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Capítulo 1. Imaginando a nação mestiça

1.1. Cultura e política: a década de 1930

1.1.4. Estudos Sociais e históricos

A posição de Caio Prado pode ser melhor definida no âmbito dos estudos históricos e sociais, um dos campos em que o radicalismo da época encontrou suas melhores formulações em torno do que se convencionou denominar como “realidade brasileira”. Estas obras estariam encarnadas

“nos ‘estudos brasileiros’ de história, política, sociologia, antropologia, que tiveram incremento

notável, refletido nas coleções dedicadas a eles” (ibid.: 32). Dentre as coleções produzidas, destacam-se a Biblioteca de Divulgação Científica da Editora Civilização Brasileira, dirigida por Artur Ramos46; a Brasiliana da Companhia Editora Nacional, coordenada por Fernando Azevedo; e a Documentos Brasileiros da José Olympio, conduzida inicialmente por Gilberto Freyre47. Dentre as características elementares destas coleções, estaria uma espécie de “consciência social”, que se caracterizaria pela “ânsia de reinterpretar o passado nacional, o interesse pelos

estudos sobre o negro e o empenho em explicar os fatos políticos do momento” (ibid.). Cândido, em outro texto, sintetizou como sendo três as obras que marcaram este momento e sua geração:

“...Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, publicado quando estávamos no ginásio; Raízes do Brasil, publicado quando estávamos no

46 Artur Ramos nasceu em Alagoas e diplomou-se pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1926. Exerceu as funções de médico assistente e médico legista, antes de aceitar transferência para o Instituto de Pesquisas Educacionais, para trabalhar junto com Anísio Teixeira. Dirigiu a Biblioteca de Divulgação Científica da Editora Civilização Brasileira, na qual editou obras próprias, de Nina Rodrigues, Edison Carneiro, entre outras (Lima e Oliveira, 1987: 23-4).

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Gilberto de Mello Freyre nasceu em 1900, no Recife, Pernambuco. Concluiu estudo secundário no Colégio Americano Gilreath. Nos Estados Unidos, graduou-se na Universidade de Baylor (1920) e defendeu Mestrado pela Universidade de Columbia (1922). De volta ao Brasil, tornou-se oficial de gabinete do governador de Pernambuco, Estácio Coimbra (1926-1930). Promoveu o primeiro Congresso Regionalista (1926) e o primeiro Congresso de Estudos Afro-brasileiros (1934). Publicou Casa Grande & Senzala, Formação da família brasileira sob o regime de economia patriarcal em 1933, pela Editora Maia & Schmidt. (Botelho e Schwarcz, 2009: 426)

curso complementar; Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior, publicado quando estávamos na escola superior. São estes os livros

que podemos considerar chaves, os que parecem exprimir a mentalidade ligada ao sopro de radicalismo intelectual e análise social que eclodiu depois da Revolução de 1930 e não foi, apesar de tudo, abafado pelo Estado

Novo”. (1978: xi) Assim, as reflexões que interessavam em tais obras eram, principalmente, “a denúncia do

preconceito de raça, a valorização do elemento de cor, a crítica dos fundamentos ‘patriarcais’ e

agrários, o discernimento das condições econômicas, a desmistificação da retórica liberal”

(ibid.). Estas últimas reflexões foram o tema central discutido pelo historiador paulista Caio Prado Júnior, o qual, para Cândido, ao trazer como linha de análise o materialismo histórico,

“dava o primeiro grande exemplo de interpretação do passado em função das realidades básicas

da produção, da distribuição e do consumo” (ibid.: xii). Como informa Caio Prado em trecho que se tornou clássico no início da obra citada:

“Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos

constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois algodão, em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto...Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura,

bem como as atividades do país...”. (Prado Júnior, 2000: 20) De outro lado, a crítica dos fundamentos patriarcais e agrários, presentes na conformação dos costumes e instituições e vistos como entraves à inauguração de uma ordem democrática,

foram a matéria predileta de outro historiador: Sérgio Buarque de Holanda48. Dentre outros tipos sociais delineados por sua abordagem que articulava a história social francesa à sociologia de Max Weber, Sérgio Buarque legou uma definição que chamou de “homem cordial”. Esta significação acabou por ganhar grande projeção para descrever o tipo de cidadão emergente da antiga sociedade escravocrata:

“A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definidor do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece

ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal”. (Holanda, 1978: 106-7) Antes de ver como positivos estes traços, o historiador afirma ser “engano supor que essas

virtudes possam significar ‘boas maneiras’, civilidade” (ibid.), pois, por estarem assentadas num fundo emotivo transbordante, se opõem à civilidade, sendo esta marcada pela coerção e expressa, por exemplo, em mandamentos e sentenças.

Por fim, será na crítica ao preconceito de raça e na valorização do elemento de cor, que Cândido situará Gilberto Freyre e sua obra principal: Casa Grande & Senzala (1933). Para ele, da mesma maneira que os dois ensaios apresentados anteriormente, este também inovava teoricamente, ao introduzir, no debate sobre o papel do negro na formação nacional, a abordagem culturalista da antropologia norte-americana, lançando suas observações para dimensões variadas da sociedade colonial, demonstrando “franqueza no tratamento da vida sexual do patriarcalismo

48 Sérgio Buarque nasceu em São Paulo em 1902. Ingressou na Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro (1921). Em 1958, tornou-se Mestre em Ciências Sociais pela Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP). Participou também do Movimento Modernista de 1922. Assumiu a Cátedra de História da Civilização Brasileira na Universidade de São Paulo, em 1956 e ministrou aulas e conferências em universidades da Itália, Chile, França e Estados Unidos. Publicou Raízes do Brasil em 1936. (Botelho e Schwarcz, 2009: 426-7).

e a importância decisiva atribuída ao escravo na formação do nosso modo de ser mais íntimo”

(Cândido, 1978: xi). Mais do que as outras duas, porém, esta obra de ampla recepção no período, contou com críticas favoráveis e contrárias, mas penetrou não somente nas reflexões de jovens intelectuais e militantes comunistas e socialistas, como também dos “jovens de direita”, a exemplo dos integralistas, que para Cândido, procuravam ajustá-lo “aos seus desígnios” (ibid.: xiii). Um dos objetivos do grupo seria o de buscar uma justificativa para uma visão hierárquica e autoritária da sociedade brasileira, pautada nas teorias do racismo científico ainda vigente, motivo pelo qual um autor como Oliveira Viana49, anterior a todos estes apresentados, teve acolhida mais favorável entre os integralistas.