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Definição de tributo e regra-matriz de incidência tributária

Tributo é conceito aglutinante em torno do qual se organiza o ramo didaticamente autônomo do direito conhecido por Direito Tributário, razão pela qual qualquer estudo importa a elucidação do termo tal como construído conceitualmente pelo direito positivo.

Como ressaltado anteriormente, as normas jurídicas como unidades mínimas de significação do deôntico com sentido completo apresentam a mesma estrutura

83 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 6. ed. Saraiva: São Paulo, 2008, p. 61.

lógica, falando-se, portanto, em homogeneidade sintática destas unidades do sistema. O que as diferencia é, exatamente, o conteúdo semântico com o qual são saturadas as variáveis lógicas das normas e isso é que nos permite fazer o isolamento temático, facilitando a aproximação cognoscitiva ao objeto de estudos.

Como estamos a tratar do direito tributário, a delimitação do conteúdo das normas jurídicas que integram esse subsistema, impõe tratarmos da definição de “tributo”, que consubstancia o núcleo semântico da norma jurídica tributária. De fato, ante a já defendida homogeneidade sintática das normas jurídicas, é no plano semântico que podemos fazer o isolamento (didático) daquelas normas que constituem o nosso objeto de estudos.

A palavra “tributo” não escapou do vezo da ambiguidade, fazendo- se necessária a sua elucidação. Paulo de Barros Carvalho, estudando o tema, identificou, nada menos do que seis acepções diversas utilizadas nos textos de direito positivo e na doutrina85. Vejamos: (i) quantia em dinheiro; (ii) prestação correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo; (iii) direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo; (iv) relação jurídica tributária; (v) norma jurídica tributária; e (vi) norma, fato e relação jurídica.86A estas acepções, o mestre acrescentou outra, pontuada por J. Souto Maior Borges, para quem o vocábulo “tributo” pode ser visto também como:

processo de positivação, cadeia de normas que tem início no altiplano constitucional com as regras de competência (entre elas as de imunidades) e vão progredindo para baixo, em termos hierárquicos, passando pela regra-matriz de incidência até atingir, frontalmente, os comportamentos concretos que se consubstanciam numa efetiva prestação pecuniária. A palavra ‘tributo’ é usada para denotar o procedimento completo de instauração de normas, desde a primeira autorização

85 Assumimos o risco de dizer que grande parte da doutrina utiliza-se do termo tributo conceituando-o como norma ou, ao menos, partindo de enunciados que integram esta norma. Analisando alguns conceitos da doutrina, Tácio Lacerda Gama apontou esta tendência, citando alguns destes conceitos: “GERALDO ATALIBA, por exemplo, define tributo como ‘obrigação jurídica pecuniária, ex lege, que se não constitui em sanção de ato ilícito, cujo sujeito ativo é uma pessoa pública (ou delegado por lei desta), e cujo sujeito passivo é alguém nessa situação posto pela vontade da lei, obedecidos os desígnios constitucionais (explícitos ou implícitos)’. (Hipótese de Incidência Tributária, p.32). Já ALFREDO AUGUSTO BECKER, prefere enfatizar o objeto da relação jurídica tributária, e para isso afirma que ‘o tributo é o objeto daquela prestação que satisfaz aquêle dever.’ (Teoria Geral do Direito Tributário, p. 237). Escolha análoga fez RUBENS GOMES DE SOUZA que conceitua tributo como ‘receita derivada que o estado arrecada...’ (Compendio de Legislação Tributária, p. 24). Esta alusão à “receita” diz respeito também à quantia que é objeto material da relação jurídica.” (GAMA, Tácio Lacerda. Contribuições de Intervenção

no Domínio Econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 39).

competencial, até as ultimas providências normativas para a satisfação do direito subjetivo da entidade tributante.87

Apesar da ambiguidade do vocábulo ressaltada acima, como visto, temos que o Código Tributário Nacional, no seu art. 3º, traz a definição de tributo, optando, portanto, pela acepção do termo como norma, fato e relação jurídica, exprimindo, assim, toda a fenomenologia da incidência:

Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Desta definição sobrelevam-se alguns atributos fundamentais para a caracterização do que venha a ser tributo, a saber: (i) compulsoriedade; (ii) caráter pecuniário da prestação; e (iii) não derivação de ato ilícito.

