porém, que a emergência de um episódio argumentativo não se estabelece apenas de forma dialógica ou lógica. Há outra importante modalidade de interação discursiva que também ressaltamos que ocorre argumentação: a argumentação retórica. Acreditamos que cada uma dessas três modalidades discursivas aparece, em maior ou em menor grau, em uma interação argumentativa. Cada uma delas e utilizada de acordo com o tipo de argumento necessário para se fazer entendido e

emergência de episódios argumentativos dialógicos, por meio da identificação das orientações discursivas presentes nos turnos de falas, obtidos a partir das transcrições das atividades desenvolvidas nos grupos de surdos e de ouvintes.

Para isso, assumimos, nesta pesquisa, que a emergência de um episódio argumentativo se dá em uma situação discursiva em que existe uma disputa para decidir quais as causas que levam a uma determinada conclusão, ou também quando ocorrem conclusões distintas e que se opõem entre si. Isso porque consideramos que a argumentação é caracterizada pelo caráter controverso. Nesse sentido, se posicionar justificadamente, fazendo frente a um ponto de vista diferente, constitui uma orientação argumentativa e, dessa forma, mesmo que não ocorra controvérsia explícita no processo de argumentação, ao apoiar e defender um argumento, os alunos devem estar se posicionando de forma contrária uns aos outros. Desse modo, adotamos os critérios para identificação das orientações discursivas propostos por Vieira (2011) e para a identificação da argumentação dialógica empregamos os marcadores propostos por Vieira e Nascimento (2009).

Inicialmente, tomamos como critério de análise inicial dos episódios argumentativos, a emergência da argumentação dialógica. Para a identificação destes episódios levamos em consideração que uma prática argumentativa dialógica pressupõe, fundamentalmente, dois elementos: a contraposição de ideias e as

justificações recíprocas. Estes dois elementos são denominados de marcadores

(VIEIRA; NASCIMENTO, 2009). Desse modo, utilizamos tais marcadores para diferenciar a argumentação de outras orientações discursivas, tais como apresentamos no Quadro 22:

convencer o seu oponente ou uma plateia. Porém, não levamos em consideração a argumentação retórica em nossas análises, uma vez que não era objetivo de nossa pesquisa avaliar o caráter persuasivo presente na argumentação produzida pelos estudantes.

Quadro 22: Descrições das categorias utilizadas para identificação das orientações discursivas

Categorias Descrição das categorias

Orientações discursivas

Definição Modos de organização da linguagem

Critérios para identificar as orientações discursivas

Argumentativa Demarcada pela presença dos marcadores:

contraposição de ideias e justificações recíprocas

(razões)

Explicativa Apresenta, geralmente, verbos no presente; apresentação de um problema ou ideia; sem contraposição de ideias; justificações (razões) Narrativa Apresenta, geralmente, verbos de mudança (correr,

crescer, etc....) no passado; transformação e linearização de coisas no tempo

Descritiva Apresenta, geralmente, verbos no presente ou no passado que não representam mudança; apresenta uso intenso de adjetivos, comparação ou situação de fenômenos no espaço

Injuntiva Apresenta, geralmente, verbos no presente e futuro; demarcam ordens, sugestões e receitas direcionadas aos demais interlocutores, cuja função expressa” controle do comportamento”

Fonte: Adaptado de Vieira (2011)

Dentre os critérios para identificação das orientações discursivas, apresentados por Vieira (2011), consideramos o caráter dialogal do discurso. Desse modo, empregamos os marcadores contraposição de ideias e justificações recíprocas, sobretudo para diferenciar a orientação argumentativa das orientações explicativas, dentre outras. Ressaltamos que nos detemos a analisar apenas a orientação argumentativa, uma vez que foi através desta que pudemos avaliar a qualidade da argumentação construída pelos alunos na resolução das duas atividades discursivas e, com isso, nos será possível responder às questões de pesquisa que apresentamos inicialmente.

