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Marepe: memória, devaneio e cotidiano na arte contemporânea da Bahia

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MAREPE:

MEMÓRIA, DEVANEIO E COTIDIANO NA ARTE CONTEMPORÂNEA DA BAHIA

.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Artes Visuais.

Orientador: Prof. Dr. Roaleno Ribeiro Amâncio Costa

Salvador 2005

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L 837 Lolata, Priscila Valente

Marepe: memória, devaneio e cotidiano na

arte contemporânea da Bahia / Priscila Valente Lolata. – 2005.

243 f.: il

Orientador: Prof. Dr. Roaleno Amâncio Costa Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Escola de Belas, 2005.

1. Arte contemporânea – Bahia. 2. Artistas baianos. 3. Marepe. I. Costa, Roaleno Amâncio. II. Universidade Federal da Bahia. Escola de Belas Artes. III. Título.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu amor e companheiro Luís, que em vários momentos participou das minhas dúvidas, angústias e incertezas, dando-me força e argumentos que não me deixaram fraquejar. Ao meu filho Ítalo, que mesmo ainda muito pequeno, participou de todo meu processo no mestrado, sendo sempre um incentivo. A minha família, pai, mãe e irmãos, que mesmo em alguns momentos não compreendendo a minha falta, sempre acreditaram em mim e apoiaram-me. A Daiane e a Jaci que participaram de vários momentos de aflição, mas mantiveram a ordem doméstica.

Ao Mestrado em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFBA, ao coordenador Luiz Freire e a secretária Taciana, aos professores do mestrado, ao meu orientador Roaleno Costa, ao programa de bolsas da CAPES e aos colegas que ingressaram junto a mim no mestrado.

A todos que concederam entrevistas e depoimentos, pela presteza e atenção: Marepe, Ieda Oliveira, Maxim Malhado, Gaio, Almandrade, Paulo Brusky, Paulo Darzé, Heitor Reis, Paulo Sérgio Duarte, Fernando Cocciaralle, e Lisette Lagnado. A Drª Glória Pabst, pela ajuda essêncial.

A Ludmila e a Neila, pela colaboração especial nas transcrições, a Eduardo, pela gentileza e pela capacidade na tradução do resumo e a Rosane, pela fundamental revisão da dissertação.

Aos amigos e colaboradores: Jamile Do Carmo, Giovanna Dantas, Ana Porciúncula, João Ramos, Dilberto de Assis, Afrânio Simões, Marco Aurélio, Irney Brito, Alice Santos, Floriana Breyer, Juciara Barbosa, Walter Mariano, Dona Nita e Geisa, Justino Marinho, Leda e funcionários da biblioteca da EBA, Reinaldo Botelho (Cosac & Naïfy), Gabriela e Cris (Galeria Luisa Strina), Dalton Maziero (Fundação Bienal de São Paulo), Juciléia (MAM-BA) e UNE, por facilitarem a construção desse trabalho.

Aos companheiros e cúmplices do GIA: Everton, Tiago, Pedro, Ludmila, Cristiano e Mark, e do Programa Humanidades: Goli, André, Cláudio, Pepito, Marconi, Denise, Albano e Marcelo.

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O melhor seria anotar os acontecimentos dia a dia. Manter um diário para que estes possam ser percebidos com clareza. Não deixar escapar as nuanças, os pequenos fatos, ainda que pareçam insignificantes (...).

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RESUMO

Este trabalho buscou entrar no universo da produção do artista plástico baiano Marepe. Para compreender melhor a inserção de sua obra num patamar de grande reconhecimento internacional - sendo este artista jovem, presente, aproximadamente, há quinze anos no meio artístico e, ainda, residindo em uma cidade do interior da Bahia -, foi fundamental uma breve trajetória da história da arte, a qual partiu de um universo macro, do início do século XX, e afunilou até chegar à arte brasileira dando ênfase ao movimento Neoconcreto carioca. Através da produção dos artistas neoconcretistas, como Lygia Clark e Hélio Oiticica, e do pensamento gerado neste contexto, foram verificadas semelhanças de propostas entre esses e os artistas contemporâneos da Bahia, como Ieda Oliveira, Maxim Malhado e Marepe. Adentrou-se mais na obra de Marepe e foram encontradas relações importantes, principalmente, entre o “Esquema Geral da Nova Objetividade”, de Hélio Oiticica, que em vários textos adaptou as teorias do filósofo francês Merleau-Ponty, sobre fenomenologia, para o contexto das artes plásticas. Com uma adaptação semelhante, também, as teorias de outro filosofo francês ligado à mesma corrente, Gaston Bachelard, foram facilmente relacionadas às propostas de Marepe, que, no geral, carregam lembranças e devaneios de sua infância, da casa vivida. Como forma de contextualizar a trajetória desse artista, traçou-se um panorama histórico do Salão do Museu de Arte Moderna da Bahia, como um referencial para o crescimento da arte contemporânea no referido Estado, no qual o artista está inserido. Utilizou-se análise comparativa de textos críticos e de imagens e, também, foram feitas comparações entre trabalhos artísticos, com parâmetros teóricos já bem definidos. Registrou-se uma série de entrevistas com artistas e com personalidades do meio da arte, o que gerou um respaldo às análises. Com a produção de Marepe tendo alcançado grande visibilidade entre a produção nacional, realizou-se uma pesquisa sobre o desenvolvimento da sua poética, o que confirmou a força regional e a linguagem universal que sua produção propõe, além da retomada de características desenvolvidas por alguns neoconcretos, precursores do experimentalismo, com ênfase no fim da dicotomia entre sujeito e objeto.

Palavras-chave: Arte contemporânea; Museu de Arte Moderna da Bahia; Marepe.

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ABSTRACT

This work tried to penetrate the universe of production of the artist Marepe from Bahia. In order to better understand the context of his works at the level of great international recognition - this artist being young and present in the artistic world for approximately fifteen years, and still, living in a countryside town in Bahia -, it was important to discuss briefly about history of art, starting from a wider context at the beginning of the twentieth century and narrowing it down to the Brazilian art, focusing it on the Neoconcrect movement from Rio de Janeiro. Through the production of artists from the Neoconcrect movement, such as Lygia Clark and Helio Oiticica, and the thinking generated in this context, some similarities of propositions were found between these and the contemporanean artists from Bahia, such as Ieda Oliveira, Maxim Malhado and Marepe. The works of Marepe were studied more in depth and important links were observed, mainly between the "General Outline of the New Objectivity", by Hélio Oiticica, who in various texts has adapted the theories of the French philosopher Merleau-Ponty about phenomenology to the context of the arts. With a similar adaptation, the theories of Gaston Bachelard, another French philosopher also linked to the same trend, were also easily found to be connected to the propositions of Marepe, which, in general, carry recollections and fantasies of his childhood, of his past experiences. As a way of contextualizing the paths of Marepe, a historical view of the Exhibition of the Museu de Arte Moderna da Bahia was taken, as a reference to the growth of the contemporanean art in Bahia, where the artist lives. Comparative analyses of critical texts and of images were used and also, comparations with other artistic works, with already well defined standards were made. A series of interviews with artists and arts personalities was registered, what substantiated the analyses. Having the production of Marepe reached great visibility among the Brazilian production, a research on the development of his poetry was done, what confirmed the regional strength and the universal language that his production proposes, beside the revival of characteristics developed by some neoconcrete artists, predecessors of the experimentalism, with emphasis on the end of the dicotomy between the subject and the object.

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS 14

1 INTRODUÇÃO 119

2 UMA COMPREENSÃO HISTÓRICA: OS MOVIMENTOS

MODERNOS QUE CULMINARAM EM TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS.

