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2 ASPECTOS ESTRUTURAIS DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS NO PLANO

3.2 Arquétipo constitucional do ISS

Como já visto, a competência tributária consiste na aptidão para criar, in abstrato, tributos, descrevendo, cada ente político, por meio de lei, suas hipóteses de incidência (que envolve os aspectos material, temporal e espacial), seus sujeitos passivos, bases de cálculo e alíquotas230.

Contudo, não se confunde esta com o poder tributário, absoluto (de que estava investido o Poder Constituinte originário), na medida em que a competência tributária, como vimos, é norma jurídica em sentido estrito, composta pela conjugação de diversos enunciados prescritivos que darão conta de como (antecedente: sujeito, tempo, espaço, procedimento), e em que termos (sujeito, tempo, espaço, matéria) os entes titulares desta competência poderão exercê-la com vistas à criação dos tributos que lhes foram outorgados.

Sendo o direito um sistema autopoiético que regula as formas de produção, transformação e extinção das suas unidades (normas jurídicas), a competência, como norma de estrutura que é, também deverá obedecer às regras impostas pelo ordenamento jurídico, de modo que, caso o sujeito competente para a instituição de

229 De fato, a possibilidade de desoneração do pagamento do ISS nas operações de exportação foi conferida por meio da Emenda Constitucional n. 03/93, que inseriu o §3º, no inc. II, do art. 156, da Constituição Federal, como veremos em Capítulo próprio.

230 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 436.

tributos ultrapasse as limitações de ordem formal e material impostas pelo próprio sistema, a consequência será, invariavelmente, a produção de norma ilegal ou inconstitucional, a depender da gravidade da violação.

Com isto, quer-se dizer que, nada obstante consista a competência tributária na aptidão para criar tributos, in abstrato, conferida às pessoas políticas, o exercício desta competência encontra limites na própria Constituição Federal, que traz, implícita ou explicitamente, o arquétipo constitucional de cada uma das exações que poderão ser instituídas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios.

Cumpre atentar para o fato de que a Carta Constitucional não criou tributos231, apenas discriminou as competências para que os entes políticos o façam, por meio de lei, e observados todos os princípios e regras constitucionais e complementares para tanto.

Assim, somente com a instituição efetiva do tributo, por meio de lei que prescreva todos os aspectos da regra-matriz de incidência tributária (normal geral e abstrata), editada pelo ente político competente, é que se pode falar na existência do tributo.232

No exercício da competência que lhe fora outorgada não pode, destarte, o legislador fugir do seu respectivo arquétipo pré-traçado na Constituição Federal. É dizer, o legislador constituinte apontou as possibilidades das quais pode se valer o legislador ordinário na eleição hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, os sujeito passivos possíveis, a base de cálculo possível e alíquota possível de cada uma das várias espécies e subespécies de tributos ali descriminados.

E qual seria, então, esse arquétipo ou regra-matriz de incidência possível do ISS? A Constituição Federal atribuiu aos Municípios, dentre outras, a

231

Em posição contrária, há quem entenda que o processo de criação do tributo nasce na própria Constituição, a exemplo de José Souto Maior Borges (A fixação em lei complementar das alíquotas

máximas do imposto sobre serviços. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 5).

232 Vale lembrar que, ao falarmos de regra-matriz de incidência, estamos diante de uma norma geral e abstrata, que prevê, no antecedente, os critérios que o conceito normativo oferece para a identificação do fato descrito e, no consequente, os critérios para a identificação do vínculo jurídico que nasce, uma vez constituído o fato jurídico pela linguagem competente. Com isso, queremos dizer que, neste momento, não há que se falar, ainda, em obrigação tributária (crédito tributário). Esta está prescrita no consequente da norma individual e concreta. Ou seja, somente nascerá no momento em que o evento hipoteticamente descrito no antecedente da regra-matriz de incidência tributária for relatado na linguagem competente, fazendo surgir o vínculo que une sujeito ativo ao sujeito passivo, tendo em vista o cumprimento de prestação de cunho patrimonial.

competência para instituir o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, prevista no art. 156, inciso III:

Art. 156 Compete aos Municípios instituir impostos sobre: […]

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

Diante desta prescrição, a primeira observação que se faz é a de que os Municípios somente poderão criar o ISS sobre aqueles fatos que se enquadrem no conceito de serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

E, diante da rígida repartição das competências tributárias, temos que, na linha dos ensinamentos de Aires F. Barreto233 todo e qualquer fato que, extrapolando o conceito de serviços empregado pelo art. 156, III, da Constituição Federal, for colocado como hipótese de incidência desta exação municipal, restará inquinado pela pecha da inconstitucionalidade por evidente invasão de competência tributária.

Mas não é só. O conteúdo semântico do vocábulo serviços de qualquer natureza – sobre o qual se tratará logo adiante - há de ser construído a partir de uma interpretação sistemática do Texto Constitucional, sempre levando em conta os princípios e demais preceitos constitucionais e infraconstitucionais que influenciam na conformação deste imposto.

Sendo, portanto, o conceito de serviço o núcleo da regra-matriz de incidência tributária de ISS, não podemos prosseguir nesse estudo sem perscrutarmos o signo serviço no plano semântico, tal como posto pelo legislador constituinte, em busca da construção do seu conteúdo, sentido e alcance para, só então, seguirmos para a análise da figura da importação de serviços, bem como da adequação ou não desta operação no conceito de serviço tributável que será construído.