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Capítulo 3. Casos de estudo

3.2. Casos de estudo complementares

3.2.5. Perdigões (Montemor-o-Novo, Portugal)

O complexo dos Perdigões situa-se a 2 km a nordeste da vila de Requengos de Monsaraz (Figura 103). Os Perdigões correspondem a um conjunto de recintos concêntricos de fossos escavados no substrato rochoso situados junto a Reguengos de Monsaraz, distrito de Évora. O sítio foi identificado nos anos oitententa do Séc. XX, mas apenas em 1996 foi reconhecido em toda a sua extensão e complexidade arquitetónica. Situado, em cerca de 2/3 da sua área (16 ha) na herdade dos Perdigões, propriedade da FINAGRA S.A., este importante contexto arqueológico é hoje reserva arqueológica e tem vindo a ser investigado desde 1997. Este complexo arqueológico integra uma sequência concêntrica de fossos a partir de um ponto central (Figura 104). Os fossos já intervencionados apresentam diversos tamanhos e profundidades e são de cronologia calcolítica. Estes sepulcros são parcialmente escavados na rocha e apresentam três espaços bem diferenciados: câmara, corredor e átrio. A câmara e o átrio são revestidos a argila e lajes de xisto, enquanto que o corredor (como exemplo o Sepulcro 2) era edificado com pequenos esteios e tampas de deorito. Sobre as coberturas nada sabemos, mas a falsa cúpula parece fora de questão (www.nia-era.org).

Em termos geológicos, a região integra-se na peneplanicie alentejana que se situa a sudeste da depressão de Montoito e do filão doleritico S.Teotónio-Odemira-Ávila. Esta peneplanicie, dissecada ligeiramente pela rede hidrográfica, estende-se peloafloramento quarztodioritico e granodiaritico de Reguengos de Monsaraz,com altitudes compreendidas entre 210-220 m. Apresentando em alguns pontos, alguns relevos circuncritios, como por exemplo os relevos em Mesa de Barro (261 m) e Motrinos (305 m). A área central do vale é constituída por rochas granitoides, e é também nesta zona que se encontram os terrenos mais férteis. A moldura geológica em torno a este centro do vale é composta por xistos, a norte e a sul, materiais ligados ao maciço eruptivo de Reguengos (Evangelista, 2003; Valera et al., 2000, 2007; Valera, 2012).

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Figura 103. Localização dos Perdigões, Portugal (Valera, 2010).

Os Perdigões são um complexo arqueológico que abrange uma área de 20 hectares. É composto por vários recintos delimitados por grandes fossos (estruturas escavadas na rocha), com necrópoles e um cromeleque de menires associado, que teve início no final do Neolítico e durou até ao início da Idade do Bronze (Valera, 2000).

163 A quantidade de material arqueológico e de restos de fauna é enorme e muito variada, seja na área dos recintos, seja nos sepulcros, revelando interação com outras áreas regionais (Valera, 2010; Valera e Evangelista, 2014; Valera et al., 2014ª,b) Para além dos conjuntos de marcada tradição local, são de destacar objetos em calcário, marfim, cerâmica campaniforme. A metalurgia do cobre está bem atestada, assim com a presença de materiais em ouro. O sítio terá representado um papel importante para as comunidades que habitavam aquela área na pré-história e seria, provavelmente, um local utilizado para a prática de cerimónias rituais relacionadas com o culto dos mortos e dos antepassados. Um dos aspetos mais significativos nos Perdigões é a identificação de contextos onde se realizaram práticas funerárias consideradas pouco comuns e que levantam interessantes questões sobre as visões do mundo e do ser humano que estariam em transformação. A implantação dos Perdigões apresenta uma clara ligação às cosmologias da época. Os recintos estão implantados numa espécie de anfiteatro aberto a este, ao vale da ribeira do Álamo e respetivo território megalítico, tendo Monsaraz por horizonte. A necrópole está localizada precisamente na extremidade deste do recinto, em frente da qual existia um cromeleque. As duas portas conhecidas definem precisamente os limites deste quadrante, ladeando a necrópole. Toda a organização espacial sugere planeamento, intencional e vinculação cosmológica (Valera et al., 2007, Valera, 2012).

