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Artes plásticas baiana, o deslocamento rumo a um efetivo reconhecimento.

3. Arte Contemporânea na Bahia: das fendas da tradição cultural, novos mecanismos e expressões de reconhecimento da cultura.

3.1. Artes plásticas baiana, o deslocamento rumo a um efetivo reconhecimento.

No Brasil, se a década de 1960 foi o território da experimentação, das tendências conceituais, isso pode ser afirmado com um foco bastante restrito ao eixo Rio e São Paulo, com exceção de um ou outro artista que tenha destacado- se no cenário nacional, proveniente de regiões periféricas. Caso como o do Paulo Bruscky21 de Pernambuco, citando o Nordeste como exemplo.

Salvador, que participou ativamente do cenário cultural de vanguarda desde a década de 1950, principalmente com a literatura, o cinema, e a música, não possui um movimento nas artes plásticas que tenha sido enfático na produção nacional. Heitor Reis, atual diretor do Museu de Arte Moderna da Bahia, constata:

(...) a Bahia sempre foi um Estado de vanguarda, mais em outras linguagens do que nas artes plásticas, nós sempre tivemos um academicismo que esteve muito presente nas artes plásticas da Bahia. Através da formação acadêmica, que veio da escola francesa que ainda estava presente há alguns anos atrás (2005, s/p).

Diante do fato de que o modernismo baiano configura-se num processo de aprimoramento tardio, o artista plástico Almandrade fala que “Se a modernidade chegou atrasada no Brasil, na Bahia chegou mais atrasada ainda” (2005, s/p).

Analisar os processos que possibilitaram surgir uma produção de arte contemporânea na Bahia trata-se de um objeto complexo, que inclui análise da construção da história recente das artes visuais nesse Estado. Para fazer um retorno, circundando uma época, pode-se retomar as Bienais Nacionais ocorridas na Bahia. Na 1ª

21 Paulo Bruscky insere a cidade do Recife na história da arte conceitual brasileira. Foi precursor ou

grande atuante nas linguagens de Arte Postal, Fax Arte, Xerografia Artística, Arte Urbana e Arte Classificada (em jornais), como veículos deexpressões artisticas.

Bienal Nacional de Artes Plásticas22 (1966), por exemplo, somente três trabalhos

possuíam características claras de mudança da relação sujeito-objeto: uma instalação de Hélio Oiticica, um relevo de Lygia Clark e um objeto de Waldemar Cordeiro, e, levemente, essas características eram encontradas nas obras de Emanuel Araújo e Rubem Valentin (Figura 18). O neoconcretismo não foi absorvido por aquela geração baiana, com exceção do Grupo Etsedron23 (que possuía sua própria expressão) e de Almandrade24, ambos já na década de 1970.

A produção de Almandrade tem clara e conscientemente, por parte do artista, influência do neoconcretismo. As pinturas e esculturas desse artista mexem com o equilíbrio do olhar, num geometrismo indagador (Figura 19). Seus objetos põem a relação dos materiais, dentro de um questionamento de possibilidades e simbologias (Figura 20). Almandrade teve convívio com muitos artistas neoconcretos. Após um evento em Recife, com vários artistas da vanguarda brasileira, entre eles Paulo Brusky e Hélio Oiticica, recebeu uma carta do último, num trecho, lê-se:

22 Artistas como Hélio Oiticica, Lygia Clark – premiada , e Vergara participaram. Os críticos Mario

Schemberg, Mario Pedrosa e Walter Zanini são convidados. Esta Bienal colocou os artistas locais em contato com artistas de todo o país, evidenciando o que havia de mais novo na linguagem estética. No final de 1968, mesmo com o clima tenso daquele período, foi organizada a 2ª BNAP. O governador do Estado saudou o evento declarando que “a obra de arte é o mais legítimo

instrumento da democracia” (REVISTA DA BAHIA, setembro de 1988, nº 10, p.24). Muitos dos trabalhos apresentados são críticos à ditadura Militar e a favor da revolução. No dia seguinte à abertura, contrariando o declarado poder democrático da arte, o AI-5 é decretado e a Bienal fechada. Juarez Paraíso e Luiz Henrique Tavares, organizadores, foram presos e Chico Liberato, premiado com um trabalho que homenageava Che Guevara, não recebeu o prêmio.

23 Grupo que surgiu em 1969, com propostas artísticas polêmicas, e acabou em 1979 com

importante atuação. Apesar da importância, ainda é pouco conhecido e existem poucas publicações sobre sua história.

24 Almandade nasceu em São Felipe, Recôncavo baiano. Vive e trabalha em Salvador e tem uma

produção artística ativa que não se resume às artes plásticas. É poeta e crítico de arte, tendo seus textos publicados em jornais, sites, cadernos, etc. O artista também participa de debates, faz palestras, além de oficinas e workshops sobre arte.

Ho Rio 1979 Caro Almandrade,

Só agora de volta ao Rio (via Manaus), com calma olhei o material/texto que você me passou naquele calor tropical do festival de inverno de Recife. Gostei de ver o seu trabalho criativo que deve ser uma coisa solitária aí na Bahia. Achei genial aquele objeto: uma lâmina de barbear suspensa por um fio dentro de um frasco. (...)

Hélio Oiticica (ALMANDRADE, 2000).

Conhecido por artistas e críticos contemporâneos ao início de sua produção, talvez não seja reconhecido pela história da arte brasileira recente, por ter optado permanecer na Bahia. O próprio artista desabafa: “É, eu fiquei aqui. Foi um erro meu, um equivoco ter ficado, deveria ter saído. Paguei caro por isso” (2005, s/p).

Nas décadas de 1980 e 1990, alguns artistas conseguiram uma projeção internacional como Juraci Dórea, que participou da 43ª Bienal Internacional de Veneza, em 1988 (Figura 21), e Washington Santana, da 10ª Documenta de Kassel (1997), na Alemanha. Mas, do ponto de vista profissional da formação de um mercado dinâmico, da organização de salões, poucas iniciativas foram bem sucedidas na implementação de um meio de arte de projeção nacional e internacional.

Falando de um terreno sólido, de um espaço consolidado dentro da arte baiana e brasileira, o Salão do Museu de Arte Moderna da Bahia tornou-se a referência da produção baiana e sua interlocução com a produção nacional.

Figura 20

3.2. O Salão do MAM, a crítica e o incentivo financeiro: o aceleramento do