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Capítulo 1. Introdução

1.3.2. Grandes núcleos artísticos pós Paleoliticos na Península Ibérica

29 No final dos anos 60´s são publicadas as obras emblemáticas: “A arte levantina” de Beltrán e “La pintura rupestre esquemática em Espanha” por Acosta. Nos últimos 30, 40 anos, derivado da dedicação e esforço de variadíssimas equipas, propiciou-se o desenvolvimento da disciplina, fazendo crescer de forma constante o conjunto de sítios Pós- Paleolíticos e de outros horizontes artísticos (Sanchidrián, 2001).

A arte rupestre da bacia do Arco Mediterrâneo da Península Ibérica foi declarada património Mundial da Humanidade pela UNESCO em 1998, com base nas largas centenas de sítios arqueológicos presentes na área que incluem algumas das mais fascinantes representações de arte pós-Paleolítica pintada da Europa.

"Arte levantina" é o termo geral com a qual se identifica um conjunto de arte rupestre de natureza figurativa, localizado em abrigos principalmente distribuídos ao longo do Arco Mediterrâneo da Península Ibérica (Figura 15), é enquadrada no período Pós-Paleolítico, estilisticamente diferenciada, figurativa e tecnicamente da arte esquemática, o outro grande ciclo de arte peninsular pós-paleolítica, por vezes coexistentes nos mesmos espaços de representação (García-Arranz et al., 2012). As recentes descobertas em toda a península permitem lançar novas propostas sobre questões relativas à técnica, estilo e tipologias. São manifestações características de uma fase em que a arte rupestre seria feita por caçadores- coletores, herdeiros de tradições gráficas do Paleolítico superior e que sob o nome de "ciclo pré-esquemático" associado às grandes bacias hidrográficas (Douro, Tejo e Guadiana) mas também implementadas em outras áreas peninsulares (Garcia Arranz, et al., 2012).

Nos últimos anos, regista-se uma maior tendência para caracterizar alguns dos motivos que surgem um pouco por toda a Península Ibérica e que não se encaixam perfeitamente no naturalismo da arte Paleolítica nem no esquematismo da arte que surge a partir do Neolítico. Alguns autores propõem assim a integração de um ciclo artístico de arte rupestre denominado Arte Pré-Esquemática Ocidental derivado dos trabalhos no conjunto de gravuras de Molino- Manzanéz, e no vale do Guadiana (Collado, 2006; Collado e García-Arranz, 2010, Collado et al., 2011).

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Figura 15. Arte rupestre do Arco Mediterrâneo da Península Ibérica.

(Andaluzía, Aragão, Castilla-La Mancha, Cataluña, Comunidade Valenciana e Murcia)

As teorias a respeito da origem e evolução da arte levantina estão divididas entre as que pretendem relacioná-la ao período Epipaleolítico tendo no entanto continuado a desenvolver-se até mais tarde, e aqueles que consideram exclusivamente arte Neolítica, criado por aculturados caçadores-coletores (Más et al., 2011; García-Arranz et al., 2012, 2014).

A chamada “arte macroesquemática”, localizada exclusivamente numa determinada área entre as províncias de Alicante e Múrcia, pode ser considerada a primeira arte rupestre tecnicamente e estilisticamente, das comunidades produtoras do SW da Europa (Hernández- Pérez, 2000, 2003, 2009, 2012; Collado e García-Arranz, 2013). O trabalho de Breuil (1929, 1935) representando uma das primeiras tentativas de determinar a origem e evolução da arte desta região, usou uma sistematização que foi seguida por numerosos investigadores e aplicado a outros locais ao longo de décadas, embora com algumas nuances cronológicas influenciadas por diferentes tendências historiográficas desenvolvidas durante o século XX. A mais antiga data absoluta, obtida a partir de pátinas de oxalato de cálcio (AMS, 14C), aponta para 5000 ou 6000 cal BC (ver também: Domingo-Sans, 2005; Ruiz et al., 2006, 2012; Mas et al., 2013).

