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Capítulo 1. Introdução

1.3.4. Arte esquemática pintada em Portugal

As pinturas rupestres esquemáticas em território português compreendem um conjunto heterogéneo tanto na iconografia como na coloração e técnica de aplicação. Vários núcleos com arte rupestre esquemática pintada são hoje conhecidos em Portugal. (Martins, 2013a,b, Rosina et al., 2013, Abreu, 2012) Dentro de cada núcleo rupestre o número de abrigos e de painéis com pinturas difere, no entanto, têm em comum a coloração dos pictogramas que se encontram no espectro entre o vermelho e os alaranjados sendo o preto raramente identificado. A escolha destas cores em específico poderá estar conectada com a simples existência da matéria-prima ou por uma possível conotação simbólica (Wreschener, 1980; Michaelsen et al., 2000; Zilhão et al., 2010).

Os motivos representados na arte esquemática pintada em território português caracterizam-se em três categorias de figuras típicas: geométricas, antropomórficas e zoomórficas. As figuras antropomórficas são um dos motivos mais abundantes, normalmente de representação muito simples. As representações de animais são muito mais escassas, predominando, no entanto, os quadrúpedes ainda que nem sempre fáceis de identificar (caso não tenham detalhes específicos como por exemplo os cornos). As figuras geométricas, todavia, constituem a maioria do repertório iconográfico da arte rupestre esquemática na Península Ibérica seja pintada ou gravada. No caso das representações pintadas, as figuras variam entre pontos (simples, em linha, ou em conjugação), barras, mãos, retângulos, quadrados (escalariformes e tectiformes), ramiformes, soliformes, dígitos, círculos e semicírculos, entre outros (Martins, 2011, 2012).

O estudo da arte rupestre pintada em Portugal, apesar da existência de publicações desde o início do século passado, só a partir da década de 80 é que se inicia a expansão das descobertas e divulgação dos conhecimentos científicos relacionados com as estações de arte rupestre. Na sua maioria os estudos foram realizados a partir da década de 90, período que se

41 pauta não só pela polémica descoberta da arte Paleolítica do Vale do Côa como se avança com a publicação de artigos especializados em arte rupestre de Portugal,

Um dos grandes núcleos rupestres localiza-se na região de Trás-os-Montes e Alto Douro e abarca um considerável número de abrigos e paredes com pinturas. Na serra dos Passos, concelho de Mirandela, encontram-se em estudo cerca de 13 abrigos que se encaixam nos percursos do Regato das Bouças, Ribeira da Cabreira e Ribeira da Pousada com pictogramas entre o vermelho vinhoso e os alaranjados (Sanches e Santos, 1989; Sanches, 1988, 1990, 1997, 2003).

Nesta região (Figura 23) encontram-se abrigos de grande importância para a compreensão da dinâmica e distribuição geográfica da pintura esquemática em Portugal como o abrigo de Penas Róias com duas famosas figuras antropomórficas com penachos, em vermelho (Almeida e Moutinho, 1981; Baptista, 1986a), o abrigo de Pala Pinta com um considerável número de soliformes em vermelho escuro (Santos Júnior, 1933; Baptista, 1986b; Sousa, 1989), o abrigo de Fraga d’Aia com uma possível representação de caça ao veado em vermelho vivo (Jorge et al., 1988; Jorge, 1991) e o icónico Cachão da Rapa, um dos primeiros sítios de arte rupestre documentados na Europa, em 1706 (Correia, 1916a; Abreu, 2012). Uma das suas particularidades mais interessantes neste abrigo é o facto das cerca de 63 figuras se apresentarem numa coloração avermelhada ou dicromática, com vermelho e azul (Candelera, et al., 2013).

