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ARIANO SUASSUNA E O TEATRO POPULAR DO NORDESTE

Com o fim do Teatro de Estudantes, Ariano Suassuna e Hermilo Borba Filho criaram, em Recife, o Centro de Cultura Popular.

O primeiro Centro Popular de Cultura surgiu em 1961 no Rio de Janeiro80. O Centro Popular de Cultura era ligado a UNE, à época sob influência do Partido Comunista Brasileiro. Os Centros Populares de Cultura pretendiam difundir a consciência de classe junto às camadas oprimidas81 através de uma estratégica cultura nacional-populista82.

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Ariano Suassuna. “Um plagiário confesso”. Diário da Noite, 27 abril 1957.

80

PEIXOTO, Fernando (org.) Vianinha: teatro televisão e política. São Paulo: Brasiliense,1983, p. 90-95.

81

HOLANDA, Heloísa Buarque de. Cultura e participação nos anos 60. São Paulo: Brasiliense, 1982.

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Entre os anos 50 e 60 a esquerda brasileira passa a estabelecer uma relação entre política e cultura. Para melhor compreender é interessante observar um extrato do anteprojeto do manifesto do centro popular de cultura da UNE de março de 1962 “o que distingue os artistas e intelectuais do CPC dos demais grupos e movimentos existentes no país é a clara compreensão de que toda e qualquer manifestação cultural só poder ser adequadamente compreendida quando colocada sob a luz de suas relações coma base material sobre a qual se erigem os processos culturais de superestrutura(...) Não ignorando as forças propulsoras que partindo da base econômica, determina em larga medida nossas idéias e nossa pratica , não podemos ser vítimas das ilusões infundadas que convertem as obras dos artistas brasileiros em dóceis instrumentos da dominação, em lugar de

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O surgimento do CPC é conseqüência de um grande debate sobre a ideologia nacionalista83 dos anos 1950 e 1960: o nacional-popular. Esse debate influenciou instituições, partidos e movimentos sociais. Para o Partido Comunista Brasileiro a construção dessa ideologia nacionalista significava organizar unidades políticas para realizar uma revolução anti-imperialismo e nacional-democrática 84.

Esse projeto se manifestou, na área da produção artística e cultural, na constituição de uma pedagogia estética voltada para a classe média intelectualizada adaptar o nacional- popular. Ferreira Gullar, integrante do CPC, nota que “naquele momento não se tinha muito claro essas teorias do nacional popular, ninguém pensava nisso”.85 Ele acrescenta, porém: “nós achávamos que devíamos valorizar a cultura brasileira, que devíamos fazer um teatro que tivesse raízes na cultura brasileira, no povo, na criatividade brasileira” 86.

Como mesmo do CPC, porém, já havia um contexto de debate sobre o nacional- popular que induziu atores, escritores, dramaturgos, diretores, produtores e companhias teatrais a politizarem o teatro87: é o exemplo do Teatro Arena.

Segundo narra Sábato Magaldi, o teatro brasileiro dos anos 1950 e 1960, apesar dos esforços de Pascoal Carlos Magno e do Teatro de Estudante, continuava com um repertório concentrado nos clássicos europeus.88 O Teatro Brasileiro de Comédia foi o mais visado e

serem como deveriam ser, as armas espirituais da libertação material e cultural do nosso povo(...) Os membros do CPC optaram por ser povo, por ser parte integrante do povo, destacamentos de seu exército no front cultural. Citado por HOLLANDA, H. B. de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/1970. São Paulo:

Brasiliense, 1981. 123-127

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O vínculo com o ISEB era muito grande. Carlos Estevam Martins foi assistente de Álvaro Vieira Pinto e trabalhava no ISEB na momento em que assume a direção do CPC. Cf. ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 48.

84

Ver declaração sobre a política do Partido Comunista Brasileiro, março de 1958. In: PCB: vinte anos de política, 1958-1979: documentos. São Paulo: LECH, 1980, p. 3-27.

85

RIDENTI, M. Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC a era da TV. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 128

86

RIDENTI, M. Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC a era da TV. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 128.

87

NAPOLITANO, Marcos. “A arte engajada e seus públicos (1955/1968)”. Estudos Históricos, Rio de

Janeiro, n. 28, 2001, p. 1.

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criticado por essa vertente engajada do teatro brasileiro89. A crítica era feita pelo Teatro Arena. Este grupo, após se unir ao Teatro Paulista de Estudante, procurou, além de resistir às pressões econômico-financeiras e a concorrência das grandes empresas de teatro, criar uma identidade própria, uma identidade fundada na arte cênica e na dramaturgia brasileiras.

