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2 ASPECTOS ESTRUTURAIS DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS NO PLANO

3.9. Critério quantitativo

O critério quantitativo da regra-matriz de incidência traz as notas que permitem fixar o conteúdo do objeto da relação jurídica tributária, ou seja, o valor a ser transferido para os cofres públicos a título de tributo. Em atenção ao princípio da capacidade contributiva, o critério quantitativo há que manter estreita relação com a materialidade descrita na hipótese normativa, caracterizando-se como a perspectiva dimensível da hipótese.

É composto pela conjugação da base de cálculo e da alíquota. A base de cálculo caracteriza-se por uma unidade de medida que, aliada à alíquota (fator de quantificação da base de cálculo), permitirá a apuração do quantum debeatur.

A base de cálculo, segundo a melhor doutrina, é de suma importância, não só porque se presta , juntamente com a alíquota, a determinar o montante da dívida (função objetiva), ou a medir a verdadeira dimensão do fato jurídico tributário, sendo um instrumento de objetivação do princípio da capacidade contributiva (função mensuradora), mas também porque exerce uma terceira função extremamente relevante, que é a função comparativa.

Segundo Paulo de Barros Carvalho, na sua função comparativa, a base de cálculo se presta a confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério da hipótese tributária:

Confirmando, toda vez que houver total sintonia entre o padrão de medida e o núcleo do fato dimensionado;infirmando, quando houver manifesta a incompatibilidade entre a grandeza eleita e o acontecimento que legislador declara como a medula da previsão fáctica e afirmando, na eventualidade de ser obscura a formulação legal”, prevalecendo, então, como critério material da hipótese, a ação-tipo que está sendo avaliada.317

A função comparativa da base de cálculo em função do critério material da hipótese de incidência consubstancia o binômio identificador tributo, já que a mera denominação do tributo não é suficiente para a identificação da sua natureza jurídica

(art. 4º, do CTN).318 Por meio da análise da relação lógico-semântica que há entre as hipóteses de incidência e as respectivas bases de cálculo, comparando-as se poderá demonstrar a verdadeira natureza jurídica de determinada exação; ou seja, a despeito da denominação da exação, uma pretensa taxa é, na verdade, um imposto “mascarado”319, por exemplo.

Mas a base de cálculo, só por si, não atende à sua função objetiva, consubstanciada, como vimos, na determinação do débito tributário. Para tanto, é indispensável que a ela se agregue um outro fator, a alíquota. Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho,

para qualquer exação, não pode haver base imponível ali onde não houver alíquota, entidade que se congrega à base para oferecer a compostura numérica do debitum, estatuindo o valor que pode ser exigido pelo sujeito ativo, em cumprimento da obrigação que nascerá pelo acontecimento do fato normativamente descrito.320

Cabe ao legislador, quando da instituição do tributo, escolher, dentre os inúmeros atributos valorativos do comportamento descrito na hipótese de incidência, aqueles indicativos de capacidade contributiva que servirão de base para mensurar a riqueza inerente ao acontecimento. Bem de se ver que os fatos não são mensuráveis na sua integralidade, cabendo ao legislador optar, dentre as manifestações exteriores do fato aquelas que sirvam de índices avaliativos.

No caso do ISS, o legislador fez a opção pelo preço do serviço como o padrão avaliativo, com as deduções legalmente previstas, para se mensurar a obrigação de fazer em que se reflete a materialidade do tributo.

318 Deixamos de mencionar aqui a destinação legal do tributo propositadamente, já que entendemos que este enunciado não teria sido recepcionado pela CF/88, que atribui à destinação legal do tributo o papel de, conjugada a outros atributos, identificar as contribuições especiais como espécie tributária autônoma, distinta dos impostos, taxas e contribuições de melhoria. Este porém, além de ser tema ainda controverso na melhor doutrina, escapa dos limites impostos a este trabalho, em virtude do corte metodológico realizado.

319 Exemplo disso é a Taxa de Fiscalização e Funcionamento (TFF) instituída pelo Município de Salvador, por meio da Lei n. 7186/06, art. 140, que, nada obstante ter por hipótese de incidência o exercício do poder polícia do município elege como, base de cálculo, valores fixos, enquadrando os contribuintes em cada um destes valores de acordo com a receita bruta auferida no exercício anterior (anexo V, Tabela de Receitas IV).

320 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 620.