Ainda no norte de Portugal, surge-nos um importante núcleo de arte esquemática pintada nas ribeiras das proximidades do rio Côa, geograficamente inserida na mesma região do Côa. Este núcleo rupestre divide-se em sítios de abrigos pintados como os da Faia (um conjunto de dez painéis documentados onde predominam figuras antropomórficas e zoomorfos vermelhos), o abrigo do Colmeal, (com antropomorfos e soliformes), o abrigo da Ribeirinha e o sítio de Lapas Cabreiras em tonalidades de vermelho vivo, laranjas e vermelho escuro; ou ainda em rochas isoladas como na zona do Ervideiro, na Ribeira de Piscos e no Monte de São Gabriel onde os geométricos e os antropomorfos são a iconografia mais comum (www.arte-coa.pt).

Também na região da Guarda são ainda identificados mais 3 abrigos com arte esquemática: o abrigo da Ribeira das Casas, na Malhada Sorda em Almeida, que foi recentemente publicado relatando a existência de um zoomorfo (cavalo), antropomorfos esquemáticos, um serpentiforme e manchas vermelhas. Infelizmente o zoomorfo encontra-se

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bastante danificado devido a recentes atos de vandalismo (Gomes, e Neto, 2013). E também alvo de caracterização arqueométrica dos pigmentos, apresentados neste trabalho.

Há ainda o registo do abrigo de Vale d’Arcos, em Torre de Moncorvo que contém vários painéis com arte esquemática onde, apesar da difícil visualização ainda se consegue distinguir as figuras antropomórficas a vermelho, e o abrigo Agro das Pinturas em Viseu, cuja informação é muito escassa, mas que já em 1986 há a indicação da sua descoberta, mas no entanto parece ainda permanecer inédito no que toca ao estudo das representações (Baptista, 1986b).

No centro de Portugal (Figura 24), enquadrados geologicamente no Maciço Calcário Estremenho, encontram-se dois sítios de arte esquemática pintada: a Lapa dos Coelhos, em Torres Novas, constituída por dois painéis pintados contendo pontos e uma figura ramiforme em vermelho (Martins, 2007, 2011, 2012) e o abrigo do Lapedo_1, em Leiria, onde se reconhecem figuras antropomórficas e várias linhas também em tonalidades vermelhas (Martins et al., 2004, Martins, 2005).

Na bacia do Tejo encontram-se também alguns abrigos pintados cujo contexto poderá estar relacionado com toda a iconografia gravada identificada no complexo de arte rupestre do Vale do Tejo (Baptista, 1981c; Gomes, 1987, 1990, 2007; Oosterbeek, 2008a,b; Oosterbeek et al., 2010ª,b; Garcês, 2009, 2012; Garcês e Oosterbeek, 2009).

O abrigo do Pego da Rainha, em Mação, com vários motivos esquemáticos (barras, semicírculos, manchas e pontos vermelhos alaranjados) (Cardoso, 2002, 2003ª,b; Rosina et al., 2013). O mesmo tipo de figuras e colorações encontra-se nos dois abrigos pintados (o abrigo do Chão do Galego e o abrigo do Almourão) recentemente descobertos em Proença-a-Nova, na Serra das Talhadas, (Henriques et al., 2011).

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Figura 23. Distribuição da arte esquemática no Norte de Portugal (Martins, 2014).

Figura 24. Distribuição da Arte Esquemática no Centro e Sul de Portugal (Martins, 2014).

Mais a Sul, na região do Alentejo encontra-se um dos mais significativos conjuntos de abrigos com pintura esquemática conhecido em território português, os abrigos do concelho de Arronches. Composto por quatro abrigos pintados identificados desde 1916 (Correia, 1916b; Breuil, 1935) e enquadrados nas primeiras descobertas de arte rupestre do século XX que se viveram um pouco por toda a Europa. No entanto, durante todo o último século foram alvo de pequenas publicações e notícias desenvolvendo alguns investigadores uma aproximação à sua cronologia e interpretação (Pestana, 1984, 1987; Baptista, 1986b; Gomes, 1989; Peixoto, 1997). Recentemente alguns projetos de investigação incluem estes abrigos como sítios de extremo interesse e merecedores de uma investigação mais aprofundada (Oliveira e Oliveira, 2008; Oliveira, 2010; Nuevo et al., 2012; Oliveira e Oliveira, 2013; Martins, 2011, 2014).