31 Estilisticamente, a arte levantina (Bea, 2009, 2012ª,b; 2013) é muito diferente da arte macroesquemática ou da arte esquemática. É definida pelo seu caráter naturalista e narrativo e é distribuída um pela zona oriental da Península Ibérica (Figura 15

A palete levantina é composta no seu conjunto, maioritariamente por três cores: vermelho, preto e branco, mas a sua frequência e distribuição territorial são bastante heterogéneos. Os pigmentos vermelhos estão presentes ao longo de toda a sequência temporal e são amplamente predominantes em todo o território do Arco Mediterrâneo.

Os óxidos de ferro (hematite) foram identificados como a matéria-prima utilizada nos pigmentos vermelhos na área de Valltorta-Gasulla. Estes achados concordam com os obtidos em outras regiões do levante (Hernanz et al., 2006, 2010; Resano et al., 2007; Alloza et al., 2009). Alguns exemplos de análises químicas sistemáticas em estudos de pigmentos na arte levantina, focados na identificação dos principais componentes dos pigmentos (Roldan et al., 2005, 2006, 2007, 2008, 2010, 2011; Roldan, 2009; Mas et al., 2013; entre outros).

No entanto, deve ter-se em consideração que a ampla gama cromática encontrada nas pinturas vermelhas (Figura 16), não é apenas devido à sua composição química, mas também

devido aos processos de meteorização que estas pinturas sofreram (Lopes-Montalvo et al., 2014).

Os pigmentos brancos não são usados com frequência em figuras monocromáticas, foram documentados na área de Albarracín em Teruel e como complementos à cor vermelha foram identificados pigmentos brancos em Valltorta-Gassulla em Castellon (Cabré-Aguiló, 1923, 1925; Villaverde et al., 2006; Domingo-Sanz, 2005; Lopéz-Montalvo, 2007) e em Villar del Humo-Sierra de las Cuerdas em Cuenca (Ruiz et al., 2012). Nestes casos, o branco foi usado para destacar figuras, para completar o interior ou para adicionar ornamentos. À luz destas novas descobertas, o uso frequente de branco na arte do levante espanhol pode ser questionado (Ruiz et al., 2013), especialmente porque o branco é difícil de observar in situ e é particularmente sensível a fatores de degradação. Quanto à sua composição química, análises recentes realizadas nos abrigos Villar del Humo (Cuenca) (Ruiz et al., 2012) têm apontado para o uso de uma mistura complexa de minerais como o anatásio, quartzo, e um tipo de argila branca encontrada na área em níveis de superfície (Hernanz et al., 2008, 2012b).

Na área de Valltorta-Gasulla, a identificação de pigmentos negros é reportada e contêm óxidos de manganês (Roldan et al., 2007, 2010). Por outro lado, nas regiões do sul do levante, as análises detetaram pigmentos pretos da natureza carbonácea (Ballester, 2003, 2005; Pitarch et al., 2014). Os pigmentos pretos com origem em materiais carbonosos são

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identificados em pinturas pré-históricas também no Paleolítico (Clottes, 1993; Menu e Walter, 1996; Ospitali et al, 2006).

Nas paisagens da Europa ocidental é evidente o conjunto notável de arte pintada - a

Arte Rupestre Esquemática, e estes sítios variam na complexidade de cada painel, a partir de

imagens individuais ou em muitas centenas (Figura 16).

Figura 16. Pinturas de arte esquemática da Península Ibérica apresentados neste trabalho.

Um aspeto importante é a unidade técnica observada ao longo da pré-história, há notáveis inovações nas técnicas e nos materiais, mantendo-se com pequenas variantes, tanto no espaço (em todas as áreas com arte rupestre) e no tempo (todos os tecno-complexos). Uma primeira classificação das técnicas usadas na arte rupestre pode ser definido pela técnica de aplicação e o próprio suporte, portanto: técnicas subtrativas (gravuras), modificadoras (esculturas) e as aditivas (pinturas).

