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2 ASPECTOS ESTRUTURAIS DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS NO PLANO

3.6. Critério temporal

O critério temporal aparece como um dos condicionantes da ação- tipo descrita pelo antecedente normativo (critério material), informando as indicações que permitirão a identificação do preciso instante em que se considera ocorrido o fato descrito, irrompendo-se a relação jurídica tributária.

A Constituição Federal, ao dispor sobre as espécies tributárias não vinculadas, limitou-se a apontar as materialidades possíveis de serem contempladas pelos legisladores ordinários para a instituição dos tributos albergados sob a sua esfera competencial.

A despeito da Constituição Federal trazer, ínsitos, indicativos acerca do momento em que poderia se considerar ocorrido o fato jurídico tributário – já que não se pode cogitar da ocorrência de um determinado fato desprendido das condições de tempo e espaço - a incumbência de especificar este momento ficou a cargo do legislador que, como vimos, expede enunciados prescritivos integrativos da norma de competência tributária.

É de se ver porém, que nem sempre o critério temporal da hipótese vem expressamente previsto em lei, sendo certo que este haverá que manter coerência com o critério material posto na hipótese de incidência e não poderá ser anterior à concretização do próprio fato tributado294.

No caso do ISS, a sua materialidade consubstancia, necessariamente, uma obrigação de fazer. Ao direito de uma das partes, contrapõe-se o dever da outra e vice- versa. Ou seja, a ênfase dada pelo legislador infraconstitucional no elemento prestação, implicará reconhecer como critério temporal a efetiva prestação do serviço; por outro lado,

294 Não entraremos aqui na discussão acerca da constitucionalidade ou não do §7º, do art. 150, CF, por não influir no tema ora tratado.

havendo a ênfase no outro polo desta relação, nada obsta a que se eleja critério material distinto, que se preste a identificar o exato instante em que realizada materialidade consistente em tomar serviços.

Com isso queremos chamar atenção para o fato de que todo serviço tributável para fins de ISS, está inserido no bojo de uma relação jurídica que envolve tanto um fazer (prestar determinado serviço), como um tomar ou receber determinado resultado, não tendo o legislador constitucional feito qualquer tipo de restrição à adoção de um ou outro elemento pelo legislador complementar para a definição do momento em que se considera prestado o serviço.

Estamos com Roque Antonio Carrazza quando afirma que “um serviço só estará prestado quando posto à disposição do tomador, que pode utilizá-lo como for de sua conveniência.” E continua em seguida:

Embora a legislação silencie a respeito, parece-nos óbvio que a prestação do serviço só se ultima quando o usuário dele puder efetivamente dispor. E tal ocorre, não com a conclusão do serviço no estabelecimento do prestador, de conformidade com a encomenda; tampouco, quando vem simplesmente entregue ao tomador; mas quando, uma vez por ele aprovado, passa à sua livre disposição.295

Difere disso a avaliação qualitativa deste resultado obtido. Ou seja, para fins do direito tributário e tributação pelo ISS, não importa se o resultado obtido foi exatamente o esperado. Prestado o serviço, que se conclui com a entrega do resultado ao tomador, é devido o ISS. Esse é o átimo temporal, em razão da própria natureza obrigacional da relação por meio da qual se desenvolve a prestação do serviço tributável.

Não importam, portanto, para caracterização do exato instante em que se considera ocorrido o fato jurídico tributário do ISS, os aspectos meramente documentais ou contratuais por meio dos quais as partes ajustam as condições da prestação. Isso porque, repita-se, a materialidade do ISS é a efetiva prestação do serviço, o que não se confunde com a eventual assinatura de contratos ou emissão de documentos relacionados a esta prestação.

295 CARRAZZA, Roque Antônio. A tributação na Constituição, o princípio da autonomia municipal e o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS). Questões conexas. Direito Tributário e Finanças

Do mesmo modo, a data de pagamento do preço ajustado para fins de retribuição (seja antecipada ou postergada no tempo) não figura, necessariamente, dentre os critérios que o legislador deverá levar em conta para instituir, validamente, o ISS. Não poderá ser exigida a cobrança do imposto antes de realizada a materialidade descrita na hipótese; contudo, uma vez ocorrida esta, a sua exigibilidade não fica condicionada ao pagamento/recebimento do preço. Este também o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal296.