24

2.1 MODERNIDADE: UMA NOVA RELAÇÃO ENTRE O

ARTISTA E A SOCIEDADE. 24

2.1.1 Construtivismo: a arte explorando materiais e meios diversos de expressão (uma nova proposta para o objeto artístico)

25 2.1.2 Duchamp e o Dadaísmo: a renúncia de técnicas

especificamente artísticas (ou a contestação de todos os valores).

26 2.1.3 Dada e Construtivismo: a dessemelhança convergente. 28

2.2 A ARTE BRASILEIRA E A RELAÇÃO COM A

IDENTIDADE/REALIDADE NACIONAL.

29 2.2.1 As novas conotações da arte brasileira a partir da I Bienal

de São Paulo. 34

2.3 ARTE CONTEMPORÂNEA: UMA NOVA PROPOSTA DE

PARTICIPAÇÃO. 36

2.3.1 Mecanismo interno: o desenvolver da arte brasileira. 39

2.4 NEOCONCRETISMO: UMA NOVA OBJETIVIDADE NA

ARTE BRASILEIRA DE VANGUARDA. 41

2.5 O “ARMENGUE” COMO OPÇÃO PARA A SOLUÇÃO: AS

RESSONÂNCIAS DE UMA ESTÉTICA NEOCONCRETISTA.

57

3 ARTE CONTEMPORÂNEA NA BAHIA: DAS FENDAS DA

TRADIÇÃO CULTURAL, NOVOS MECANISMOS E EXPRESSÕES DE RECONHECIMENTO DA CULTURA.

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3.1 ARTE CONTEMPORÂNEA NA BAHIA: UMA BREVE

TRAJETÓRIA. 59

3.2 O SALÃO DO MAM, A CRÍTICA E O INCENTIVO

FINANCEIRO: O ACELERAMENTO DO EXPERIMENTAL E O DESAPARECIMENTO DO QUADRO.

62

3.2.1 I Salão da Bahia – 1994/1995: a vontade do novo. 62 3.2.2 II Salão do MAM – 1995/1996: a proposta é quebrar

parâmetros.

64 3.2.3 III Salão do MAM – 1995/1996: entre a estagnação e a

experimentação.

65 3.2.4 IV Salão do MAM – 1997/1998: a evidência da linguagem

contemporânea.

67 3.2.5 V Salão do MAM – 1998/1999: novos campos de ação das

artes visuais

68 3.2.6 VI salão do MAM: uma configuração contemporânea. 68 3.2.7 VII Salão – 2000/2001: um projeto de inserção, uma agulha

no palheiro. 70

3.2.8 VIII Salão da Bahia – 2001/2002: consenso ou carência, um

meio de arte passivo. 73

3.2.9 IX Salão do MAM – 2002/2003: critérios de seleção “parciais e heterogêneos”, a fluência do acesso à arte. 74 3.2.10 X Salão da Bahia: a projeção efetivamente possibilitada. 77

3.2.11 Projetos de envergadura contemporânea. 79

3.3 UM MEIO QUE EXISTE. 80

3.3.1 Memória, experimentação e metáfora, características

contemporâneas no trabalho de Ieda Oliveira. 82 3.3.2 Maxim Malhado: Ibirapuera, ou madeira velha; o agreste do

cotidiano como poética artística. 90

3.4 IDENTIDADE: A BUSCA DO SIMPLES. 96

4 MEMÓRIA, IMAGINAÇÃO E COTIDIANO NA ARTE

CONTEMPORÂNEA.

97

4.1 A SITUAÇÃO NOS ANOS NOVENTA, UM CONTEXTO

REGIONAL.

97 4.1.1 Herdeiros do neoconcretismo: o Nordeste inserido no

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4.2 ABRIGO, MEMÓRIA E VIVÊNCIA: O UNIVERSO POÉTICO

DE MAREPE. 100

4.3 RECÔNCAVO: ANTROPOFAGIA E VIDA COTIDIANA NO

TERCEIRO MUNDO. 102

4.4 O ABRIGO COMO METÁFORA 136

5. CONCLUSÃO 150

REFERÊNCIAS 155

ANEXOS 167

Anexo A – Súmula Curricular de Marepe 169

Anexo B – Entrevistas 172 B.1a Marepe 172 B.1b Marepe 179 B.2 Ieda Oliveira 194 B.3 Almandrade 208 B.4 Heitor Reis 221 B.5 Paulo Darzé 233

Anexo C – “Esquema Geral da Nova Objetividade” - Hélio Oiticica

239

Anexo D – Índices de inscrição, seleção, premiação e linguagem, do primeiro ao décimo Salão da Bahia – Museu de Arte Moderna da Bahia (1994).

249

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - El Lissitzky, “História de dois quadrados” (páginas do livro impresso em 1922).

25 Figura 2 - Marcel Duchamp, “Nu descendo a escada”, 1912 27

Figura 3 - Man Ray, “Cadeau”, 1921 28

Figura 4 - Tarcila do Amaral, “Religião Brasileira”, 1929 31

Figura 5 - 1ª Bienal de São Paulo (cartaz), 1951 34

Figura 6 - Max Bill, “Unidade Tripartida”, 1948-49 35

Figura 7 - Alfredo Volpi, “Composição c.”, 1958 36

Figura 8 - Lygia Clark, “Bichos”, 1960 42

Figura 9 - Hélio Oiticica, “Parangolé P4, Capa 1”, 1964 42 Figura 10 - Hélio Oiticica, fotos de rua, Rio de Janeiro, 1965 44

Figura 11 - Lygia Clark, “Caminhando”, 1964 47

Figura 12 - Lygia Clark, “Caminhando”, 1964 47

Figura 13 - Lygia Clark, “Caminhando”, 1964 47

Figura 14 - Hélio Oiticica, PN2, PN3 “A Pureza é um Mito” e “Imagético” em “Tropicália”, 1966-67

48 Figura 15 - Hélio Oiticica, P15, Capa 11, “Incorporo a Revolta”, 1967 52 Figura 16 - Artur Barrio, “Situação T/T, 1 (2ª parte)”, 1970 56 Figura 17 - Cildo Meireles, “Inserções em Circuitos Ideológicos:

Projeto Cédula”, 1970

57 Figura 18 - Rubem Valentin, “Emblema Relevo 1”, 1967-68 59 Figura 19 - Almandrade, Projeto “Pense o Jogo”, 1979-82 60

Figura 20 - Almandrade, “Objeto”, 1977 61

Figura 21 - Juraci Dórea, “Ambientação”, 1988 61

Figura 22 - Marepe, “Trouxa 03”, “Trouxa 04”, “Trouxa 05”, 2000 64

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Figura 24 - Marepe, “Jaca Nécessaire”, 1997 66

Figura 25 - Paulo Pereira, S/ título, 1997 67

Figura 26 - Iuri Sarmento, S/ título, 1999 69

Figura 27 - Yoko Ono, “Saída e/ou ex-isto”, 1997 70

Figura 28 - Floriana Breyer, “Faixa de descalços”, 2004 75

Figura 29 - Paulo Pereira, S/ título, 2002 77

Figura 30 - Vauluizo Bezarra, S/ título, 2002 77

Figura 31 - Rosana Palazyan, “Realejo”, 2003-04 78

Figura 32 - Ieda Oliveira, “Aqui se planta, aqui se colhe”, 2000 81

Figura 33 - Ieda Oliveira, “Milagres”, 2002 83

Figura 34 Ieda Oliveira, “Milagres”, 2002 83

Figura 35 - Ieda Oliveira, “Apaga-Dor”, 2000 85

Figura 36 - Ieda Oliveira, “Peca-Dor”, 2004 86

Figura 37 - Hélio Oiticica, “Edém”, 1969 87

Figura 38 - Ida Oliveira, “Farinha do Mesmo Seco”, 2001 88 Figura 39 - Ida Oliveira, “Farinha do Mesmo Saco” (detalhe), 2001 89