Após identificarmos as orientações discursivas dominantes, apresentamos os procedimentos discursivos que foram empregados por cada autor nos seus respectivos turnos de fala. Dividimos os turnos de fala em unidades proposicionais, que caracterizam as menores unidades de significado que podemos identificar por meio de aspectos linguísticos. Para isso, levamos em consideração os indícios de

contextualização22, tais como pausas, fixação do olhar, proxêmia23 e prosódia24

(GUMPERZ, 1982) e através de outros aspectos linguísticos, tais como a coesão lexical, a presença de verbos e referentes (ADAM, 1999; HALLIDAY; HASAN, 1976).

Para categorizarmos os procedimentos discursivos que apresentamos em nosso quadro de transcrição, levamos a emergência de diferentes funções do discurso, que estão associadas e conformadas por tipos específicos de orientações discursivas. Essa categorização é semelhante ao que na linguística é denominado de “micro atos de fala” (ADAM, 2008; SEARLE, 1969). É importante ressaltar que para categorizarmos os procedimentos discursivos levamos em consideração os turnos de fala do grupo e os turnos de fala do próprio aluno, segmentados em unidades proposicionais, uma vez que entendemos que tais procedimentos discursivos são conformados pelas condições imediatas da ação e/ou discussão descrita.

Reconhecemos que o discurso em sua grande parte flui de modo natural, uma vez que este não pode ser planejado palavra por palavra antes da sua concretização. Na realidade, o discurso flui a partir do confrontamento com palavras ditas previamente, orientação discursiva, o gênero de discurso e, sobretudo, é assentido pelo objetivo característico que o sujeito busca atender em uma situação discursiva específica. Conforme essa perspectiva, levamos em consideração que os seres humanos não são completamente conscientes daquilo que eles constituem quando agem e falam (GEE, 1999).

A partir desta análise, cabe ressaltar que consideramos os procedimentos discursivos como operações realizadas pelos alunos devido às suas características, as quais acreditamos ser consistentes com a perspectiva apresentada, sobre o discurso e suas significações. O que nos trouxe importantes pistas para avaliarmos as relações destes procedimentos discursivos com o desdobramento de uma ação e

22 Em nosso trabalho, compreendemos os indícios de contextualização como elementos não-verbais que foram identificados nos turnos de fala. A partir destes indícios de contextualização que nos foi possível construir as unidades de significados ou também denominadas de proposições.

23 Consideramos a proxêmia como um aspecto exterior aos sujeitos, configurado pelos movimentos da cabeça e do tronco, o olhar, os movimentos dos braços e das mãos, ou seja, os gestos e a mímica (que inclui o sorriso, o riso, o erguer das sobrancelhas, os movimentos de muitos outros músculos faciais) (GALHANO, 2003).

24 Consideramos em nossa análise a prosódia como indícios de contextualização extralinguísticas (ou também prosódicas) compostas por entonação, tom e acento; já as paralinguísticas constituem ritmo, pausa, hesitação, volume, tempo e sincronia conversacional (GUMPERZ, 1997).

identificarmos as características destes, quando emergirem de outra ou em outra orientação discursiva.

Assim, após identificarmos a emergência da argumentação nos episódios discursivos, procedemos à análise da argumentação do ponto de vista lógico, levando em consideração a TCA. Para isso, utilizamos o layout de Argumentação proposto por Toulmin (1958) para classificamos os argumentos em relação à Complexidade Estrutural do Argumento e a adaptação da ferramenta analítica proposta por Penha e Carvalho (2015) para análise da Qualidade do Conteúdo do Argumento e da Qualidade do Conteúdo das Oposições. Com isso, pudemos avaliar a qualidade da argumentação, tanto em LIBRAS, quanto em língua portuguesa.

Para os argumentos produzidos pelos ouvintes, em língua portuguesa, utilizamos os critérios de análise supracitados. Já, para os argumentos produzidos pelos surdos, em LIBRAS, utilizamos os mesmos critérios que utilizamos para análise da argumentação em língua portuguesa, porém optamos por apresentar as análises dos recortes em três planos, que denominamos de plano não verbal, plano

argumentativo e plano da LIBRAS. Desse modo, nos foi possível analisarmos a

argumentação levando em consideração a qualidade desta argumentação e os aspectos linguísticos característicos da LIBRAS, o que contribuiu para realizarmos uma análise mais precisa destes argumentos.