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2.4 Dois modelos de propostas bilíngües bem-sucedidos dão exemplo de humanidade e saem da teoria para a vida.

2.4.2 O arrojado modelo bilíngüe da Venezuela.

Segundo Sánchez55 (1990 apud QUADROS, op. cit. pp. 35-36), a Venezuela, no ano de 1990, ao contrário da Suécia, implantou seu programa bilíngüe de uma só vez em todas as escolas ao mesmo tempo em que formava grupos interdisciplinares compostos de lingüistas, psicólogos e pedagogos para servirem de ponte entre a teoria e a prática, esses grupos lidando diretamente com os professores.

A proposta venezuelana foi idealizada partindo-se do pressuposto de que os surdos compõem uma comunidade minoritária com valores, cultura e língua natural próprios e que, portanto, deveriam desenvolver e adquirir linguagem através da sua própria língua, a Língua de Sinais Venezuelana (LSV), sem descuidar do ensino do castelhano escrito, tudo feito dentro de metodologias de ensino de segunda língua.

De acordo com estatísticas venezuelanas, cerca de 95% das crianças surdas da Venezuela são filhas de pais ouvintes. Conclui-se, a partir desse dado, que o ambiente familiar não é o mais adequado para o desenvolvimento lingüístico dessas crianças, que em fase de aquisição, de linguagem necessitam de contato com surdos que dominam uma língua de sinais. Essas crianças, desde que surdas profundas e bilaterais, interagem com todos na família mediante o que se chama de sinais domésticos, ou seja, sinais que não compõem a língua de sinais da comunidade surda daquele país, pois são convencionados geralmente pela família, ou pelo surdo, para que possam estabelecer uma comunicação enquanto o grupo familiar adquire, ou não, a língua de sinais da comunidade surda. Não se está levantando-se a velha questão filosófica da naturalidade ou convencionalidade da língua, mas tão somente se apontando como se dá a interação lingüística na família antes da aquisição da língua de sinais propriamente dita.

Esses sinais ajudam em casa, mas existem, sobretudo devido à falta de contato ou acesso à língua de sinais daquela comunidade, tanto da parte do filho surdo quanto dos pais ouvintes por várias razões como, por exemplo, desconhecimento de que exista uma língua de sinais, descaso com essas línguas de sinais, não existência de identificação positiva com a condição de surdo, falta de uma comunidade surda organizada etc.

Sendo assim, o modelo venezuelano incumbe a escola de proporcionar esse ambiente lingüístico de desenvolvimento para que aqueles alunos surdos desenvolvam a linguagem com igualdade de condições a de qualquer aluno ouvinte da escola. São metas da escola bilíngüe venezuelana de acordo com Sánchez (op. cit. apud QUADROS loc. cit.):

 Garantir o desenvolvimento da linguagem, do pensamento e do indivíduo surdo prestigiando sua língua natural, a de sinais;

 Assegurar o desenvolvimento da personalidade através da interação com adultos surdos;

 Garantir que a criança surda construa uma teoria de mundo através de sua própria língua e da interação com adultos surdos, e;

 Assegurar o acesso aos conteúdos escolares.

Logo se vê que o modelo venezuelano se distingue do sueco por contornar a burocracia tradicional, que envolve esse tipo de assunto, quando da implantação de uma vez só do seu modelo em todas as escolas que atendiam alunos surdos, e quando da criação de equipes interdisciplinares para o acompanhamento da experiência e mediação entre teoria e prática junto aos professores que lidam com alunos surdos.

Um outro critério de distinção entre os modelos sueco e venezuelano é que nesse último a proposta curricular não contempla a fala como atividade complementar sendo a língua escrita mais valorizada do que a língua oral e, conseqüentemente, se dedica mais tempo ao seu ensino. A família, se desejar, deve procurar esse tipo de atendimento fora da escola, mesmo se os seus filhos não forem surdos profundos bilaterais, quer dizer, sejam filhos com perdas auditivas de algum grau.

2.4.2.1 Sobre a possível interação entre terapia de fala e ensino de língua.

É possível que um programa de educação bilíngüe contemple o ensino da modalidade oral da língua desde que o aluno tenha condições individuais para a aprendizagem dessa modalidade, ou seja, o aluno tenha surdez unilateral - surdez de um dos ouvidos – ou tenha perdas auditivas em ambos, ou seja, surdo unilateral e também tenha perda auditiva no outro, mas faça uso de prótese auditiva. Esses alunos têm algum acesso á língua oral e conseguem falar devido a esse acesso.

Porém os alunos completamente surdos não têm esse mesmo acesso e privá-los da aprendizagem de uma língua de sinais, como pretendem alguns fonoaudiólogos com o argumento duvidoso de que as línguas de sinais interferem de maneira negativa na aprendizagem da fala, significa retardar o desenvolvimento lingüístico desses alunos. Pode-se dizer que a terapia de fala que proíbe a aprendizagem de uma língua de sinais acarreta prejuízos para a educação lingüística que deve ser feita na escola, logo terapia de fala e ensino de língua são duas coisas distintas, sim, mas que poderiam se complementar dentro das condições individuais de um sujeito visto como aluno surdo e não como um paciente em tratamento.

Pode-se aqui fazer uma pequena distinção entre falar plenamente e articular umas poucas palavra aprendidas pelo adestramento do aparelho fonador através de anos de terapia de fala. É perfeitamente possível um surdo profundo e bilateral56 aprender a articular um certo montante do léxico de uma língua visual-auditiva com um certo conhecimento e entendimento do significado/sentido dessa amostra em alguns contextos e isso é bom.

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