O Teatro Arena também estava interessado no teatro nacional-popular.90 Em 1959, Gianfrancesco Guarniere, após contato com Oduvaldo Viana Filho, publicou o artigo O teatro

como expressão da realidade nacional, que delimitava os pressupostos teóricos da arte e do

teatro nacional-popular. Para ele, “a obra dos novos autores brasileiros demonstra claramente a necessidade geral de tratar de temas sociais, problemas do nosso povo em nosso tempo, o que nos dá a medida de quanto nossa juventude se aflige com os problemas atuais e quanto os artistas jovens procuram participar dessas lutas” 91.

Alguns integrantes do Teatro Arena começaram a se identificar com o vocabulário marxista.92 Oduvaldo Viana Filho, junto com Carlos Estevam e Leon Hirszman, redigiram por exemplo a peça A mais valia vai acabar. Eles também propuseram à direção da UNE a realização de um curso de filosofia no Teatro da Faculdade Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro. Ao distanciarem-se do Teatro Arena fundaram o CPC 93.

Embora existissem divergências sobre o conceito de “popular”, de forma geral o projeto estético do Centro Popular de Cultura no Rio de Janeiro baseava-se na visão

89

Cf. ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 48.

90

GABRIELLI, Murilo Fernandes. “Construção da identidade nacional na arte dos anos de 1960-1970. In: MADEIRA. ANGÉLICA; VELOSO, Marisa. Descobertas do Brasil. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2001, p. 293-324.

91

GUARNIERI, Gianfrancesco. “O teatro como expressão da realidade nacional”. Brasiliense, São Paulo,

n. 25, p. 121-126, set/out. 1959, p. 122.

92

As reflexões em torno do tema da mais valia foi proporcionado pelo contato com O ISEB.

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Os integrantes do Arena migraram para CPC. Para Oduvaldo Viana Filho o teatro Arena havia se contentado apenas com a produção da cultura popular, mas não havia colocado diante de si a responsabilidade de divulgação ponto fundamental da atuação do CPC. Ver HOLLANDA, Heloísa Buarque. Impressões de viagem:

cpc, vanguarda e desbunde. Op. Cit. 121-144. Ver o extrato de Rocha Filho In; ROCHA FILHO et. al. Teatro

Popular. Cadernos Brasileiros, v. 6, n. 3, p. 40-55, maio/jun. 1964, Mesa Redonda, p. 43. Ver também VIANA FILHO, Oduvaldo.” Do Arena ao CPC( 1962)”. In: PEIXOTO, F. (org) Vianinha: teatro, televisão e política. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 93.

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revolucionária da realidade brasileira94. Segundo Celso Faveretto o popular nos anos 1960 estava vinculada a um projeto nacionalista e a tônica desse nacionalismo se expressava na conquista da autonomia econômica e política do país. Daí a defesa da cultura nacional95. Segundo os membros do CPC, três alternativas se impunham para os artistas e intelectuais: o conformismo, o inconformismo e a atitude revolucionária. Estevam Martins, um dos líderes do movimento de cultura popular, considerava que a negação da ideologia opressora caracterizada pelo inconformismo era insuficiente para a ação revolucionária. Para Oduvaldo Viana Filho, “o [Teatro] Arena, sem contato com as camadas revolucionárias de nossa sociedade, não chegou a armar um teatro de ação, armou um teatro inconformado” 96. No manifesto de fundação do CPC, é dito que os intelectuais do CPC “optaram por ser povo, por ser parte integrante do povo, destacamentos de seu exército no front cultural” 97. Surgiu dessa forma um novo tipo de artista que defendia a opção pela arte revolucionária vista como instrumento a serviço da devoção revolucionária. Nesse projeto deveria se abandonar a ilusória liberdade abstrata de obras sem conteúdo, para voltar-se coletiva e didaticamente à conscientização transformadora98. Para isso, Carlos Estevam Martins diferenciava a arte

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Entre a fundação em 1961 e a extinção em março de 1964, três nomes integraram a direção do CPC. O primeiro, Carlos Estevam Martins o segundo, Carlos Diegues e por fim Ferreira Gular. De início o CPC pretendia manter e fortalecer o grupo formado com as apresentações da peça A mais valia vai acabar, Seu Edgar passou a apresentar dissidências na UNE. Nos anos de 1963 e 1964 formam-se duas correntes distintas no interior do CPC: uma corrente liderada por Oduvaldo Viana Filho e outra por Carlos Estevam Martins, esta vinculada às idéias e teses do manifesto do CPC. Cf. BARCELLOS, Jalusa. CPC da UNE: uma história de paixão e consciência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. p. 89-90.

