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Bilingüismo, um sopro renovador reforça a idéia de que as Línguas de Sinais são legítimas e propõe que a educação dos surdos deveria se dá por elas.

2.3 Filosofias para a educação de surdos: terapia versus ensino, a clínica e a escola se confrontam na pessoa do surdo.

2.3.3 Bilingüismo, um sopro renovador reforça a idéia de que as Línguas de Sinais são legítimas e propõe que a educação dos surdos deveria se dá por elas.

O Bilingüismo vem se caracterizando como uma abordagem de ensino de duas línguas a crianças surdas em idade escolar respeitando-se a autonomia das línguas de sinais e buscando-se desenvolver um plano educacional que não afete a experiência psicossocial e lingüística da criança surda. Ressalte-se que a concepção de bilingüismo adotada neste trabalho é semelhante à de letramento, ou seja, assim como se pode falar de níveis de letramento também é possível se falar de níveis de bilingüismo (Cf. 2.1.1).

Após o rompimento com a Comunicação Total o Bilingüismo adquire identidade própria e deixa de ser um pressuposto atrelado à Comunicação Total, com a qual não guarda mais nenhuma afinidade, pois o Bilingüismo parte do princípio, segundo Quadros (1997, p. 27) de que:

(...) a língua de sinais é uma língua natural adquirida de forma espontânea pela pessoa surda em contato com pessoas que usam essa língua e se a língua oral é adquirida de forma sistematizada, então as pessoas surdas têm o direito de ser ensinadas na língua de sinais (...).

Ainda para Quadros (op. cit. pp. 30-31), três são os métodos através dos quais o Bilingüismo se desenvolve em se tratando de educação de surdos. No primeiro método se ensina sistematicamente a L2 concomitantemente à aquisição da L1 pela criança surda. Já no segundo método a L2 só é ensinada após a aquisição da L1 pela criança surda, e há por fim o terceiro método, o chamado bilingüismo diglóssico.

Para a possibilidade de um bilingüismo nos parâmetros do primeiro método deve- se considerar, primeiro, a origem das duas línguas, quer dizer, “se a aprendizagem das duas línguas será dentro da própria família com falantes nativos”, assim a aprendizagem se dá como necessidade do próprio ato de se comunicar, “e/ou se a aprendizagem das duas línguas será paralelamente”, ou seja, a L2 é ensinada sistematicamente, Skutnabb-Kangas49 (1994 apud QUADROS, op. cit. p. 31).

O segundo método se desdobra em duas técnicas. Numa o ensino da língua oral- auditiva, o Português no caso do Brasil, é feito por meio exclusivamente da leitura e da escrita, enquanto que por meio da outra técnica o ensino da língua oral-auditiva é feito através

49 SKUTNABB-KANGAS, T. Linguistics Humans Rights. A prerequisite for bilingualism. In: Bilingualism

da escrita, da leitura e da oralização da criança surda, (SKUTNABB-KANGAS loc. cit.). Nesse ponto é possível se perceber a força influenciadora do Oralismo mesmo dentro do Bilingüismo.

O terceiro método, ou bilingüismo diglóssico, que é o ensino e o uso de uma língua oral-auditiva e de uma língua de sinais à criança surda sem que a língua de maior prestígio deforme a estrutura da outra de menor prestígio, surgiu como consenso de melhor alternativa na educação lingüística de surdos no Primer Encuentro Lantinoamericano de Investigadores de los Lenguajes de Señas de los Sordos, em Montevidéu, no ao de 1986, sendo discutido e enfatizado pela mesa redonda sob o tema Bilingüismo e Surdez, por ocasião do I Encontro Nacional de Lingüística Aplicada, na Universidade Estadual de Campinas, mais tarde, naquele mesmo ano.

2.3.3.1 O Bilingüismo diglóssico.

O método do bilingüismo diglóssico, em oposição ao bimodalismo (Cf. item 2.2.2), recomenda que na escola o ensino de cada disciplina seja através da língua de sinais e que a estrutura da língua de sinais seja ensinada ao aluno surdo bem como aos familiares dele e ao staff da escola.

Atente-se para o fato de que a língua oral-auditiva e a língua de sinais ensinadas são usadas em separado e não concomitantemente como no bimodalismo, pois:

(...) devido à falta de audição, requerem (os surdos) educação especial bilíngüe. O Bilingüísmo é o diglóssico, isto é, o uso em separado de duas línguas, mesmo que se modalidades diferentes, cada uma em situações distintas. A Língua de Sinais será usada em todas as situações em que se refere à escrita e à leitura, onde ela pode ser o meio, mas não o objetivo. A língua oral será ensinada enquanto segunda língua e será o veículo de informação da tradição escrita. (FERREIRA BRITO, op. cit., p. 65).