Figura 40 - Maxim Malhado,”Sobressalto”, 2001 91

Figura 41 - Maxim Malhado, revés de um out door 92 Figura 42 - Maxim Malhado, “Amarras” (lona de caminhão) 92

Figura 43 - Maxim Malhado, “Aparadouro” 93

Figura 44 - Artur Barrio, “4 Movimentos” 1974 94

Figura 45 - Maxim Malhado, “Amarras”, (cartela de ovos) 95

Figura 46 - Gaio Matos, Série “Desvios”, 98

Figura 47 - Marepe, “Recôncavo”, 2003 99

Figura 48 - Marepe, S/ título, 1994 104

Figura 49 - Lygia Clark, “Máscara Abismo – Nostalgia do Corpo”, 1965-88

106

Figura 50 - Marepe, “Cabeça Acústica”, 1995 107

Figura 51 - Marepe, “Lasque um Nome Aí”, 2001 108

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Figura 53 - Marepe, “Trouxa 03”, 1995 113 Figura 54 - Pierre Verger, Crianças, ajudando as lavadeiras, carregam

trouxas de roupas, Dique do Tororó, Salvador, 1948

113 Figura 55 - Diego Velásquez, “Retrato do Bufão Dom Ruam da

Áustria”, 1650

114

Figura 56 - Camelô no centro de Salvador 116

Figura 57 - Marcel Duchamp, “Fonte”,1917 116

Figura 58 - Marepe, “Banca de Bijuteria”, 1996-98 117

Figura 59 - Filtro de barro em um contexto doméstico 119

Figura 60 - Marepe, “Os filtros”, 1999 120

Figura 61 - Andy Warhol, “Fechar Antes de Ascender (Pepsi-Cola), 1962.

121 Figura 62 - Pintor de propaganda em atividade, Salvador-Ba 121 Figura 63 - Pintura de propaganda em um muro de Santo Antonio de

Jesus, BA

122 Figura 64 - Marepe na retirada do muro para a 25ª Bienal de São

Paulo, “Tudo no Mesmo Lugar Pelo Menor Preço”, 2002

124

Figura 65 - Marepe, “Palmeira Doce”, 2001 129

Figura 66 - Marepe, “Doce Céu de Santo Antonio”, 2001 130

Figura 67 - Marepe, Projeto “Quietude da Terra: Vida Cotidiana, Arte contemporânea e Projeto Axé”, 1999

132 Figura 68 - Marepe, “Cabeça Acústica” com crianças do projeto Axé,

1999

132 Figura 69 - Debret, imagem do livro “Voyage Pithorésque au Brésil,

1834-39

134

Figura 70 - Marepe, crianças do Projeto Axé, 1999 135

Figura 71 - Marepe, “O Casamento”, 1996 136

Figura 72 - Marepe,’O Telhado”, 1998 140

Figura 73 - Marepe, “O Presente dos Presentes”, 2002 142

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Figura 75 - Marepe, “Embutidinho”, 2002 145 Figura 76 - Hélio Oiticica, “Penetable PN 16, Nada, 1971 145

Figura 77 - Marepe, “Os Embutidos”, 1999 147

Figura 78 Marepe, “Banca de Fichas e Cartões Telefônicos”, 1996 167

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1. Introdução

Desde meu ingresso na Escola de Belas Artes da UFBA em 1997, meu interesse já direcionava-se a tendências da arte contemporânea. As que possuíam maior experimentalismo, abordando questões sociais, sempre impressionaram-me mais, deixavam-me com mais indagações.

Com a vinda ao Museu de Arte Moderna da Bahia, em 1999, da exposição

Árvore do desejo para o Brasil, de Yoko Ono, onde vivenciei e participei da

exposição de forma orgânica, sensorial e ativa, hoje, com uma visão distanciada do momento, percebo que foi aquela exposição que, definitivamente, mostrou o caminho que trilhei nas artes visuais, na prática e na teoria até o momento, sem pretensão de desviá-lo.

Após conversar com artistas que correspondem ao que eu já interessava-me, Artur Barrio, Cildo Meireles, Tunga, Cabelo e Jarbas Lopes, entre outros, e conhecido melhor a história e a obra de Hélio Oiticica e Lygia Clark, percebi que a história da arte recente do Brasil era muito interessante, e que a atuação de nossos artistas, há poucas décadas, formara uma história riquíssima, com muitos ainda produzindo e outros tantos começando a produzir na mesma linha de comprometimento com o universo social de cada um.

Comecei a observar cada vez mais a produção que acontecia no Nordeste e as referências de décadas. Paulo Bruscky, pernambucano, por exemplo, desde a década de 1960, participa da história da arte brasileira como importante artista conceitual e precursor, no Brasil, de várias possibilidades para minimizar os custos da arte, sem perder sua inteligibilidade: postal art, fax art, art door, entre outras.

Pretendia, a princípio, fazer uma análise da produção contemporânea do Nordeste, com uma retrospectiva a partir dos anos 1960, tendo como parâmetros as teorias do movimento Neoconcreto. Porém, percebendo a extensão da pesquisa, a idéia do projeto teve que ser mais delimitada.

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A delimitação não estava suficiente para ser cumprida em apenas dois anos, e a produção da Bahia, que já interessava-me demasiadamente e era parte do objetivo inicial, foi tornando meu foco principal.

Devido ao que já vinha desenvolvendo na EBA/UFBA, independente das aulas (produção prática e leitura), e ao interesse explícito em arte contemporânea, percebi que eram escassos, ou mesmo inexistentes, os registros e os materiais impressos, meios para se conhecer e pesquisar artistas contemporâneos da Bahia, e conseqüentemente, suas produções. Sabendo, ainda, ser Marepe um dos grandes nomes da representação baiana nos centros hegemônicos do circuito da arte brasileira (Rio de Janeiro e São Paulo), não concebia a idéia de ser ele, praticamente, um desconhecido, até mesmo para os alunos de arte. E a produção de Marepe tornou-se meu objeto, contextualizado pela dinâmica desenvolvida, principalmente, pelo Salão do Museu de Arte Moderna da Bahia, sob análise de teorias contemporâneas, provenientes do neoconcretismo.

Na tentativa de esclarecer o que significa nesta dissertação “arte contemporânea”, ou mesmo o sentido de contemporaneidade, muito utilizado nos capítulos a seguir - não foi encontrado definições diretas em livros, artigos, textos críticos -, mas em vários momentos, deixado claro o sentido da expressão. É sabido que contemporâneo é o que faz parte da mesma época, do mesmo tempo. Mas, no campo da arte, ou pelo menos o conceito adotado nessa pesquisa, é dada a possibilidade de decodificar o sentido cronológico, ou seja, um artista do meados do século passado, de 40 anos atrás, que não está mais vivo, pode ter uma produção contemporânea. E um artista que está produzindo hoje, nesse exato momento, pode não ser contemporâneo. Como?

O que defini esse adjetivo é a não especificidade dos meios utilizados na produção artística, tendo, exatamente, a amplitude de possibilidades de meios e materiais como uma característica marcante. E o meio de arte, além de aceitar a amplidão de materiais ou a inexistência dele (arte conceitual), acatou a introdução de artistas de regiões periféricas nas rotas dos pesquisadores, críticos, curadores e imprensa especializada, a valorização do contexto em que o artista vive e produz.