Os estudos da completa cadeia operatória na produção de arte rupestre são ainda pouco desenvolvidos e a maioria dos investigadores pensa que muito provavelmente os pigmentos seriam aplicados com pinceis e outras ferramentas feitas de ossos, penas e paus. Para guardar os pigmentos enquanto pintavam, usariam godés, e até conchas, como os Pecten jacobeus encontrados em Altamira (Lasheras, 2003; Montes-Barquin et al., 2004).

A maioria destes objetos, pinceis e outros tipos de ferramentas (Figura 17), não foram encontrados devido á sua parca capacidade de conservação, como estes seriam compostos por materiais orgânicos não se preservaram (Abreu, 2012).

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Figura 17. Pinceis de origem orgânica (www.stoneflake.net).

Um caso semelhante são objetos feitos de conchas, geralmente com furos que indicam o seu uso como pingentes. Itens de decoração como conchas de moluscos marinhos perfurados e manchados de pigmentos são uma característica em vários sítios da Europa (Tiner, 1999; Duarte, 2013, Romandini et al., 2014; entre outros), na África Austral (Assefa et al., 2008); no Paleolítico médio do Magrebe e no Próximo Oriente (D’Errico et al., 2005, 2008; D´Errico, 2009). Estes achados (Figura 17) são amplamente aceites como provas do pensamento simbólico entre os primeiros seres humanos anatomicamente modernos da África e regiões adjacentes do sudoeste da Ásia (Tattersal, 2009) (apud, Zilhão et al., 2010).

Até recentemente, os investigadores estavam focados principalmente com um ingrediente, “o ocre”.

Há pouca informação sobre que ingredientes foram usados para fazer pigmentos fluidos e facilmente aplicáveis e além disso, as variantes da cor foram amplamente ignoradas (ver: Lambert, 1995), tendo sido apenas descritos subjetivamente como "vermelho, vermelho vinhoso, vermelho claro, vermelho escuro”.

Podem explorar-se cientificamente as nuances que são incorporadas nesta arte e concluir que a arte esquemática desta zona ocidental da Europa é sofisticada e que teria envolvido “receitas” complexas e provável pré-planeamento.

As representações com técnicas aditivas (foco deste trabalho) seriam usadas na realização das pinturas (e, mais tarde, na arte plástica em alto-relevo) e assim definidas porque se adicionam novos materiais (pigmentos) ao suporte rochoso. Em sítios com representações pictóricas bem preservadas podem identificar-se vários modos de aplicação das pinturas: com espátulas ou pincéis feitos de várias formas, como por exemplo ramos esmagados ou pedaços de peles, mas também com os dedos ou com aerógrafos. No entanto, é

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reconhecido por vezes, que os pigmentos podem ser aplicados em seco, transferindo os fragmentos de carvão ou de outros materiais coloridos para as superfícies das rochas.

Figura 18. Técnicas de execução de pinturas rupestres (www.museodealtamira.es).

Podem distinguir-se diferentes tipos de aplicação (por exemplo: tampão, pontilhado), que envolve a impressão de uma linha de pontos, interligados ou não, com base nisso podem distinguir-se por exemplo entre o tampão descontínuo ou justaposto. Para implementar esta técnica seriam usados os dedos ou algumas ferramentas (osso, fibras vegetais, entre outros).

Estas figuras foram produzidas de várias maneiras, sendo as mais comuns usando a boca e/ou através de um canudo (aerógrafo) soprando os pigmentos com o fim de obter uma textura uniforme em toda a superfície, técnica utilizada por exemplo nas famosas mãos, deixando neste caso em negativo o seu registo (Figura 18).

Após a consolidação da economia do Neolítico nos grupos humanos sedentários, novas influências externas chegaram às regiões europeias assim como o conhecimento do domínio dos metais, alterando as formas de vida cotidiana e o pensamento simbólico humano. A interação entre populações indígenas seculares e novos grupos humanos, trazendo a metalurgia do ferro e poderosas novas expressões culturais, está na origem das sociedades complexas da proto-história Europeia.