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Carlos Estevam Martins considerava que o que diferenciava os artistas e intelectuais do CPC dos demais grupos e movimentos existentes no país era “a clara compreensão de que todo e qualquer manifestação cultural só pode ser adequadamente compreendida quando colocada sob a luz de suas relações com a base material sobre a qual se erigem os processos culturais de superestrutura”. .MARTINS, Carlos Estevam. “Anteprojeto do manifesto do Centro Popular de Cultura redigido em março de 1962”. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Impressões de Viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/1970. Op. cit. p. 123.

96

VIANA FILHO. Oduvaldo. “Do Arena ao CPC”. In: PEIXOTO, Fernando (org.) Vianinha: teatro

televisão e política. São Paulo: Brasiliense,1983. p. 93.

97

Cf. MARTINS, Carlos Estevam. Anteprojeto do manifesto do Centro Popular de Cultura redigido em março de 1962. In: HOLLANDA, H. B. de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/1970. São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 123.

98

Cf. MARTINS, Carlos Estevam. Anteprojeto do manifesto do Centro Popular de Cultura redigido em março de 1962. In: HOLLANDA, H. B. de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/1970. Op. cit. p. 126.

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popular a partir de três formas: a arte do povo99, a arte popular e a arte popular revolucionária100. Para Carlos Estevam Martins, “a arte do povo e a arte popular quando consideradas de um ponto de vista cultural rigoroso dificilmente poderiam merecer a denominação de arte; por outro lado, quando consideradas do ponto de vista do CPC de modo algum podem merecer a denominação popular ou do povo”101. Desse modo, “só se pode falar de uma arte do povo e de uma arte popular porque se tem em vista uma outra arte ao lado delas, ou seja, a arte destinada aos circuitos culturais não populares”102. Os integrantes dos centros populares de cultura faziam arte popular revolucionária, o único caminho para transformar a sociedade103. Carlos Estevam considerava que arte do povo, produto de comunidades atrasadas, e a arte popular, produzida por um grupo de especialistas, era

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Para Carlos Estevam Martins “a arte do povo é tão desprovida de qualidade artística e de pretensões culturais que nunca vai além de uma tentativa tosca e desajeitada de exprimir fatos triviais dados à sensibilidade mais embotada. É ingênua e retardatária, e na realidade não tem outra função que a de satisfazer necessidades lúdicas e de ornamento. A arte popular, por sua vez, mais apurada e apresentando um grau de elaboração técnica superior não consegue entretanto atingir o nível de dignidade artística que a credenciasse como experiência legítima no campo da arte, pois a finalidade que a oriente é a de oferecer ao público um passatempo uma ocupação inconsequente para o lazer, não se colocando para ela jamais o projeto de enfrentar os problemas fundamentais da existência”. Cf. MARTINS, Carlos Estevam. A questão da cultura popular. Rio de Janeiro:

Tempo Brasileiro, 1963. p. 90-91.

100

Para Carlos Estevam Martins “a arte do povo é predominantemente um produto das comunidades economicamente atrasadas e floresce de preferência no meio rural ou em áreas urbanas que ainda não atingiram as formas de vida que acompanham a industrialização. O traço que maior define é que nela o artista não se distingue da massa consumidora. Artista e público vivem integrados no mesmo anonimato e o nível de elaboração artística é tão primário que o ato de criar não vai além de um simples ordenar de dados mais patentes da consciência popular atrasada. A arte popular, por sua vez, se distingue desta não só pelo seu público que é constituído pela população dos centros urbanos desenvolvidos, como também devido ao aparecimento de uma divisão de trabalho que faz da massa a receptora improdutiva de obras que foram criadas por um grupo profissionalizado de especialistas. Os artistas se constituem assim num estrato difrerenciado de seu público, o qual se apresenta no mercado como mero consumidor de bens cuja elaboração e divulgação escapam ao seu. controle”. Cf. MARTINS, Carlos Estevam. Anteprojeto do manifesto do Centro Popular de Cultura redigido em março de 1962. In: HOLLANDA, H. B. de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/1970. São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 129.