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A modernidade que rompeu com linhas rígidas da conduta artística, no início do século XX, dá maior autonomia ao artista, e começa a extrapolar, ainda que em movimentos isolados, o suporte tradicional - a pintura, por exemplo. O ato de apropriar de objetos e propô-los como arte, por Marcel Duchamp, na década de 1910 e as propostas construtivistas abrem precedentes que, na década de 1960, são levadas a cabo. De um ponto de vista mais específico, a arte “perde as rédeas”. O objeto, inspirado nos dadaístas e nos construtivistas, foi levado a conseqüências extremas. Tornam-se características comuns o hibridismo, o posicionamento político-social, a visão não universal, valorizando a diferença, apesar do poder da comunicação universal da arte. Os artistas de regiões periféricas têm a possibilidade de participar do circuito de arte falando de seu meio social, sem sair do seu habitat. A comunicação tem influência direta nessa nova configuração, não só da arte, mas da sociedade como um todo.

Conheceremos a produção de Marepe e de onde veio o respaldo que o meio de arte brasileiro dá para trabalhos tão inusitados: uma banca de camelô com veneno pra ratos e baratas à venda, tendo como atrativo baratas mortas e ratos dissecados, ou uma espécie de mesa com um pano branco e um cartaz onde se lê: deixe aqui o seu piolho, entre outros, não menos intrigantes.

Serão abordadas teorias da arte contemporânea nacional, e a descentralização dela, a partir da década de 1990. Se, a abertura recorrente tem precedentes em teorias como as de Hélio Oiticica, que mesmo desconhecidas por muitos artistas, respaldam as instituições. Será analisada a iniciativa do Museu de Arte Moderna da Bahia, focando, principalmente, seus Salões de Arte, de como e porque colocaram a Bahia no circuito nacional e, até mesmo, internacional da arte, e se isso ajudou o desenvolvimento da arte contemporânea nesse Estado. Toda essa análise é para evidenciar teorias adotadas e criadas pela produção de arte nacional e um contexto baiano que justifique o respaldo alcançado por Marepe.

Este Trabalho está dividido nos seguintes capítulos: Uma compreensão histórica: os movimentos modernos que culminaram em tendências contemporâneas; Das fendas da tradição cultural, novos mecanismos e

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expressões de reconhecimento da cultura e Memória, imaginação e cotidiano na produção de Marepe.

No capítulo, Uma compreensão histórica: os movimentos modernos que culminaram em tendências contemporâneas, faremos uma compreensão histórica da trajetória da arte brasileira, a partir do movimento modernista e suas implicações, que chegaram às teorias contemporâneas, tendo como laboratório o neoconcretismo de Lygia Clark e Hélio Oiticica, utilizando, por vezes, as teorias fenomenológicas de Merleau-Ponty. Veremos que o amadurecimento - tardio - da arte moderna nacional ocorre só na década de 1950, não impedindo a posição de frente, na arte contemporânea, mesmo não tendo sido reconhecida, ainda, pela história da arte universal. E ainda, como a arte contemporânea brasileira da década de 1960 e 1970 deixou herdeiros expressivos, na década de 1990, alicerçando produções como a do artista baiano Marepe.

Em, Das fendas da tradição cultural, novos mecanismos e expressões de reconhecimento da cultura, será traçado um panorama dos Salões promovidos pelo Museu de Arte Moderna da Bahia, verificando, principalmente, suas transformações, a participação de artistas baianos e a representação gradual no circuito da arte nacional, como tornou-se uma importante referência para esse circuito. E como é também uma importante referência para os artistas baianos, não só das novas tendências como de uma atuação profissionalizante, pagando pró-labore e prêmios de grande valor financeiro. Ainda daremos ênfase a dois artistas baianos que participaram da última Bienal de São Paulo, Ieda Oliveira e Maxim Malhado, que possuem conexões diretas com o trabalho de Marepe.

E o capítulo, Memória, imaginação e cotidiano na produção de Marepe, é todo sobre a produção de Marepe. Sai de uma perspectiva da vida pessoal do artista, partindo para a compreensão de suas propostas artistas.

Será observado que seus trabalhos não possuem uma linearidade na forma, nem nos tipos de materiais utilizados, o que gera uma diversificação rica também no conteúdo. Perceberemos que a precariedade dos materiais é um ponto muito comum em sua arte, caracterizando a situação de Terceiro Mundo, porém, não a estereotipando.

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Estudaremos a obra de Marepe e como ela insere-se no “Esquema Geral da Nova Objetividade”, escrito por Hélio Oiticica, de grande importância para a compreensão das características vigentes na arte contemporânea brasileira. Conheceremos o processo e a trajetória de Marepe que não só é compatível com o texto de Oiticica, como no início de sua carreira passou por uma deglutição, digestão e eructação do processo vivido na primeira viagem ao exterior - como prêmio da I Bienal do Recôncavo -, sentindo a realidade da teoria antropófaga de Oswald de Andrade.

Dentro da poética de Marepe, também daremos ênfase às colocações dos filósofos franceses Merleau-Ponty e Gaston Bachelard, fenomenólogos que tem os conceitos e as palavras certas para definir ou justificar muitos trabalhos desse artista, proporcionando uma riqueza na amplitude da poética na produção desse santantoniense1.

Através de textos e colocações de Oiticica, Ponty e Bachelard vamos imergir em acontecimentos da vida de Marepe, que são refletidos em seus trabalhos. Vamos entender como a produção desse artista reflete a poesia de seu contexto sócio-cultural.

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2. Uma compreensão histórica: os movimentos modernos que culminaram em tendências contemporâneas.

2.1. Modernidade: uma nova relação entre o artista e a sociedade.

Do ponto de vista acadêmico, referindo-se a uma escola artística específica, analisar o Modernismo é remeter-se aos vários movimentos que compunham tendências artísticas produzidas a partir do início do século XX. Essas tendências tinham por características principais o número de pesquisas distintas, acontecendo em uma mesma época e região, resultado de transformações de ordem social ocorridas desde o século XIX, tornando-se mais complexas com o desaparecimento das encomendas da igreja e dos príncipes (BOURDIEU e HAACK, 1995, p. 87).

Nos séculos XIX e XX, a autonomia do artista é afirmada. O artista passa a falar do tema e produzir da forma que lhe convém. Argan observa que:

Exatamente no momento em que se afirma a autonomia da arte, coloca-se o problema de sua articulação com as outras atividades, isto é, de coloca-seu lugar e sua função no quadro cultural e social da época. Afirmando a autonomia e assumindo a total responsabilidade do seu agir, o artista não se abstrai da realidade histórica; declara explicitamente, pelo contrário, ser e querer ser do seu próprio tempo, e muitas vezes aborda, como artista, temáticas e problemáticas atuais (ARGAN, 1992, p.11-12).

A partir do século XIX, passa a existir um número maior de movimentos artísticos paralelos e são mais freqüentes as inovações temáticas e as inovações técnicas (ainda que, principalmente, nos limites formais da pintura e da escultura), quando encontramos o Cubismo, o Fauvismo, o Futurismo, o Dadaísmo, o Surrealismo, o Construtivismo, dentre muitos outros.

Em outrora, os “estilos” afirmavam-se de forma linear e por longos períodos, os quais depois, na modernidade, passaram a ser “movimentos” múltiplos e simultâneos. A noção de vanguarda é atribuída ao experimentalismo, que se tornou um método tanto paras as tendências racionais quanto para as tendências “irracionais”, adeptas de questões antitradicionais e antiautoritárias (STANGOS, 2000, p.8). Como é o exemplo do construtivismo, um movimento que utilizou

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diversas linguagens propondo abrangência da arte à grande massa populacional da sociedade.

2.1.1. Construtivismo: a arte explorando materiais e meios diversos de expressão (uma nova proposta para o objeto artístico).

