• Nenhum resultado encontrado

Substituição tributária e suas espécies

2 ASPECTOS ESTRUTURAIS DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS NO PLANO

2.4. Sujeição passiva e os enunciados do Código Tributário Nacional

2.4.1 Substituição tributária e suas espécies

Como vimos, a substituição216 tributária é uma espécie do gênero sujeição passiva. A despeito de ser cada vez mais usual no sistema do direito positivo, ainda são muitas as dúvidas e incertezas que suscita naqueles que se propõe a estudar o tema.

Paulo de Barros Carvalho, pontuando a sua importância como meio de controle racional e de fiscalização eficiente no processo de arrecadação tributária, salienta que “ao mesmo tempo que responde aos anseios de conforto e segurança das entidades tributantes, provoca sérias dúvidas no que concerne aos limites jurídicos de sua abrangência e à extensão de sua aplicabilidade.”217

Pode causar espécie, em um primeiro momento, o fato de que não há, seja na Constituição Federal, seja no Código Tributário Nacional, qualquer enunciado que faça referência expressa à substituição tributária, o que leva parte da doutrina a não ver na substituição tributária uma espécie de responsabilidade, mas uma espécie autônoma de sujeição passiva.

Neste sentido, Renato Lopes Becho:

215 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. São Paulo: Noeses, 2005, loc. cit.

216 Apesar de não concordarmos com a expressão substituição tributária, já que vimos que, nestes casos, o legislador nada substitui; utilizá-la-emos para identificar aqueles casos em que, necessariamente, existirá outra norma jurídica, que autoriza o ressarcimento deste sujeito (substituto), perante outrem, do valor recolhido aos cofres públicos a título de tributo.

217 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 662-663.

Pela leitura isolada do art. 121, particularmente de seu parágrafo único, pode-se ter a errônea impressão de que só existem dois tipos de sujeitos passivos tributários: contribuintes e responsáveis. […] Entretanto, a mera leitura de outro artigo do CTN aponta para a incompletude da divisão disposta no art. 121 e para a impossibilidade técnica de se colocar o responsável e o substituto com alguma raiz comum, que não o fato de serem sujeitos passivos.218

Contudo, apesar de evidentes as diferenças entre a substiuição tributária e as demais espécies de responsáveis tributários, a análise do direito positivo nos leva a conclusão diversa, no sentido de ser a substituição tributária, sim, espécie de responsabilidade, por meio da qual é imputada a um terceiro, vinculado indiretamente ao fato jurídico tributário219, a obrigação de cumprir o objeto da obrigação tributária principal. Isso porque há, de igual modo, pontos de conexão que aproximam estas figuras jurídicas do responsável e do substituto tributário e que, por outra via, as distancia da figura do contribuinte, como a necessidade de, em se tratando de responsabilidade220, a restituição ser legalmente assegurada, seja por via de reembolso ou retenção.

O fundamento de validade constitucional das normas jurídicas (sentido amplo) que tratam da substituição tributária está no art 150, §7º, da Constituição; o seu fundamento de validade infraconstitcional, está no art. 128221, do CTN, acima

218 PEIXOTO, Marcelo Magalhães; LACOMBE, Rodrigo Santos Masset (coords.). Comentários ao Código

Tributário Nacional. 2. ed. revisada e atualizada. São Paulo: MP Ed., 2008, p. 1012-1013.

219 Dizemos indiretamente eis que, como vimos, o contribuinte é aquele que mantém relação pessoal e direta com a materialidade descrita no antecedente da regra-matriz de incidência tributária, identificando-se como aquele que realiza o verbo descrito no critério material e, aliado a isso, figura no polo passivo da relação jurídica tributária.