Por compulsoriedade sobressai o caráter cogente da obrigação, não havendo espaço para cogitações acerca da vontade ou não do indivíduo detentor do dever jurídico de cumprir o mandamento, uma vez concretizado o fato jurídico tributário. Este mandamento, a seu turno, deve corresponder a uma prestação em dinheiro.88

Por fim, traço de grande importância para compreensão do conteúdo semântico de tributo está objetivado na frase em que esta prestação a ser paga em dinheiro decorre, necessariamente, de um fato lícito. Com isso, faz-se possível distinguir com relativa facilidade a relação jurídica do tributo daquela relação jurídica atinente à penalidade em decorrência do descumprimento de deveres tributários.

87

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 6. ed. Saraiva: São Paulo, 2008, p. 86. Por assim entender, o jurista defende que a criação do tributo acontece já no altiplano da Constituição Federal, ainda que a sua estruturação dependa da edição posterior de outras normas: “O insuficiente não é, em tal caso, equiparável ao inexistente. O tributo parcialmente estruturado na Constituição é algo já existente, embora a sua estruturação postule a superveniência da legislação integrativa.” (apud CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 445). Não concordamos com este entendimento, pois, como será demonstrado no capítulo seguinte, a competência tributária, enquanto norma de estrutura, apenas informa o campo tributável, trazendo enunciados que informam a faculdade de criar tributos, tarefa que será desenvolvida pelo legislador infraconstitucional.

88 Quanto a este atributo, o legislador, ainda que não imune a críticas, dispôs que a referida prestação deveria ser em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, alargando sobremaneira o âmbito das prestações tributárias. Valendo-se desta permissão legal, o legislador incluiu no rol das causas extintivas do crédito tributário, art. 156, do CTN, o inciso XI, que trata da dação em pagamento de bens imóveis, na forma e

condições estabelecidas em lei. Como se pode ver, trata-se de preceito normativo de eficácia limitada, cabendo a cada ente federativo, nos lindes da sua competência e segundo critérios de conveniência e oportunidade, editar norma para implementar a medida (v. STJ, RESP 884272/RJ).

Identificado o núcleo semântico da norma jurídica tributária, Paulo de Barros Carvalho, valendo-se do critério classificatório quanto ao grupo institucional a que pertencem as normas, propôs a seguinte classificação: (i) normas que estabelecem princípios gerais, demarcadores da virtualidade legislativa no campo tributário; (ii) normas que estipulam a incidência do tributo, descrevendo os aspectos de eventos de possível ocorrência e prescrevendo os elementos da obrigação tributária (sujeitos e modo de determinação do objeto da prestação); e (iii) normas que fixam providências de índole administrativa para a operatividade do tributo.89

Às normas que dizem respeito à incidência do tributo, dada a sua importância para o estudo do direito tributário, eis que consubstanciam o núcleo da percussão jurídica do tributo, o autor denominou de norma-padrão de incidência ou regra- matriz de incidência tributária90, alertando no sentido de que, neste conceito de classe enquadram-se, de igual forma, as normas que impõem penalidades.

Por outro lado, considerando o número reduzido destas normas do ordenamento do direito positivo, eis que, em princípio, haveria apenas uma regra-matriz de incidência tributária para cada tributo, chamou a esta de norma jurídica em sentido estrito, ao passo que todas as demais normas voltadas para a operatividade do tributo, mas que não tratassem da incidência propriamente dita, seriam as normas jurídicas em sentido amplo.

A regra-matriz de incidência tributária, tal como concebida por Paulo de Barros Carvalho, resultou da adaptação da estrutura lógico-sintática das normas jurídicas para o campo do direito tributário, compondo um esquema lógico semântico que permite exibir o estudo analítico da exação. Contudo, esclarece este autor que ela nem sempre resulta aparente na literalidade textual, sendo uma construção do intérprete, como ademais acontece com as normas jurídicas, nos termos já vistos:

As leis não trazem normas jurídicas organicamente agregadas, de tal modo que nos seja lícito desenhar, com facilidade, a indigitada regra- matriz de incidência, que todo o tributo hospeda, como centro catalisador de seu plexo normativo. Pelo contrário, sem arranjo algum, os preceitos se dispersam pelo corpo do estatuto, compelindo o jurista a um penoso trabalho de composição. Visto por esse prisma, o labor científico aparece como árduo esforço de procura, isolamento de dados, montagem e

89 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 6. ed. Saraiva: São Paulo, 2008, p. 86-87.

construção final do arquétipo da norma jurídica.91

Pois bem. A regra-matriz de incidência tributária é norma geral e abstrata, valendo-se, como as demais normas jurídicas, da estrutura hipotético-condicional. No antecedente, ou descritor da norma, estão as diretrizes para a identificação dos eventos, dotados de conteúdo econômico que, quando ocorridos em determinadas circunstâncias de tempo e espaço, darão ensejo à instituição do laço obrigacional que vinculará, de um lado o sujeito ativo, portador do direito subjetivo de exigir e, de outro, o sujeito passivo, detentor do dever jurídico de cumprir a prestação, consistente no pagamento de determinada quantia e dinheiro.

A estrutura formalizada da norma-padrão de incidência tributária poder ser assim expressada:

An = Cm. Ct .Ce RMI DSn

Cn = Cp.Cq

RMIT – regra-matriz de incidência tributária An – antecedente normativo

Cm – critério material (composto por um verbo pessoal, de predicação incompleta, que denote um fato-signo presuntivo de riqueza)

Ct – critério temporal, que trará o grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito

Ce – critério espacial, que indica as condições que espaço em que se considera realizado o fato jurídico tributário

Cn – consequente normativo

Cp – critério pessoal – fornece indicações dos sujeitos ativo e passivo

91 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 530.

Cq – critério quantitativo, composto pela conjugação da base de cálculo e da alíquota

Quanto à classificação dos tributos e suas espécies no ordenamento jurídico brasileiro, sabemos que há algumas formas de fazê-la, e nenhuma delas será, necessariamente, certa ou errada, mas mais útil ou menos útil para o intérprete que se propõe à análise deste emaranhado racional de normas em que se apresenta o direito.

No nosso caso, sem entrar em maiores discussões acerca das espécies tributárias e quantas seriam estas afinal, julgamos interessante chamar a atenção para a divisão feita pelo legislador constitucional ao distribuir a competência tributária para instituição de impostos entre as pessoas políticas levando em conta o conteúdo material que há de integrar as hipóteses de incidência.

Sob este ponto de vista, temos que o legislador agrupou os impostos de maneira a classificá-los como (i) impostos que gravam o comércio exterior; (ii) impostos sobre o patrimônio e a renda; (iii) impostos extraordinários; (iv) impostos previamente indeterminados (competência residual da União); e (v) impostos sobre a transmissão, circulação e produção.

Dentre estes últimos, está o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) que, ao final, apresenta-se como um imposto sobre o consumo. Em relação a estes, Misabel Derzi chama a atenção para que, do ponto de vista da Ciência das Finanças, seria um imposto indireto, assim entendidos aqueles que “embora pagos pelos contribuintes de direito, pelos sujeitos passivos que ocupam o polo passivo da relação jurídica tributária, são transferidos a terceiros, os consumidores finais, pelo mecanismo dos preços.”92

Esta é uma característica do ISS que, sem sombra de dúvida, deverá ser levada em consideração quando da análise, seja do critério material desta exação delimitado constitucionalmente, seja para fins de fixação de parâmetros para a definição do sujeito passivo desta incidência, como será adiante mencionado.

Fixados esses conceitos fundamentais prosseguiremos na nossa análise, rumo ao objeto central do presente trabalho, que é a investigação do Imposto sobre

92 DERZI, Misabel Abreu Machado. Nota de atualização. In: BALEEIRO, Aliomar. Limitações

Serviços de Qualquer Natureza na importação de serviços, cujas prescrições foram instituídas no ordenamento jurídico por meio da Lei Complementar n. 116/03.

Mas, antes de adentrar neste tema, é importante tecermos algumas considerações sobre a norma de competência tributária em sentido estrito, tratando especialmente do objeto da relação jurídica desta norma, que se volta para o conjunto das limitações materiais a que está adstrito o legislador ordinário na produção de normas jurídicas que instituem o ISS.