O construtivismo foi uma escola russa que, de uma forma geral, pode ser observada como uma das primeiras tentativas de construção de uma linguagem que procurava romper com cânones da arte acadêmica, não significando que os artistas envolvidos neste movimento estavam fora do espírito de sua época e de seu contexto: o modernismo.

Devido à situação política da Rússia, no início do século XX, o construtivismo pretendia ser um estilo para a formação intelectual na nova era, ou seja, a era do socialismo.

O construtivismo não pretendia ser um estilo abstrato em arte nem mesmo uma arte, per se. Em seu âmago, era acima de tudo a expressão de uma convicção profundamente motivada de que o artista podia contribuir para suprir as necessidades físicas e intelectuais da sociedade como um todo, relacionando-se diretamente com a produção de máquinas, com a engenharia arquitetônica e com os meios gráficos e fotográficos de comunicação. Satisfazer as necessidades materiais, expressar as aspirações, organizar e sistematizar os sentimentos do proletariado revolucionário – eis o objetivo: não a arte política, mas a socialização da arte (SCHARF in STANGOS, 2000, p. 116).

Segundo Ronaldo Brito, “A ligação dos construtivistas, com formas geométricas de cores puras, estava relacionada ao interesse por um racionalismo que pretendiam estender para a sociedade” (1999, p.15). Os artistas construtivistas experimentaram o quanto lhes foi possível, explorando materiais e meios diversos como a produção gráfica (Figura 1), design de mobiliários e obras de arte, pintura e escultura. Entretanto, acreditavam no fim da hierarquia na representação artística, que delegava valor maior à pintura, escultura e arquitetura:

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Como aspiravam à unificação da arte e da sociedade, os construtivistas expurgaram de suas mentes e de seu vocabulário as classificações arbitrárias que tradicionalmente haviam imposto à arte uma escala hierárquica, sendo a supremacia conferida à pintura, escultura e arquitetura. A idéia de que as Belas Artes são superiores às chamadas “artes práticas” perdera para eles toda a validade (ibidem, p.118).

As dificuldades técnicas e os problemas políticos fizeram com que os artistas construtivistas e suprematistas russos fossem para outros países da Europa Ocidental, onde puderam desenvolver suas pesquisas conhecidas como “cultura dos materiais”. Esse programa tornou-se mais tarde, o protótipo para partes do curso da Bauhaus2 alemã que recebeu influências da Art Nouveau e a

herança de William Morris, que conseguiu aproximar a figura do artista e do artesão “na tentativa de reconciliar os dois momentos principais do processo produtivo: o criativo e o material” (CARISTI in DE MAISI, 1999, p. 229).

Do ponto de vista da história das artes visuais, os artistas da vanguarda russa, fizeram a primeira tentativa organizada de instituir outros parâmetros para o objeto de arte, onde as novas tecnologias funcionavam como parceiras na criação artística. O arquiteto e artista El Lissitzky cunhou um termo que poderia ser usado atualmente: “proun” (a abreviação de uma frase em russo que significa “novos objetos da arte”). “Proun era, simplesmente, um método de trabalho, em total harmonia com os modernos recursos tecnológicos” diz Scharf (in STANGOS, 2000, p.118).

Neste período aconteceram transformações, mesmo que com outras conotações, em movimentos paralelos ao construtivismo, como no dadaísmo. 2.1.2. Duchamp e o Dadaísmo: a renúncia de técnicas especificamente artísticas (ou a contestação de todos os valores).

2Escola alemã de artes visuais e arquitetura, fundada em Weimar pelo arquiteto alemão Walter

Gropius (1883-1969). Primeira escola de desenho industrial moderno. Funciona de 1919 a 1933 com o objetivo de formar artistas capazes de ligar a arte à produção industrial. A Bauhaus (casa da construção) propõe uma arte funcional, e não apenas decorativa, que atenda às necessidades da sociedade industrial e torne mais harmonioso o cotidiano das pessoas. Posteriormente, o nome passa a identificar toda obra criada de acordo com os princípios da escola.

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Na década de 1910, ocorreu um fato que foi chave para uma transformação nos conceitos de arte em âmbitos muito mais amplos do que os artistas da época puderam imaginar: a recusa de uma pintura de Marcel Duchamp no Salão dos Independentes de Paris (Figura 2). O que o próprio artista relata:

Há um incidente em 1912 que me deixou meio “alterado”, se posso assim dizer; quando trouxe o Nu Descendo uma Escada para os Independentes, e me pediram para retirá-lo antes da abertura. No grupo mais avançado da época, havia pessoas com escrúpulos incríveis, eles mostravam uma espécie de medo! Pessoas como Gleizes, que era, mesmo assim, extremamente inteligente, acharam que o Nu não tinha a ver com a linha que já haviam previsto. O Cubismo não tinha ainda dois ou três anos de existência, e eles já tinham uma linha de conduta absolutamente clara, estabelecida, prevendo tudo que deveria acontecer. Eu achei muito ingênuo. Isso me esfriou a tal ponto que, como uma reação contra tal comportamento, da parte de artistas que eu acreditava livres, arrumei um emprego. Tornei-me bibliotecário na Biblioteca Sainte-Geneviève em Paris. (...) então veio a guerra, que transformou tudo, e parti para os Estados Unidos (CABANNE, 1987, p.26-27).

Sem constrangimentos, os dadaístas não hesitaram em utilizar materiais e técnicas industriais ao renunciarem técnicas especificamente artísticas. Esses artistas “brincavam” com os valores da obra de arte. “A intervenção desmistificadora atinge, ainda com mais razão, os valores indiscutidos, canônicos, geralmente aceitos e transmitidos” (ARGAN, 1992, p. 356). Ao colocar bigodes na Mona Lisa, Duchamp não quis interferir em uma obra-prima, e sim contestar um senso comum, que a venera passivamente. E com a possibilidade da reprodução, brinca com a dificuldade em ser distinguida, entre o original e o que foi

reproduzido, negando, dessa forma, “as técnicas como operações programadas com vistas a um fim” (ibidem, p.356) tendo seu ápice no ready-made.

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Essa idéia é uma das mais exploradas pelo próprio Duchamp, declarando que, a escolha por aqueles ready-mades nunca foi conduzida por uma apreciação estética, e sim baseada em uma “reação de indiferença visual” (ADES in STANGOS, 2000, p.87). “Não existe problema, não existe solução. A obra existe, e sua única razão de ser é existir. Não representa nada além do desejo do cérebro que a concebeu” disse Gabrielle Buffet, citada por Picabia (ibidem, p.87).

Em meio ao espírito contestador e irônico dos dadaístas em relação ao meio artístico e em relação à arte versus mercado, Duchamp lança a idéia para o

trabalho do também dadaísta Man Ray, Cadeau (1921) – um ferro de passar roupa com uma fileira de pregos despontando da base (Figura 3): “Ready-made recíproco: Use um Rembrandt como tábua de passar ferro” (ibdem, p.83).

Em 1917, a atitude de Marcel Duchamp, que já vivia em Nova York, ao transformar conceitualmente um urinol em obra de arte, criou um ícone na ruptura da representação artística, inconcebível para seu meio até então. Esse ato abriu precedente, não só para outros trabalhos com a mesma contundência crítica como para tendências na história da arte, que tiveram maior expressão só a partir dos movimentos artísticos dos anos de 1960.

2.1.3. Dada e Construtivismo: a dessemelhança convergente.

Apesar de, em um contexto mais geral, a história da arte atribuir ao movimento dadaísta e aos princípios do construtivismo russo conceitos distintos, existiram pontos convergentes como coloca Haroldo de Campos:

Artistas tão caracteristicamente marcados pela rebeldia Dada, como o poeta-pintor-escultor Kurt schwitters, por exemplo, já nos primeiros anos da década de 20 começariam a ligar-se aos neoplasticistas holandeses e aos construtivistas russos, numa evidente demonstração de que evoluíam para um endereço comum (in ANDRADE, 1998, p. 21).