Logo, o bilingüismo diglóssico não constitui uma técnica a serviço da oralização de surdos. Nessa técnica a língua de sinais é usada como meio de ensino das disciplinas escolares, como meio de aprendizagem de uma língua escrita com o estatus de L2 para o aluno surdo buscando-se promover o desenvolvimento psicossocial e cognitivo plenamente. No Bilingüismo diglóssico a língua de sinais é ensinada na escola do aluno sem que haja interferências em sua estrutura e gramática.

A tudo dito acima é possível se acrescentar que o Bilingüismo, mais especificamente o bilingüismo diglóssico, procura através do ensino e aprendizagem de uma

L2 desconstruir o ideal ouvintista, o que se chama desde a década de 1990, de audismo. Lane (1992, p. 43) conceituou o termo audismo como sendo:

(...) a instituição coletiva para tratar com pessoas surdas, tratar com eles fazendo declarações sobre eles, autorizando opiniões, descrevendo-os, ensinando sobre eles, regulando onde vão às aulas e, em alguns casos, onde vivem; em suma, audismo é o modo ouvinte de dominação, reestruturando, e exercendo autoridade sobre a comunidade surda. Isso inclui profissionais tais como administradores de escolas para crianças surdas e de programas de treinamento para adultos surdos, intérpretes, e alguns audiologistas, psicólogos, psiquiatras bibliotecários, pesquisadores, assistentes sociais, e especialistas em próteses auditivas. 50

Lane credita a criação do termo audismo ao escritor e atual professor adjunto, surdo, do Departamento de Comunicação e Estudos em Educação da University of Califórnia, San Diego (UCSD), Tom Humphries, que o cunhou para sua tese de doutoramento em 1977.

Segundo nota da Universidade Gallaudet51 o termo foi aplicado originariamente para indicar atitudes e práticas individuais, contudo Lane e outros (PELKA, 1997; ZAK 1996; HUMPHREY e ALCORN 1995) alargaram o campo conceitual do termo para incluir atitudes e práticas institucionais e grupais de opressão aos surdos. Segundo a Gallaudet as pessoas ouvintes ou mesmo surdas que praticam o audismo são chamadas de audistas.

No Brasil, Skliar (1997 apud LUNARDI 2005, p. 158) cunhou o termo ouvintismo 52, provavelmente em analogia com o termo audismo, para se referir aos mecanismos de colonização curricular nas escolas de surdos onde há uma “(...) subordinação de todo o currículo ao ensino da oralidade”, e para “descrever o domínio dos ouvintes sobre os surdos”, Skliar (1997 apud LOPES, 2005, p. 114). Ao contrário de Humphries, Skliar é ouvinte sendo também professor adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

50 Tradução livre do excerto: (...) the corporate institution for dealing with deaf people, dealing with them by making statements about them, authorizing views of them, describing them, teaching about them, governing where they go to school and, in some cases, where they live; in short, audism is the hearing way of dominating, restructuring, and exercising authority over the deaf community. It includes such professional people as administrators of school for deaf children and of training programs for deaf adults, interpreters, and some audiologists, speech therapists, otologists, psychologists, psychiatrists, librarians, researchers, social workers, and hearing aid specialists.

51 Disponível em <http://www.library.gallaudet.edu/deaf-faq-audism.shtml> Acesso em 15 nov 2007

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52 Para maiores detalhes sobre “ouvintismo” ver: SKLIAR, Carlos. A reestruturação curricular e as políticas

educacionais para as diferenças: o caso dos surdos. In: AZEVEDO, José Clóvis de, SANTOS, Edmilson dos, e SILVA, Luis Heron da (Orgs). Identidade social e construção do conhecimento. Porto Alegre: Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, 1997.

É interessante atentar para o fato de que a atitude audista não parte apenas dos ouvintes, mas dos surdos também, ou seja, a minoria surda passa a acatar os discursos da maioria ouvinte, porque não têm mais, ou nunca tiveram a chance de ter, uma identificação positiva com a surdez o que os faz querer serem iguais aos ouvintes e muitas vezes renegarem a própria língua de sinais, ou seja, a partir de um determinado momento a cultura minoritária começa a se identificar com a cultura majoritária, desconsiderando a própria cultura.

2.4 Dois modelos de propostas bilíngües bem-sucedidos dão exemplo de humanidade e

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