Entendemos que a fixação do momento em que se considera ocorrido o evento descrito hipoteticamente no antecedente normativo também fica a cargo do legislador infraconstitucional, ao instituir o tributo, o qual deverá ater-se às limitações temporais previstas na Constituição (como por exemplo, os princípios da irretroatividade e da anterioridade), nada impedindo, porém, que o legislador eleja, por exemplo que determinado fato considera-se ocorrido em determinado dia, mês, ano ou período de tempo qualquer297.

O que vemos como limite intransponível para o legislador infraconstitucional nestes casos é que o aspecto temporal, por estar em estreita relação com o critério material, não poderá ocorrer antes de concretizado o evento previsto abstratamente no antecedente da regra-matriz de incidência tributária298.

Por fim, é importante termos em mente, dentro do sistema referencial adotado, que o tempo em que o fato se constituiu ingressando validamente no sistema (enunciado denotativo) não se confunde com as referências temporais contidas na

296 “ISS: exigibilidade. A exigibilidade do ISS, uma vez ocorrido o fato gerador - que é a prestação do serviço -, não está condicionada ao adimplemento da obrigação de pagar-lhe o preço, assumida pelo tomador dele: a conformidade da legislação tributária com os princípios constitucionais da isonomia e da capacidade contributiva não pode depender do prazo de pagamento concedido pelo contribuinte a sua clientela.” (STF, AI 228.337-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 7-12-99, 1ª Turma, DJ de 18-2-00).

297 BAPTISTA, Marcelo Caron. O ISS – Do Texto à Norma. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 128-129. 298

Esse entendimento vai de encontro ao que prescreve o §7º, do art. 150, da CF/88, acrescentado ao Texto Constitucional por meio da EC n. 03/93, por meio do qual fica o legislador autorizado a editar lei que autorize a cobrança de tributo antes da ocorrência do fato jurídico tributário; ou seja, instituiu, contra toda a lógica do sistema vigente, a figura do fato gerador presumido. Nada obstante nossa discordância, o Plenário do STF já se manifestou quanto à constitucionalidade deste dispositivo, no acórdão proferido na ADIN 1851-4/AL, cuja ementa restou assim consignada: “A EC nº 03/93, ao introduzir no art. 150 da CF/88, o §7º, aperfeiçoou o instituto, já previsto me nosso sistema jurídico tributário, ao delinear a figura do fato gerador presumido e ao estabelecer a garantia de reembolso preferencial e mediato do tributo pago quando não verificado o mesmo fato a final.A circunstância de ser presumido o fato gerador não constituiu óbice à exigência antecipada do tributo, dado tratar-se de sistema instituído pela própria Constituição, encontrando-se regulamentado por lei complementar que, para definir-lhe a base de cálculo, se valeu de critério de estimativa que a aproxima o mais possível da realidade.”

regra-matriz de incidência tributária. Daí a importância da distinção entre o tempo do fato e do tempo no fato.

O tempo do fato é o instante no qual o enunciado denotativo ingressa no sistema do direito positivo, por meio de um instrumento introdutor de normas individuais e concretas (como por exemplo uma sentença ou ato administrativo); a partir deste momento, o fato social ingressa no plano da facticidade normativa, fazendo nascer, imputação deôntica, direitos e obrigações.

O tempo no fato, por sua vez, diz respeito à própria ocorrência do evento a que alude o enunciado factual. O critério temporal da regra-matriz de incidência tributária, tal como vimos neste tópico, alude ao tempo no fato, permitindo a identificação do exato instante em que se considera ocorrido o evento no mundo fenomenico.

Essa dualidade de marcos temporais é sobremodo relevante, especialmente no que toca à natureza do enunciados prescritivos e da legislação aplicável. Isso porque ao nos referirmos ao tempo do fato, fazemos alusão à data da expedição da norma individual e concreta que tem a virtude de constituir o fato jurídico tributário. A legislação aplicável é a vigente no momento da edição da norma individual e concreta, no que diga respeito a aspectos formais, relativos à competência para a criação da norma individual e concreta, bem como à arrecadação e fiscalização do tributo. A referência ao tempo no fato está voltada para o passado, relacionada à época da ocorrência do evento e, por isso, tem natureza declaratória299; as leis aplicáveis são de direito material vigentes à época da ocorrência do evento.

Esses os lineamentos básicos que deverá levar em conta o legislador infraconstitucional quando da eleição das notas que deverão estar presentes para que se considere o fato jurídico tributário apto a ensejar validamente os efeitos que lhe são próprios.