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Outra convergência foi a do artista dadaísta Jean Arp que expôs com os construtivistas, demonstrando assim, que num plano isolado as obras de determinados artistas poderiam ter ligações com movimentos artísticos distintos e, até mesmo, contrapostos, como é o caso do dionisíaco Dadaísmo e do apolíneo Construtivismo. Devendo ser estabelecida a distância entre os movimentos, “a partir de considerações mais amplas, da ordem de uma política cultural” (BRITO, 1999, p.27).

2.2. A arte brasileira e a relação com a identidade/realidade nacional.

Enquanto na Europa e nos Estados Unidos algumas vanguardas artísticas já transcendiam o plano pictórico ou hierarquias entre a “arte maior” e a “arte menor”, no Brasil a ruptura dos parâmetros da arte pré-moderna aconteceu nas artes plásticas ainda no plano pictórico e escultórico figurativo, a partir da década de 1920, pontualmente, com a Semana de Arte Moderna em 1922.

O processo da arte contemporânea brasileira que vem da Semana de 1922, passa pelo Manifesto Poesia Pau-Brasil de 1924, se alimenta do Manifesto

Antropófago de 1928, ambos escritos por Oswald de Andrade, seguindo em busca

de uma arte com conotações intrínsecas à cultura nacional, passando pelo evento “com repercussões culturais incalculáveis” para o Brasil (PEDROSA, 1981, p. 40), como para a Europa, a I Bienal de São Paulo em 1951, quando, ainda segundo o crítico Mário Pedrosa, “o público brasileiro tem assim, pela primeira vez, contato com o que se convencionou chamar de arte moderna” (ibidem, p. 40).

Nem tudo o que foi produzido na mesma época do modernismo pode ser enquadrado como moderno, levando em conta as transformações estilísticas daquele movimento. Estar produzindo na mesma época de qualquer movimento artístico não significa fazer parte de seus postulados. Dentro do próprio modernismo mundial podem ser observadas situações desta natureza.

(...) pintores tão enaltecidos como Rouault e Chagall nada mais faziam do que retornar a uma concepção representacional, a uma idéia da arte como expressão de conteúdos subjetivos que agiam de modo

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manifestamente conservador. O que não impediu, por certo, que fossem chamados de modernos (BRITO, 1999, p.36).

Se dentro da própria estrutura cultural européia existem contradições, no Brasil pode-se perceber que a Semana de 22 apenas abre precedentes para uma assimilação mais rápida das correntes modernas, sem que, com isso, tenha-se desenvolvido e levado a cabo as pesquisas, no campo da representação visual, as premissas de um cubismo, por exemplo. Os artistas brasileiros estavam apenas servindo-se da “refeição” modernista, faltava a fagia e a ezia, como coloca Ronaldo Brito:

(...) Tarsila, Di Cavalcante, Cícero Dias, Guignard, Portinari são a rigor pintores pré-cubistas (...) Estavam aquém da radical transformação proposta pelo cubismo, permaneciam presos, independentemente da qualidade e do interesse de seus trabalhos, aos antigos esquemas de representação. E uma leitura não anedótica da história da arte moderna é algo que deve se dar ao nível dos conceitos e das rupturas produzidas nos esquemas de representação, e não ao nível de uma seqüência cronológica ou das transformações aparentes (ibidem, p.35).

O Movimento de 1922 aconteceu quando, na década de 1920, um carioca, Di Cavalcanti, juntou-se a intelectuais paulistas da classe média e da elite para que acontecesse um evento de cultura e arte que estremeceu os pilares da tradição acadêmica. Foi em tom rebelde o caráter dos espetáculos literários, musicais e da exposição de artes plásticas da Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São Paulo, em 1922.

O marco da introdução da arte moderna no Brasil é considerado a Semana de 22, porém havia a existência de outros grupos paralelos, menos favorecidos financeiramente, que já se organizavam e, muito mais próximos dos movimentos de classe - em São Paulo a divisão de classe era muito acentuada, conseqüentemente, os movimentos também, surgindo, assim, a Família Artística Paulista que foi formada pela união de dissidentes dos Salões de Maio - que reuniam senhoras da alta sociedade, amadores em artes plásticas e um pouco do espírito de 1922 - com os integrantes do Grupo Santa Helena, que na sua maioria,

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já tinham sido operários. Havia, entre eles, desde pintores de paredes, como Alfredo Volpi, a jogador de futebol aposentado, como Francisco Rebolo.

Tratando do modernismo brasileiro como o “entrelugar”3 da cultura nacional, Fernando Cocchiarale diz:

Quase duzentos anos de tenso esforço em igualar-se aos padrões europeus, terminou resultando, não no sucesso dessa empresa imaginária, mas em um modo brasileiro de assimilar, recusar e sintetizar as influências internacionais (modelo que aparece, por exemplo, na antropofagia modernista de Oswald de Andrade) (in HOLLANDA e RESENDE, 2000, p. 101).

No que concerne identidade nacional, os artistas modernos são colocados como precursores dessa busca, quando se propõem a produzir arte com tema social e, de certa forma, representam o povo e a cultura brasileira.

Nessa nova percepção nacional ocorrida com o modernismo, vai acontecer uma reformulação de conceitos e valores recorrentes à identidade nacional (Figura 4).

Dentre essas

reformulações, por exemplo, há o descobrimento do morro da Favella4 no Rio de Janeiro pelos

modernistas, sob a influência do poeta francês Blaise Cendrars (JACQUES, 2001, p.18). Em 1924, Tarcila do Amaral pinta a tela “Morro da Favela” e a oferece a Cendrars, mesmo ano

3 Termo utilizado por Mario de Andrade na “Carta pra Icamiabas” onde fala do entrelugar como

sendo o momento para o discurso do dominador e a cultura erudita darem o lugar para a legítima expressão brasileira.

4 Hoje, Morro da Providência. O termo favela, originalmente, denomina uma planta existente no

Sertão e chegou ao Rio de Janeiro através dos soldados que lutaram em Canudos (JACQUES, 2001, p. 18).

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em que Oswald de Andrade lança o “Manifesto Pau Brasil”, que, segundo Fernando Cocchiarale, é o texto inaugural da questão da brasilidade modernista (in HOLLANDA e RESENDE, 2000, p.102), já demonstrando o potencial estético das favelas: “A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos”. E, em outros momentos, ele desdobra: “O Carnaval. O Sertão e a Favela. Pau-Brasil. Bárbaro e nosso. (...) E a sábia preguiça solar. A reza. A energia silenciosa. A hospitalidade” (ANDRADE, 1998, p.65-66). Essas referências já demonstravam a linha de uma arte relacionada diretamente com a identidade brasileira.

No “Manifesto Antropófago”, Oswald de Andrade propõe a superação da submissão nacional e a composição de uma identidade cultural brasileira inspirada no primitivo nacional: “Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente”. E ainda declara a refeição da civilização que nos colonizou: “Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti”.

Dentro de um processo de transformação do ritmo de desenvolvimento das sociedades da América Latina e tratando sobre cosmopolitismos periféricos na modernidade, Ângela Pryston, considerando o referido Manifesto um dos marcos da “concepção brasileira modernista de cosmopolitismo”, trata do surgimento de uma concepção mais crítica:

A cópia cultural praticada durante as primeiras décadas do século XX serve como princípio para ocultar superficialmente as disparidades e os descompassos de um país subdesenvolvido como o Brasil em relação ao ideário e ao concreto progresso industrial europeus (2002, p.45).