101

MARTINS, Carlos Estevam. Anteprojeto do manifesto do Centro Popular de Cultura redigido em março de 1962. In: HOLLANDA, H. B. de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/1970. 0p. cit. 129-130.

102

MARTINS, Carlos Estevam. Anteprojeto do manifesto do Centro Popular de Cultura redigido em março de 1962. In: HOLLANDA, H. B. de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/1970. Op. Cit. p. 130.

103

MARTINS, Carlos Estevam. Anteprojeto do manifesto do Centro Popular de Cultura redigido em março de 1962. In: HOLLANDA, H. B. de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/1970. Op. Cit. p.

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consumida por uma massa passiva, consolidavam a dominação burguesa, sendo ambas expressões de alienação104. Desse modo, os integrantes dos centros populares de cultura se propuseram a realizar uma arte como forma de conscientização popular105.

O conceito “popular” aparece nos manifestos do CPC. Seu significado, entretanto, aponta para uma interpretação distinta daquela adotada pelos folcloristas. Para Carlos Estevam Martins: “a cultura que o CPC propõe-se levar ao povo é aquela que seus membros chamam de cultura para a libertação. Trata-se da utilização de vanguarda cultural para a conscientização do povo, o que lhe facultará, posteriormente, a tomada de poder. A cultura para a libertação é portanto, como podemos inferir, uma cultura essencialmente política”106.

Um dos principais objetivos do CPC foi determinar a diferença entre o popular e o folclórico107. Estes conceitos haviam sido apresentados como sinônimos pela geração anterior.

104

Idem.

105

No manifesto do CPC Carlos Estevam afirma que os artistas e intelectuais cepecianos haviam escolhido a arte revolucionária pois ela era o único caminho para a construção da cultura popular e para chegar a transformação da realidade. Para Carlos Estevam a arte revolucionária do CPC “pretende ser popular quando se identifica com a aspiração fundamental do povo, quando se une ao esforço coletivo que visa dar cumprimento ao projeto de existência do povo o qual não pode ser outro senão o de deixar de ser povo tal como ele se apresenta na sociedade de classes, ou seja, um povo que não dirige a sociedade da qual ele é povo(...) Eis porque afirmamos que em nosso país e em nossa época, fora da arte política não há arte popular.” Uma das formas interessantes para se analisar a relação dos artistas, intelectuais e massas nos anos 60 se faz na compreensão da produção artística vinculada ao CPC como espécie de educação política e estética voltada para a constituição de uma intelectualidade engajada, capaz de conscientizar setores das classes médias sobre a pobreza e a miséria reinante no Brasil. O artigo Cultura popular: conceito e articulação - quem leva cultura, quem recebe cultura e o livro de Ferreira Gullar Cultura posta em questão apresentaram as diversas etapas a serem seguidas pelos integrantes do CPC. Cf. MARTINS, Carlos Estevam. Anteprojeto do manifesto do Centro Popular de Cultura redigido em março de 1962. In: HOLLANDA, H. B. de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde:

1960/1970. São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 131.Ver também CHAUÍ, Marilena. Seminários. São Paulo:

Brasileinse. Ver ainda CHAUÍ, Marilena. Conformismo e resistência. São Paulo: Brasileiense, 1986. p. 108.

106

REIS, M. K. Centro de Cultura Popular. Cadernos Brasileiros, v. 5, n. 1, p. 78-82, jan./fev. 196, p. 79.

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Essas críticas se referem Diz Carlos Estevam Martins “repudiamos a concepção romântica própria a tantos grupos de artistas brasileiros que se dedicam com singela abnegação a aproximar o povo da arte e para os quais a arte popular deve ser entendida como fomalizações das manifestações espontâneas do povo. Para tais grupos o povo se assemelha a algo assim como um pássaro ou uma flor, se reduz a um objeto estético cujo potencial de beleza, de força primitiva e de virtudes bíblicas ainda não foi devidamente explorado pela arte erudita.” Cf..MARTINS, Carlos Estevam. Anteprojeto do manifesto do Centro Popular de Cultura redigido em março de 1962. In: HOLLANDA, H. B. de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/1970. São Paulo: Brasiliense, 1981. p.132..

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Ferreira Gullar, na introdução do livro Cultura posta em questão, define o popular como uma coisa nova no contexto histórico brasileiro108.

O CPC e a UNE eram os promotores do popular e, para tanto, convocam a intelectualidade para participar ativamente do processo revolucionário que estava nascendo no Brasil. A primeira batalha da intelectualidade pelo nacional-popular foi travada contra o imperialismo.

