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Maxim Malhado: Ibirapuera, ou madeira velha; o agreste do cotidiano como poética artística.

3. Arte Contemporânea na Bahia: das fendas da tradição cultural, novos mecanismos e expressões de reconhecimento da cultura.

3.3. Um meio que existe.

3.3.2. Maxim Malhado: Ibirapuera, ou madeira velha; o agreste do cotidiano como poética artística.

O Curador geral da 26ª Bienal de São Paulo, no texto “A Bienal como território livre”, apresentado no catálogo das representações nacionais da referida Bienal (2004, p. 23-29), fala do fato de Ibirapuera, que significa madeira velha, coincidir com uma bienal onde muitos trabalhos foram confeccionados com

madeira. Particularmente, os brasileiros Ives Machado, com toras de madeira empilhadas, Tiago Bortolozzo, com a forma de madeira para construção “Vital Brasil” (2002-2004), os galhos de árvore do Chelpa Ferro, “Nadabhrama” (2003), e

a jangada cearense de Artur Barrio. No trabalho “Sobressalto” (2001) de Maxim Malhado (Figura 40), fazia-se presente esta característica.

Seu trabalho era um desmembramento da primeira montagem do “Sobressalto”, uma idéia que se concretiza em uma instalação de travas de madeira, no estilo das que são construídas para se fazer obras em tetos, mas Maxim toma todo o ambiente, gerando a dúvida se é obra de reforma, ou uma proposta artística, como aconteceu no Goethe-Institut Salvador em 2001, onde toda a grande sala para exposição foi tomada pela instalação, gerando, pelo menos a princípio, o questionamento, “como pode o ICBA33 fazer exposição de um

33 ICBA - Istituto Cultural Brasil-Alemanha, como é popularmente conhecido o Goethe-Institut

Salvador. Figura 40

lado e reforma do outro?”, e depois o encantamento com a interatividade involuntária que o trabalho conseguiu provocar34.

Na montagem da 26ª Bienal, muito perdeu-se do potencial do trabalho, pois estava em um vão livre, ocupava uma área que ia de uma coluna a outra, configurando a forma geométrica quadrangular, e não alcançava o teto.

Há uma constante nos trabalhos desse artista, sua ligação com as estruturas de madeira e com as linhas do cotidiano (Figura 41).

Maxim privilegia as linhas além da funcionalidade real. São diversas as formas de existência do trabalho do artista. Além dos suportes para obras da construção civil, as amarras em carroceria de caminhão, que fazem com que a lona fique presa à carga, em os “Embrulhos” (2003) (Figura 42), também fazem parte do repertório de trabalhos do artista. Ele apropria-se,

fotografa e mostra como um trabalho de sua autoria. Apropria - se de bandejas ou, como chama-se “Aparadouror” (2002) (Figura 43), estruturas de madeira que são feitas em construções.

Certas apropriações de Maxim podem ser

questionadas, afinal, o artista não desloca o objeto, a construção, a instalação

34 Esse questionamento e a conclusão foram da autora ao deparar-se com a enorme intervenção

no espaço onde fora ver uma exposição. Figura 41

apropriada. Mas, por que não considerar um trabalho do artista? Por não ser exposto numa instituição de arte? E por que não manter o trabalho apropriado em seu local de origem, como as amarras de uma lona de caminhão e no “Aparadouro”.

Ao conhecer a história da arte brasileira, verifica-se que, sobre artistas com reconhecimento e importância, são apontados sentidos de apropriações que fogem da condição proposta por Marcel Duchamp, no início do século XX. Hélio Oiticica aponta em seu texto “Posição e Programa”, escrito em julho de 1966, o sentido ético da apropriação:

Não existe pois o problema de se saber se arte é isto ou aquilo ou deixa de ser – não há definição do que seja arte. Na minha experiência, tenho em programa e já iniciei o que chamo de apropriações: acho um objeto ou conjunto-objeto formado de partes ou não, e dele tomo posse como algo que possui para mim um significado qualquer, isto é, transformo-o em obra (...) essa compreensão da maleabilidade significativa de cada obra é que cancela a pretensão de querer dar à mesma premissa de diversas ordens: morais, estéticas, etc. a característica fundamental da criação artística é que impera como algo fixo, inalienável: a própria criação dada pelo ato de criar e sua conseqüência ao realizar-se: propor uma atitude também criadora. Só isso basta para definir o propósito e justificar a razão de ser de tais proposições (ibidem, p.100).

Neste âmbito, Hélio Oiticica promoverá uma série de apropriações que alteram o sentido do ready

made criado por

Duchamp. Em uma de suas apropriações, tomou posse de um concerto no centro do Rio de Janeiro, estabelecendo um contato entre a manifestação sonora e plástica como Figura 43

uma proposta de arte ambiental. Para ele, esses concertos são muito importantes como manifestação e criação de ambientes e explica no texto “Programa Ambiental”:

Tenho em programa, para já, “apropriações ambientais”, ou seja, lugares ou obras transformáveis nas ruas, como p.ex.: a obra-obra apropriação de um concerto público nas ruas do Rio, onde não faltam, aliás – como são importantes como manifestação e criação de “ambientes”, e já que não posso transportá-las, aproprio-me delas ao menos durante algumas horas para que me pertençam, e dêem aos presentes a desejada manifestação ambiental. Há aqui uma disponibilidade enorme para quem chega; ninguém se constrange diante da “arte” (ibidem, p.104).

Daí sua célebre frase “Museu é o mundo”.

A apropriação por tempo determinado também pode ser encontrada entre os trabalhos de Artur Barrio, como em “4 movimentos” (1974), quando o artista se apropria dos movimentos de uma vendedora de peixes em Portugal (Figura 44). O trabalho é registrado por fotos, que não são consideradas pelo artista como obra, mas como documentação. No texto sobre o trabalho, Barrio declara:

No trabalho cotidiano da vendedora de peixe (quer chova quer faça sol) vejo o condicionamento secular de uma parte do povo português no trabalho do mar e da sobrevivência, em conseqüência, pela venda do peixe. Da mão que oferece e da outra que, retraída pelas asperezas da vida, ...recebe.

Do relacionamento cultural Do relacionamento econômico Do relacionamento político Do relacionamento social (2000, p.126).

Apesar de distintas as situação apropriadas, o que funde as propostas é a tentativa de propiciar um pensamento mais humano a quem passa por um concerto em espaço público, por uma vendedora de peixes em Portugal, por uma construção ou por um caminhão com carga. Maxim vê, na bandeja de construção ou nas amarras da carga de um caminhão, a poética da coisa ali, como ela é feita e como permanece até o fim de sua função. Ao passar isso para um público, ele transfere essa poesia, a percepção da beleza das linhas. É ver o mundo, o cotidiano com mais atenção, a simplicidade que possui complexidade na empírica formulação das soluções.

De fato, as soluções populares para problemas cotidianos cercam a poética de Maxim. Seu olhar está na vida cotidiana - apreendendo com maior afinco as artimanhas do construtor, do caminhoneiro, do jardineiro, ou do vendedor de ovos -, em direção à poesia, que as amarras de uma cartela de papelão, para protejer os ovos possuem (Figura 45). Sua poética vislumbra os fatos como arte.