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Capítulo 1. Imaginando a nação mestiça

1.1. Cultura e política: a década de 1930

1.1.2. Artes e Literatura

Nas artes e na literatura, a normalização e generalização foram mais intensas do que em outras áreas, como revelariam os exemplos na música, arquitetura35, cinema36, artes plásticas, na

33 Vinculado ao movimento da “Escola Nova”, Teixeira nasceu em Caetité, Bahia, em 1900. Foi educador e escritor. Como Secretário de Educação e Cultura, fundou a Universidade do Rio de Janeiro (1935). Entre 1946 e 1947 foi Conselheiro para o ensino superior da Unesco. Foi um dos responsáveis pelo projeto da Universidade de Brasília. Publicou Universidade e Liberdade Humana (1954), A Educação e a Crise Brasileira (1956) e Educação não é privilégio (1957). (Fausto, 2004: 637)

34 Nasceu em Minas Gerais, em 1894. Educador e sociólogo. Lutou pela reforma do ensino em 1920. Foi Diretor Geral da Instrução Pública do Rio de Janeiro entre 1926 e 1930. Relator e redator do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932). Um dos fundadores da Universidade de São Paulo (1934). Diretor da Faculdade de Filosofia (1938-43). Secretário da Educação e Saúde do Estado de São Paulo (1945) e da Educação e Cultura da Prefeitura de São Paulo. Publicou, dentre outros, A cultura brasileira (1943) e As Ciências no Brasil (1955). (ibid.: 599)

35 Houve na arquitetura “uma espécie de sanção oficial do modernismo, que correspondia à aceitação progressiva pelo gosto médio, a partir das primeiras residências traçadas por Warchavchik e Rino Levi...” (Cândido, 1984: 29) 36 Sevcenko destaca, dentre os poetas da época que dedicaram escritos à sétima arte, Carlos Drummond de Andrade e Vinicius de Moraes. Menciona ainda que: “Ir ao cinema pelo menos uma vez por semana, vestido com a melhor

prosa, na poesia e na crescente importância das literaturas regionais. Durante a “era de Vargas”, Villa-Lobos foi o músico de vanguarda, símbolo do regime, compondo não apenas o Hino da Revolução como trabalhando oficialmente na direção do movimento de canto coral (ibid.). Seguindo, de certa forma, um programa nacionalista, já apontado por Mário de Andrade em seu

Ensaio sobre a música brasileira (1928), Villa-Lobos acreditava que a “nova música brasileira,

produzida pela determinação do artista decidido a ‘se basear quer como documentação quer como inspiração no folclore’, daria relevo ao ‘caráter nacional’ nele delineado (...)” (Wisnik, 1982: 143). Para tanto, prossegue o autor, o esforço será “fazer a composição erudita beber nas

fontes populares, estilizando seus temas, imitando suas formas... A preocupação nacionalista, voltada para o ‘folclore’, será tomada como norma, com acentuada intransigência” (ibid.). Enquanto este esforço se volta para o folclore, entendido como mais próximo de sua caracterização rural37, vale lembrar que, com a crescente hegemonia do rádio na década de 1930, as músicas urbanas vão “se tornar um fato social cada vez mais relevante” (Sandroni, 2004: 27). Sevcenko acrescenta a esta importância o fato de que a indústria fonográfica local, no período, já tinha estabelecido uma nova relação:

“(...) havia descoberto e prosperava com a música popular, com destaque até então para os maxixes e sambas cariocas, as marchinhas de Carnaval... Mas foi quando as gravadoras se cruzaram com o potencial do rádio na

difusão da música popular que a grande mágica se deu” (2004: 593) Nesse sentido, podemos exemplificar que, para um estilo antes proibido como o samba, o decênio de 1930 é importante, pois este se consolida como elemento da identidade brasileira que

roupa, tornou-se uma obrigação para garantir a condição de moderno e manter o reconhecimento social” (2004: 599)

37 Sobre os usos que Mario de Andrade faz dos termos “folclore” e “música popular”, Sandroni afirma não haver dúvidas sobre o predomínio do mundo rural em sua caracterização (2004: 27)

então se constituía. Elementos responsáveis por tal consolidação são o rádio e a institucionalização do Carnaval como a mais importante festa popular do país (Schwarcz e Starling, 2006: 215). Na mesma chave de interpretação sugerida por Cândido, a consolidação do samba normaliza e generaliza as propostas das primeiras fases do samba urbano carioca, gestadas nas casas das baianas Ciata, Amélia, Perciliana, entre outras, e nos sucessos iniciais de Donga, João da Baiana, Pixinguinha, Sinhô, passando pela consolidação do “compromisso possível entre

as polirritmias afro-brasileiras e a linguagem musical da rádio e do disco” (Sandroni, 2001: 222).