O conjunto de abrigos é constituído pela Lapa dos Gaivões (Figura 24), o abrigo com mais arte pintada e onde figuram associações entre antropomorfos e zoomorfos em vermelho, a Lapa dos Louções, onde as publicações mais antigas nos indicam a existência de figuras de

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mãos, figuras antropomórficas e geométricas (Castro e Ferreira, 1960-61), o abrigo Igreja dos Mouros e o abrigo Pinho Monteiro. No seu conjunto, os quatro abrigos caracterizam-se pela diversidade de representações: antropomorfos, zoomorfos, soliformes, digitações, serpentiformes e motivos indeterminados, a sua maioria em tonalidades avermelhadas e alaranjadas, existindo também figurações em preto e em branco (Martins, 2011).

Esta região é cada vez mais apreciada no que se refere ao estudo da arte esquemática peninsular não apenas pela quantidade de sítios conhecidos mas pelos abrigos recentemente descobertos (abrigo do Ninho do Bufo em Marvão com pinturas em branco e laranja, na Gruta Nossa Senhora da Lapa em Alegrete com figuras avermelhadas e a Gruta do Pego do Inferno em Esperança (Arronches) (Oliveira e Oliveira in press).

No estudo realizado por Nuevo et al., em 2012 no abrigo dos Gaivões e na Igreja dos Mouros foi aplicada a microfluorescência de raios X portátil para obter a composição elementar das pinturas, os resultados mostram a forte presença de ferro e titânio no substrato, o ferro pode ser claramente detetado como o principal componente dos pigmentos vermelhos. Não há evidência de óxidos de manganês tanto na pintura acastanhada ou nas pinturas negras, ao contrário de outras pinturas do Neolítico na região mediterrânica, portanto, o pigmento preto usado para desenhar as figuras negras observadas nos painéis foi, provavelmente, o carvão ou fumo. Até ao momento, nenhuma explicação foi dada em relação à cor branca de uma das figuras, embora alguns compostos de origem orgânica tenham sido observados, possivelmente das patinas que cobrem esta figura (Nuevo et al., 2012).

Com algumas das descobertas ou estudos mais intensivos de sítios de arte rupestre esquemática como por exemplo no Pego da Rainha em Mação (Oosterbeek, 2002), ou nas pinturas da serra d’Aire e Candeeiros (Martins, et al., 2004; Martins, 2007, 2011) associados com os estudos analíticos e contextuais dos abrigos pintados do Maciço Calcário Estremenho (Rosina et al., 2013; Martins, 2013a), implantou-se uma classificação para os abrigos com arte esquemática em Portugal central, onde se podem preliminarmente definir 3 tipos de estratégias culturais que modificam um espaço natural transformando-o em espaço simbólico (Martins, 2011, 2014).

Sítios de Montanha ou de visão ampla, onde se enquadram os abrigos da Lapa dos Coelhos e Pego da Rainha. Apresentam um amplo domínio visual da paisagem, têm um reportório temático variado e localizam-se no topo de linhas de água ou de nascentes.

45 Sítios de Passagem ou de visão limitada, onde se enquadram o abrigo do Lapedo e Ribeiro das Casas, ou o de Segura localizados nas margens de linhas de água, com reduzido dispositivo iconográfico.

Sítios Complexos ou Rituais, onde podemos enquadrar o núcleo da Faia, com os vários painéis antropizados ao longo do axis-mundis - o rio Côa; e o núcleo de abrigos de Arronches, onde os abrigos têm um amplo domínio da paisagem (Martins, 2011).

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