O uso de pigmentos vermelhos ligados a práticas de sepultamento é amplamente documentada no registro pré-histórico Ibérico e muitas vezes tem sido tradicionalmente interpretado como uma prática ritual. A descoberta de importantes núcleos de arte rupestre ao longo das margens do rio Guadiana é um facto que se pode correlacionar com a apropriação da paisagem nesta região (Collado, 2006; Capel, 2006; Baptista e Santos, 2013).

O Sepulcro 1 dos Perdigões é um monumento funerário escavado entre 1997 e 2002. Nele foram depositados os restos mortais de mais de uma centena de indivíduos, acompanhados de objetos diversos. As inumações são secundárias, não tendo sido identificados restos de ossos em conexão anatómica. Os corpos seriam previamente decompostos em locais próprios, sendo posteriormente transportados, ritualmente, para este local. Os restos votivos escavados são por exemplo pequenos vasos que integravam um conjunto de materiais depositados na câmara funerária em associação a restos humanos já desmembrados, artefactos de cobre associados a ossos humanos depositados na câmara funerária, mandíbulas humanas com vestígios de aplicação de ocre vermelho, conjuntos de contas de colar de xisto.

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Foram detetadas deposições de elementos de corpos de animais e a clara utilização de pigmentos polvilhados, sobre estes ossos e nos artefactos recolhidos. Foi também detetada uma zona em que os restos funerários estavam recobertos por uma camada polvorosa de pigmento branco amarelado (Evangelista, 2003).

No sepulcro 2, pormenor de maxilar inferior humano com vestígios de aplicação de ocre vermelho (Figura 105), integrado em depósito da câmara funerária. Ambos os espaços eram separados por um estreito e curto corredor. As deposições de restos humanos aconteceram por todo o monumento. Depósito funerário integrando uma haste de veado. Este achado remete para as questões da relação entre homens e animais nestas comunidades camponesas da pré-história recente (Evangelista, 2003).

O modelo de deposição é muito semelhante ao sepulcro 1 e o espólio recolhido também é similar, apresenta no entanto elementos inéditos como um botão com perfuração em v e uma pulseira em ouro, dados que apontam para uma cronologia mais tardia ao fenómeno campaniforme. Ou seja, no sepulcro 1 poderia haver uma diferenciação de áreas utilizadas para as deposições, que se circunscreveriam á zona da câmara, este sepulcro 2 mostra o contrário, que a intensa tumulação foi na zona do átrio (Valera, 2010).

165 O sepulcro 2 encontra-se a alguns metros do sepulcro 1, apresenta algumas diferenças em relação ao sepulcro 1, principalmente em relação aos vestígios funerários.

A planta assemelha se á do sepulcro 1 e apresenta uma estrutura escavada na rocha subdividida em câmara, corredor e átrio. Não se comprovaram vestígios de utilização de fogo neste sepulcro. O ocre surge essencialmente no átrio, apresentando uma coloração amarela. Este monumento apresenta uma diferença substancial relativamente ao sepulcro 1, no que diz respeito á sua orientação. De facto, o seu corredor apresenta uma torção para sudeste de aproximadamente 130º (Evangelista, 2003).

As análises de “ocres”, pigmentos e outros materiais permitem alcançar as intenções e técnicas aplicadas pelos artistas pré-históricos. Os pigmentos, distribuídos por inumações em dois túmulos identificados nos Perdigões em Portugal (Figura 106) foram estudados por meio de microfluorescência de raios X, espectroscopia Raman e microscopia eletrónica de varrimento com energia dispersiva de raios X.

Figura 106. Algumas das 120 amostras de ocres dos perdigões.