No que se refere à literatura, a guinada cultural em torno do eixo da Revolução de 1930 teria atualizado várias das inovações surgidas no decênio anterior. Até então, o que predominava era um estilo marcado pelo purismo acadêmico, visto pelos seus críticos como cultura de fachada, encenada para ser vista pelos estrangeiros, tal como seria, em parte, a República Velha (Cândido, 1984: 29). Um exemplo de Sevcenko a respeito das reformas urbanas na mais importante cidade do país de então, o Rio de Janeiro, ilustra significativamente este fato a partir de hábitos cotidianos: “(...) às vésperas da Primeira Guerra Mundial, as pessoas ao se cruzarem no grande

bulevar [da Avenida Central] não se cumprimentavam mais à brasileira, mas repetiam uns aos

outros: ‘Vive La France!’” (2004: 26).

No caso dos escritores, a instituição hegemônica que simbolizaria essa época seria a Academia Brasileira de Letras, muito combatida pela crítica modernista. Grosso modo, a normalização se deu em torno do “enfraquecimento progressivo da literatura acadêmica; da

aceitação consciente ou inconsciente das inovações formais e temáticas; do alargamento das

‘literaturas regionais’ à escala nacional; da polarização ideológica” (Cândido, 1984: 29). Assim, as formas literárias teriam se distribuído em dois níveis: um no qual elas foram adotadas

modificando a fisionomia da obra; outro, mais genérico, em que se atuava como uma maneira de estimular a recusa dos velhos padrões. Na poesia, a crescente utilização dos versos livres ou livre utilização dos metros foi indicador de que acontecia uma libertação mais geral e de que o inconformismo e o anticonvencionalismo haviam se tornado um direito e não transgressão (ibid.). A generalização dessa postura e de seus representantes já era visível em poucos anos, com a inclusão de autores considerados modernistas em antologias da língua portuguesa, publicadas a partir de 1933, colocando-os à disposição de professores e alunos secundaristas (ibid.).

Como parte do mesmo fermento cultural da época, data o reconhecimento expressivo das literaturas regionais, entendidas então como aquelas localizadas fora da região sul do país, como por exemplo o “Romance do Nordeste”, representado por escritores como Graciliano Ramos38, José Lins do Rego39 e Jorge Amado40. Para o crítico Antonio Cândido, a importância desta literatura provém de dois fatores: um primeiro, mais específico, parte “do fato de radicar na

linha da ficção regional (embora não ‘regionalista’ no sentido de pitoresco), feita agora com uma liberdade de narração e linguagem antes desconhecida” (ibid.: 30); por outro lado, sua relevância “deriva também do fato de todo o país ter tomado consciência de uma parte vital, o

Nordeste, representado na sua realidade viva pela literatura” (ibid.). Vale lembrar também o quanto a centralidade do Rio de Janeiro, neste caso cultural, proporcionava uma concentração dos

38 Nasceu em Alagoas, em 1892. Colaborou com diversos periódicos em Alagoas e Rio de Janeiro. Foi Prefeito de Palmeira dos Índios (Alagoas), de 1927 a 1930. Em 1933, ocupou o cargo de Diretor de Instrução Pública na mesma cidade e, em 1939, é nomeado Inspetor Federal de Ensino Secundário do Rio de Janeiro. Por sua militância comunista, foi preso em 1936. Em 1945, filiou-se ao Partido Comunista. Publicou, entre outros, Caetés (1928); São Bernardo (1934) e Vidas Secas (1938). (Fonte: http://www.graciliano.com.br/vida_linhadotempo.html)

39 Nasceu no Engenho Corredor, Pilar, na Paraíba, em 1901. Atuou como escritor e jornalista. Em 1922, fundou o semanário Dom Casmurro. Formou-se em 1923 na Faculdade de Direito do Recife. Ocupou cargos de Promotor e Fiscal do Consumo. Em 1935, muda-se para o Rio de Janeiro. Dividia sua obra em diferentes ciclos. Ciclo da cana- de-açúcar: Menino de engenho, Doidinho, Banguê, Fogo morto e Usina. Ciclo do cangaço, misticismo e seca: Pedra Bonita e Cangaceiros. Obras independentes. Publicou, dentre outros, Menino de engenho (1932); Banguê (1934) e

Fogo morto (1943). (Fonte: Academia Brasileira de Letras:

http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=752&sid=256) 40 O autor será apresentado mais à frente.

escritores regionais, que iam em busca não apenas de melhores condições para produzir, mas também do convívio com a efervescência dos círculos intelectuais da época. Esta convivência, por exemplo, ilustrada por Gilberto Freyre (Recife), Sérgio Buarque de Holanda (São Paulo), Villa-Lobos (Rio de Janeiro), entre outros importantes personagens, é o mote que Hermano Vianna utiliza para analisar as relações entre intelectuais de diferentes paragens com a cultura popular carioca (1995: 20).