220

A exceção a esta afirmação está naqueles casos de responsabilidade em que a restituição não é legalmente assegurada, como se verifica nas hipóteses de responsabilidade por sucessão nos casos de extinção da pessoa jurídica sucedida por cisão e na responsabilidade pessoa do administrador que agiu com excesso de poderes. Apesar de não ser objeto do presente estudo, em virtude do corte metodológico realizado, achamos importante deixar registradas estas situações. Maria Rita Ferragut justifica a inexistência de restituição nestas hipóteses: “No que diz respeito à sucessão com o desaparecimento do contribuinte, o sucessor, nos termos e limites da lei, torna-se titular dos direitos e das obrigações do sucedido, sendo a ele transferido o patrimônio que suportaria o pagamento da dívida tributária. [...] Na responsabilidade de terceiros ou por infração, por sua vez, a obrigação que o responsável tem, de pagar com recursos próprios tributos decorrente de fato praticado pela pessoa jurídica, advém de norma primária sancionadora, criada com o objetivo de punir a má-gestão empresarial que prejudique as atividades sociais, os sócios, os acionistas e o interesse público.” (FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código

Civil de 2002. São Paulo: Noeses, 2005, p. 41-42).

221 “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.”

transcrito, o qual, a pretexto de trazer disposições gerais sobre as espécies de responsabilidade tributária que são tratadas no Capítulo V, do CTN (responsabilidade dos sucessores, responsabilidade de terceiros e responsabilidade por infrações), trata, em verdade, apenas da substituição tributária.

Contudo, essa substituição que ocorre em momento “pré-jurídico”, como vimos, não interessa à análise científica do direito enquanto sistema composto pelo conjunto de normas jurídicas válidas. Nestes casos, o legislador nada substitui, apenas institui, como pontuado em insuperável lição de Paulo de Barros Carvalho:

Anteriormente à lei que aponta o sujeito passivo, inexistia, juridicamente, aquele outro sujeito que o autor chama de direto. Havia, sim, sob o enfoque pré-legislativo, como matéria-prima a ser trabalhada pelo político. Mas o momento da investigação jurídico-científica começa, precisamente, na ocasião em que a norma é editada, entrando no sistema do direito positivo.222

Nesse sentido também a explicação dada por Alfredo Augusto Becker, para quem

o fenômeno da substituição opera-se no momento político que o legislador cria a regra jurídica. E a substituição que ocorre nesse momento consiste na escolha pelo legislador de qualquer outro indivíduo em substituição daquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo.223

Do ponto de vista do direito positivo, a substituição tributária nada mais é do que a instituição, no polo passivo de uma relação jurídica tributária, de um dos sujeitos passivos possíveis, desde que não seja o contribuinte (detentor de capacidade contributiva em razão da realização do fato jurídico tributário, portanto), observados os limites impostos pela Constituição e pelo CTN.

Diante destas considerações, parece-nos acertada a conclusão alcançada por Julia de Menezes Nogueira:

222 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 316. 223 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002, p. 553 et

Sendo assim, as situações identificadas pela Doutrina como “substituição tributária”, nada mais são, do ponto de vista normativo, que regra-matriz de incidência tributária. Identifica-se, porém, seu sujeito passivo como substituto quando existe outra norma jurídica que autoriza o ressarcimento, perante outrem, do montante do tributo a ser recolhido aos cofres públicos.224

A existência desta norma jurídica que autoriza o ressarcimento é de fundamental importância, na medida em que conforma a substituição tributária aos cânones da capacidade contributiva e vedação ao confisco, possibilitando a repercussão jurídica do encargo tributário que deverá alcançar, unicamente, aquela materialidade denotativa de um fato-signo presuntivo de riqueza.

Essa repercussão jurídica do encargo econômico do tributo pago pelo “substituto” (sujeito passivo da regra-matriz de incidência tributária) pode se realizar de duas maneiras, por reembolso e por retenção. Nos termos desenvolvidos por Alfredo Augusto Becker225, temos as seguintes diferenças entre estas modalidades, citadas nesta ordem:

Repercussão jurídica por reembolso - […] o legislador cria duas regras jurídicas. A primeira regra jurídica tem por hipótese de incidência a realização de determinados fatos que, uma vez acontecidos, desencadeiam a incidência da regra jurídica tributária, e o efeito jurídico desta incidência é o nascimento da relação jurídica tributária, vinculando o contribuinte de jure ao sujeito ativo, impondo-lhe o dever de uma prestação jurídico-tributária. A segunda regra jurídica tem como hipótese de incidência a realização da prestação jurídico-tributária que se tornara juridicamente devida após a incidência da primeira regra jurídica. A realização daquela prestação jurídico-tributária realiza a hipótese de incidência desta segunda regra jurídica e, em conseqüência, desencadeia sua incidência. O efeito jurídico desta incidência é o nascimento de uma segunda relação jurídica que tem: em seu pólo positivo, aquela pessoa que fora o contribuinte de jure no primeiro momento e, em seu pólo negativo uma outra determinada pessoa na condição de sujeito passivo. O conteúdo jurídico desta segunda relação jurídica consiste num direito de crédito do sujeito ativo (o contribuinte de jure) contra o sujeito passivo, tradicionalmente denominado contribuinte de fato, mas que, cientificamente, somente será contribuinte de fato, na medida em que não puder repercutir o ônus econômico do tributo sobre uma terceira pessoa.

224 NOGUEIRA, Julia de Menezes. Imposto Sobre a Renda na Fonte. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 111-112.

225 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002, p. 534 et seq.

Repercussão jurídica por retenção – A lei outorga ao contribuinte de

jure o direito de compensar o montante do tributo com o determinado débito que o contribuinte de jure tiver com uma determinada pessoa. Exemplo: a sociedade anônima, ao ser aprovado o dividendo, torna-se devedora desse dividendo para com o acionista titular de ação ao portador; entretanto, o sujeito passivo da relação jurídica tributária de imposto de renda sobre o dividendo da ação ao portador é a própria sociedade anônima, de modo que a lei outorga-lhe o direito de compensar com o débito do dividendo um imposto por ela pago ou devido, isto é, reter na fonte pagadora do rendimento o imposto de renda devido com referência ao mesmo.226

Por esta razão, não vemos qualquer problema quando a LC n. 116/03 elege o tomador do serviço como sujeito passivo do ISS incidente sobre serviços provenientes do exterior do País, ou cuja prestação tenha se iniciado no exterior do País. Ao assim proceder, o legislador cria, de igual forma, uma outra norma jurídica que autoriza o tomador serviço a efetuar a retenção do montante do tributo daquele que presta o serviço tributável.

Entendemos, ainda, que essa norma garantidora da repercussão jurídica do encargo financeiro do tributo tem a sua importância ligada diretamente ao Direito Tributário, uma vez que sem ela, o fenômeno da substituição tributária careceria de respaldo constitucional por afronta aos princípios da capacidade tributária e vedação ao confisco227.

Conclusão semelhante à nossa foi alcançada por Julia de Menezes Nogueira, ao analisar imposto de renda na fonte, entendendo pela necessidade da norma de retenção

para garantir que ‘renda e proventos de qualquer natureza’ sejam o objeto de tributação. Caso não se permitisse à fonte pagadora ressarcir-se perante o beneficiário dos rendimentos, estar-se-ia tributando o patrimônio da fonte pagadora e não aqueles bens referidos pela atribuição constitucional de competência expressa.”228

226 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002, loc. cit. 227 Em sentido contrário, Paulo de Barros Carvalho, para quem “essa repercussão é prestigiada pelo Direito,

de modo que ela tem expressão jurídica. Apenas, não é contemplada no âmbito do Direito Tributário, uma vez que o Direito Tributário se extingue com a própria extinção da obrigação tributária. (apud NOGUEIRA, Julia de Menezes. Imposto Sobre a Renda na Fonte. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 113).

Firmadas estas premissas, analisaremos, em capítulo próprio, a substituição tributária no ISS, especificamente em relação à sua incidência sobre a importação de serviços, investigando o enunciado descrito no antecedente da regra-matriz de incidência tributária, os sujeitos da relação jurídica que surge em razão da ocorrência do fato jurídico tributário, bem como a relação que os une.

3 CONSTRUÇÃO DE SENTIDO DOS CRITÉRIOS INTEGRANTES DO ARQUÉTIPO CONSTITUCIONAL DO ISS