É de se notar, por fim, a diferença entre a base de cálculo normativa e a fáctica. De fato, a base de cálculo prevista abstratamente na regra-matriz de incidência tributária, como ademais todos os critérios integrantes desta norma geral e abstrata, traz apenas a referência abstrata à perspectiva dimensível da hipótese, de modo que, apenas em razão do processo de positivação do direito, mediante a incidência desta norma sobre um determinado fato, jurisdicizando-o, é que se individualiza o valor, chegando a uma quantia líquida e certa (base de cálculo fáctica).

Feitas as considerações a respeito dos critérios que compõem a regra-matriz de incidência tributária do ISS, bem como suas limitações de fundo e forma no plano constitucional, passemos à análise do ISS e sua incidência na importação de serviços identificando a sua estrutura lógico-semântica, por meio da análise da regra-matriz de incidência tributária, saturada com os conteúdos de significação respectivos, a fim de nos posicionarmos acerca da sua compatibilidade e operatividade dentro do ordenamento jurídico pátrio.

4 O ISS NA IMPORTAÇAO DE SERVIÇOS

4.1 Considerações iniciais

A Lei Complementar n. 116/03, editada em 31 de junho de 2003, exercendo o seu papel de dispor sobre normas gerais em matéria tributária (art. 146, III c/c art. 156, III, da CF/88), inseriu modificações na regulamentação do ISS no ordenamento jurídico brasileiro.

Dentre estas alterações, cumpre-nos tratar daquela prevista no seu art. 1º, §1º, que determinou a incidência do ISS sobre serviços provenientes do exterior ou cuja prestação tenha se iniciado no exterior. Apesar do profundo impacto causado por esta inovação, trata-se de tema ainda não tratado com o devido grau de aprofundamento e seriedade pela doutrina.

Por outro lado, em razão da relativa novidade da LC n. 116/03, ao lado morosidade do Poder Judiciário, especialmente pelo grande número de recursos cabíveis, é certo que este tema ainda não chegou aos Tribunais Superiores, de modo a formar uma jurisprudência consistente sobre o assunto.

Diante deste panorama, o nosso propósito com o presente estudo é a investigação, pelo método analítico-hermenêutico, da conformidade deste enunciado prescritivo com os critérios da regra de competência do ISS. Para tanto, tendo em mente a norma de competência do ISS já construída, partiremos para a construção das regras- matrizes do ISS sobre a importação de serviços para, ao final, podemos realizar, com segurança, o juízo de compatibilidade destes enunciados com a Carta Constitucional.

Grande parte dos juristas que já se debruçaram sobre o tema insiste na incompatibilidade da previsão legal de oneração da importação de serviços pelo ISS, ora ao argumento de que a Constituição Federal teria dado adotado o princípio da origem para a tributação pelo ISS, não podendo, por isso, alcançar serviço prestador fora dos limites territoriais do ente competente para a exigibilidade do tributo; ora ao argumento de que a lei complementar teria extrapolado da competência que lhe fora atribuída ao pretender tributar materialidade distinta daquela prevista na Constituição (estar-se-ia tributando o consumo, e não a prestação do serviço).

Há ainda quem defenda que, tendo a legislação complementar eleito como contribuinte o prestador do serviço (art. 5º, da LC n. 116/03), a opção pelo tomador como “responsável” implicaria na extraterritorialidade da lei, já que estaria alcançando o prestador não residente. Essas são apenas algumas das principais objeções que se faz à tributação da importação de serviços.

Diante destas objeções feitas pela doutrina, entendemos como necessárias para alcançarmos a conclusão que pretendemos, as respostas às seguintes perguntas, parte delas já trabalhadas como premissas do que será mais cuidadosamente analisado neste capítulo: há limites constitucionais à definição do sujeito passivo possível (contribuinte) do ISS? Qual o fato-signo presuntivo de riqueza na materialidade constitucional do ISS? E, tomando por premissa que é a prestação de serviço, estaria o legislador complementar vinculado à escolha do prestador do serviço como contribuinte? Ou teria ele a opção pelo tomador de serviços?

Outra leva de questões diz respeito à definição do critério espacial do ISS. Há limites para o legislador complementar nesta seara? Quais os critérios de conexão que podem ser legitimamente eleitos? Seria o local onde se verifica o resultado da prestação um deles?

Tomando por base essas indagações, buscaremos delinear o regime jurídico do ISS na importação de serviços, tendo sempre presente a advertência feita por Alfredo Augusto Becker quanto ao perigo da aceitação dos “fundamentos óbvios”.