Além de aproximar o debate sobre a cultura entre a intelectualidade carioca e paulista, o Centro Popular de Cultura também tratou da questão da forma popular de cultura em Recife, nos anos 1960. No Recife o Movimento de Cultura Popular foi fundado por Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho, Luís Mendonça, Paulo Freire e Germano Coelho109 . Segundo Celso de Rui Beisiegiel havia um importante grupo de esquerda em Recife vinculados a Miguel Arraes e Paulo Freyre. “Paulo trabaja em Recife, Pernambuco, em la Frente Amplia, um grupo de intelectuales católicos, comunistas y todos los sectores progressistas de Pernambuco em torno

108

GULLAR, Ferreira. Cultura posta em questão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. p. 1. Para Renato Ortiz quando Ferreira Gullar afirma que a expressão “cultura popular” designa um fenômeno novo na vida brasileira quer dizer que a noção se desvincula do caráter conservador que lhe era atribuído anteriormente. Rompe-se, desta forma, a identidade forjada entre folclore e cultura popular. Enquanto o folclore é interpretado como sendo manifestações culturais de cunho tradicional, a noção de cultura popular é definida em termos exclusivos de transformação. Cf. ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e identidade nacional. São Paulo:

Brasiliense, 1985. p. 71.

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Os remanescentes do Teatro Estudantil criam Teatro Popular do Nordeste. Hermilo volta a Recife e em contato com Ariano propõe a criação de um grupo de teatro popular. Segundo Hermilo o TPN “surgiu daquela conversa minha com Ariano. Cheguei ao Recife para ensinar no Curso de Teatro da Escola de Belas-Artes da Universidade. Resolvemos então pôr a idéia em prática. Reunimos oito pessoas: Ariano Suassuna, José Carlos Cavalcanti Borges, Gastão de Holanda, José de Moraes Pinho, quase todos do antigo Teatro de Estudante, Aldomar Conrado e Leda Alves, estes dois então alunos do Curso de Teatro e Capiba, e eu. Fundamos o TPN que, nessa primeira, tinha os mesmos propósitos do Teatro de Estudante. Quer dizer: autores clássicos e nordestinos. Estreamos com A Pena e a Lei de Ariano. Musicada por Capiba, no Teatro do Parque. Depois apresentamos um espetáculo que foi um dos maiores fracassos da história de Pernambuco: A Mandrágora de

Maquiavel. (...) Veio novamente outro fracasso: um espetáculo chamado Processo do diabo, onde juntei quatro autores pernambucanos: Ariano Suassuna, José Carlos Cavalcanti Borges, José Morais Pinho e eu. Eram três peças em um ato”. sobre o problema do diabo.(...) A Segunda fase partiu depois de cinco anos de estudos sobre os espetáculos dramáticos populares do nordeste e tinha o propósito, a busca do espetáculo antiilusionista muito menos baseado em Brecht do que nos mestres do Bumba, e nos ledeguelas de pastoris, e nos capitães de fandango, e assim por diante. Quer dizer, espetáculos todos eles que se baseassem ainda em autores clássicos e autores da região, mas que tivessem o espírito e a técnica dos espetáculos populares dramáticos do Nordeste. (...) Encenamos o Inspetor de Gogol o Cabo Fanfarrão, peça minha, Antígona, de Sófoclés, Andorra de Marx Frisch, Santo Inquérito de Dias Gomes, Inimigo do Povo de Ibsen, Don Quixote, de Antonio José, o Judeu, O Cabeleira aí vem, de Silvio Rabelo(...) A farsa da boa preguiça (...)”. Cf. BORBA FILHO, Hermilo. Depoimentos V. Rio

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a Miguel Arraes”.110 Em Recife o Movimento de Cultura Popular (MCP) também estava empenhado no projeto de desalienação do povo brasileiro111, mas apresentava uma abordagem diferenciada sobre a forma popular de cultura, entendida como guardiã das tradições brasileiras. Tal movimento propunha, por exemplo, um intercâmbio entre a intelectualidade e o povo. Germano Coelho, presidente da MCP, assim se referiu ao relacionamento dos intelectuais com o povo:

o que eles (o povo) precisavam da gente, o que a gente poderia dar a eles era conhecimento técnica e ciência. Porque isso é o que a gente adquiriu na universidade. Mas em compensação, tudo o mais a gente tinha para receber do nosso povo. Então, não era um relacionamento no qual nós fôssemos intermediários, no qual nós fôssemos