Essa posição unilateral fez com que as diferenças sociais e econômicas, desprezadas pela elite, fossem realçadas diante da dura realidade de opressão à maioria dos brasileiros. Ou seja, vieram à tona a incompatibilidade de idéias, costumes, arquitetura e artigos de luxo parisiense, com a realidade social do Brasil. O que acabou despertando a consciência moderna das contradições brasileiras, diz Pryston.

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Só com o passar do tempo e com desenvolvimento urbano e da comunicação, que artistas brasileiros passam a ter informações mais significantes das produções e dos conceitos dos países da Europa ocidental. Também, o público passa a ter contato com estes meios, e com esta conjunção de fatores, o os artistas brasileiros passam a desenvolver uma produção artística mais nivelada em relação a outros centros irradiadores de cultura.

Entre as décadas de 1940 e 1950, surgem no Brasil as vertentes da arte abstracionista. Até então,

(...) a produção cultural do país gravitou em torno de questões essencialmente ideológicas, como a brasilidade e o regionalismo, que terminaram por eclipsar a possibilidade de uma polêmica estética similar à que ocorria na Europa. Não seria impróprio dizer que a politização e a conseqüente desestetização do debate sobre a arte brasileira foi um fator que adiou, até o final da década de 40, sua efetiva modernização estética (COCCHIARALE in HOLLANDA e RESENDE, 2000, p.104).

Assim, em contrapartida à “arte quase temática”, surgiu uma nova tendência na arte brasileira, o abstrato concreto.

Pode-se afirmar, então, que foi na década de 1950, que chegamos a uma maturidade moderna, “No Brasil pensamos, a arte moderna, em seus conceitos fundamentais, só veio de fato a ser compreendida e praticada a partir da ‘vanguarda construtiva’” (sic BRITO, 1999, p.36).

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o fim da ditadura de Getúlio Vargas no Brasil, foi propiciado aos artistas brasileiros, que gozavam da reconquista dos direitos civis, a possibilidade de “divergir para renovar”. E os primeiros grupos de artistas abstrato-concretos do Brasil surgem no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Pela primeira vez e tardiamente a arte brasileira pôde, enfim, produzir suas primeiras vanguardas, desde logo envolvidas, por divergências teóricas e práticas, em uma intensa polêmica, que se estendeu durante os anos 50 e teve por pólos principais os grupos concretistas de São Paulo (Grupo Ruptura, 1952) e do Rio de Janeiro (Grupo Frente, 1953), e, secundariamente, o informalismo que por privilegiar a expressão individual, não chegou a formar grupos organizados (COCHIARALE in HOLLANDA e RESENDE, 2000, p.105-106).

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Simplesmente, por emergir o abstracionismo geométrico e informal no cenário da arte brasileira, naquele momento, esse movimento já possuía um sentido mais politizado e contundente, por ser capaz de romper com o monopólio da arte dominante, diz Cocchiarale (ibidem, p.105).

Os grupos concretistas de São Paulo, André Sacilotto, Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros dentre outros, seguiam os princípios do Concretismo internacional, criteriosamente. Princípios expressos por Theo Van Doesburg desde a década de 1930.

O Concretismo atacava o obsoleto “poder humanista tradicional no ambiente cultural brasileiro”, conforme diz Ronaldo Brito (1999, p.59). Porém, apesar de citarem Marx e Engels, não alcançavam a proposta benjaminiana de , politizar a arte. Segundo Brito, “os concretos estavam fora de dúvida muito mais perto de estetizar a política” (ibidem, p.60).

A arte concreta esteve polarizada com o que se designa formalismo expressionista, duas tendências fundamentais da arte contemporânea da época, como coloca Mário Pedrosa (1981, p. 43), na I Bienal de São Paulo.

2.2.1. As novas conotações da arte brasileira a partir da I Bienal de São Paulo.

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A I Bienal de São Paulo foi inaugurada em 1951 (Figura 5). A partir dela é possível observar como a influência construtiva tomou corpo e possibilitou o surgimento de um projeto construtivo brasileiro que via na obra de Malevitch e Mondrian e do então contemporâneo Max Bill, uma nova “perspectiva” para as pesquisas plásticas, além disso “O prêmio da Bienal de São Paulo de 1951 concedido à peça de Bill Unidade Tripartida (Figura 6) foi sintoma do entusiasmo local pelos postulados racionalistas da arte concreta” (BRITO, 1999 p.36). A primeira Bienal serviu de contato

próximo a algumas das diversas maneiras plásticas de se expressar, sob a proteção do conceito de moderno, “o público brasileiro tem assim, pela primeira vez, contato com o que se convencionou chamar de arte moderna” disse Mario Pedrosa (1981, p.40). Pedrosa ainda fala desta primeira bienal:

Duas tendências fundamentais polarizam a grande exibição internacional. De um lado a arte realmente moderna, constituída pelos não-figurativos de todas as nuanças. Do outro, as diversas variantes objetivistas e figurativistas. Há também os bastardos de Picasso, Matisse ou Braque (...) (1981, p.41).

Não se deve considerar esta Bienal representante da implementação de um conjunto de ações que culminaram em uma produção nacional naquele momento específico. Mas foi através destas mostras, da primeira às decorrentes, que possibilitaram o acesso às obras que influenciariam o questionamento das expressões formais, que desmembraram, em possibilidades cada vez mais híbridas, a discussão em torno das possibilidades do objeto.

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Ronaldo Brito (1999, p.12) reforça que artistas ligados ao movimento moderno brasileiro, mesmo os que participam da fase pós Semana de 1922, como Portinari, Segall, Di Cavalcanti, Pancetti, entre outros, continuaram presos ao molde tradicional da representação. E dentre os reconhecidos pintores da época, Mário Pedrosa diz que por ter “evoluído”, diferente de Segall, Portinari e Di, no contexto da II Bienal de São Paulo, com a pintura de planos coloridos surgindo e enxotando os “modelados” que Volpi (Figura 7) deveria ser consagrado “como o mais autêntico dos mestres de sua geração” (1981, p.53).

Com o surgimento de um meio de arte bem menos periférico que nas décadas anteriores, o Brasil vê-se diante de um novo modo de produção de arte. E sua maturação não tarda, o processo de transformação social do país, a partir da década de 1950, torna-se cada vez mais rápido. Em pouco tempo nasceram núcleos complexos de produção e discussão sobre as novas possibilidades da arte, culminando numa proposta diferenciada, a arte contemporânea.

2.3. Arte contemporânea: uma nova proposta de participação.

Ao falar de arte contemporânea, é necessário imergir-se na contemporaneidade, que anula a noção linear da história como sucessões de fatos, não existindo uma continuidade de teorias. Ronaldo Brito fala da não existência de uma teoria da contemporaneidade, que o próprio desta contemporaneidade é a existência de um “amontoado” de teorias que coexistem em tensão.

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Mas, no geral, as maneiras “contemporâneas”, os procedimentos de construção da obra de arte, rompem com idéias como as do crítico Clement Greenberg5, conforme coloca a crítica de arte Cristina Freire, em seu livro Poéticas do Processo:

As poéticas conceituais materializam, freqüentemente, através da chamada desmaterialização da obra, uma crítica às instituições e sua lógica de operações excludentes. A crítica formalista, centrada nos princípios da hegemonia da pintura e do papel autônomo da arte que alicerçou os discursos de críticos importantes como Clement Greenberg, por exemplo, não se sustentava mais ante a Arte Pop, ante a Minimal Art ou poéticas de artistas como Josef Beuys e John Cage (1999 p.30).

O que se pode visualizar é uma profunda transformação na maneira de dizer as coisas através do objeto de arte, pois este já não possui uma forma definida, categorizada, há uma transformação, vale dizer que não só nas artes plásticas, mas nas linguagens artísticas. Através do objeto de arte, o artista começa a propor novas possibilidades para o espectador, o que é colocado pelo filósofo e crítico italiano Umberto Eco, em seu livro a Obra Aberta. Eco fala do redirecionamento da análise da obra, oferecendo uma nova forma de relação, fruição entre espectador e obra.

Precursor de idéias de vanguarda, o brasileiro Haroldo de Campos, três anos antes de Umberto Eco escrever sobre a obra aberta, publicou o artigo “A Obra de Arte Aberta”, no Diário de São Paulo em 03, jul. 1955. Na “Introdução à Edição Brasileira” de seu livro, Eco fala de como, no Brasil, são precedidas suas idéias:

A nova escola crítica de São Paulo debate há tempos, o problema da aplicação dos métodos informacionais à obra de arte, e as contribuições de muitos críticos, e estudiosos brasileiros foram-me úteis nestes últimos anos para levar adiante minhas pesquisas. É mesmo curioso que alguns anos antes de eu escrever Obra Aberta, Haroldo de Campos, num

5 Para Greemberg, a obra de arte não deveria ter nenhuma influência de seu meio. A melhor

percepção da obra vinha de um rígido treinamento do olhar pois, os critérios de qualidade seriam intrínsecos a ela. Na soberania da pintura, Greemberg coloca quatro princípios eptomizados: a objetividade material, a autonomia da obra, conforme fala Cristina Freire (2005, p. 63).

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pequeno artigo, lhe antecipasse os temas de modo assombroso, como se ele tivesse resenhado o livro que eu ainda não tinha escrito, e que iria escrever sem ter lido seu artigo (ECO, 1997, p.17).

Essa nova relação entre sujeito-objeto existente na produção artística, e na produção teórica, caracteriza o termo “arte contemporânea”.

O importante crítico de arte brasileiro Mario Pedrosa escreveu muitos artigos sobre essa transformação da arte. E em 1960, escrevendo o texto Significações de Lígia6 Clark, Pedrosa fala que nas exposições e mostras européias e, até mesmo, na Bienal de Veneza, é notável a decadência da escultura, supondo que essa tendência deve-se à perda total de autonomia dessa linguagem. Atribui ao fato de novamente a escultura querer seguir a rota da pintura, como aconteceu com a escultura cubista, que os mestres da escultura do século XX - Gabo, Pevsner, Arp, detre outros - tiveram participação no construtivismo e no dadaísmo respectivamente, e pouco, ou nada no cubismo. Pedrosa fala ainda das pesquisas e descobertas de Lygia Clark, obras que propõem ao espectador a participação na criação, ou no desdobramento da obra. E sobre essa transição da arte, Mario Pedrosa ainda fala:

(...) em face da crise cada vez mais pronunciada das artes tradicionais da pintura e da escultura - os gêneros já não apresentam as velhas delimitações (pintura tendendo à escultura, escultura imitando a pintura) e a cada momento nascem coisas, inventam-se objetos híbridos, que estão a indicar estar a arte, tal como a tivemos até agora, em estado transicional, como uma crisálida (1981 p.200).

Sendo correta a afirmação de que só alcançamos uma maturidade em relação aos conceitos modernistas na década de 1950, como afirma o crítico brasileiro e então curador do Museu de Arte Moderna de Nova York, Paulo Herkenhoff, como pode ser afirmado o aparecimento de tendências que caracterizam os estilos contemporâneos sem defasagem temporal? Seria possível

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desenvolver uma produção com características que possibilitassem este acontecimento?

A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, o Brasil, à medida que abre suas fronteiras econômicas e sociais formando algumas manchas urbanas mais desenvolvidas tecnologicamente, abre-se para uma assimilação mais rápida das produções artístico-culturais dos centros irradiadores de cultura, seja através de mostras internacionais (as Bienais de São Paulo, sobretudo), seja a partir do aparecimento paulatino de um número maior de publicações especializadas (CHIARELLI in BASBAUM, 2001, p. 262).

Porém, a recíproca não condiz. Mesmo o Brasil tendo pensamento e produção de vanguarda, isso não era repercutido com o mesmo grau de importância que se observa hoje, como Herkenhoff afirma em 1997, no texto “Brasil/Brasis”:

O Brasil inventa a discussão e o termo “arte pós-moderna” (a condição pós-moderna foi discutida em 1966 pelo crítico Mário Pedrosa, com motivos, argumentos, substratos filosóficos semelhantes aos que ocupariam o pensamento europeu e norte-americano nos anos 1970 e 1980). Pedrosa, no Rio de Janeiro, falava no gueto – isso equivale a dizer que não falava para o mundo (in BASBAUM, 2001, p.360).

Provavelmente, pela questão da localização periférica, o Brasil não tenha destaque na produção artística contemporânea apresentada nos livros de história da arte, isso quando aparece um artista “tupiniquim” nessas publicações.

2.3.1 Mecanismo interno: o desenvolver da arte brasileira.

De uma forma ou de outra, falando dentro de sua própria estrutura social, existia no Brasil um ambiente propício para o desenvolvimento de uma produção artística contemporânea, que contava com setores importantes para este desenvolvimento. A produção em si, o pensamento teórico sobre esta produção e a ascensão do mercado. Sobre a produção artística concomitante com a produção teórica, Eduardo Coinbra e Ricardo Basbaum falam no texto Tornando Visível a Arte Contemporânea:

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Pode-se dizer que o papel da crítica foi fundamental para a articulação e eclosão do movimento neoconcreto, momento raro em que crítica e produção caminharão juntas. Todas as possibilidades que se seguiram, experimentadas pela arte dos anos 1960, no Brasil, têm origem na consistência e sofisticação desse embate: idéias e conceitos, em arte são sempre formados verbal e plasticamente, de modo que não é possível existir criação desvinculada de um contato direto com as obras, assim como é ingênuo supor que se pode produzir arte sem pensamento. O suplemento Dominical do Jornal do Brasil foi um espaço, na imprensa, que permitiu o desenvolvimento de uma discussão deste tipo (in BASBAUM, 2001, p.345).

Em relação ao mercado de arte, além de tentativas por parte de galerias, de fato um mercado representativo de arte no Brasil só implementou-se na década de 1970. Com a inflação acelerada entre 1970 e 1973, no mercado de capitais, o mercado de arte representou uma boa alternativa.

Do ponto de vista da linguagem, os artistas estavam levando o objeto de arte para uma fronteira cada vez mais próxima da vida. A proposta de levar o espectador a participar da obra foi uma das características marcantes da implementação da arte contemporânea.

A constante nesta produção era uma preocupação com a maneira em que as coisas seriam ditas. E é da relação entre literatura e artes plásticas que surge as bases do movimento Neoconcreto que direcionou a produção contemporânea local, desligada já dos pressupostos construtivos. E alguns de seus integrantes são os indicativos do surgimento da poética contemporânea na arte brasileira.

Os agentes neoconcretos prescreviam, assim, o terreno de sua prática e se dispunham a analisar os seus elementos de modo autônomo: a arte não podia ser instrumentalizada, e sim compreendida como atividade cultural globalizante, que envolvesse o conjunto de relação do homem com seu ambiente (BRITO, 1999 p.65).

O neoconcretismo resgata conotações da ideologia romântica. O culto à marginalidade está inserido nessa ideologia, o que já é contraditório ao projeto construtivo. A aproximação de alguns artistas das idéias dadaístas definiu, por vez, uma tendência muito própria e de características diferenciadas de qualquer outra tendência artística brasileira. Seguiu-se a velocidade experimental dos dadaístas, a flexibilidade que criaram novos esquemas e que fizeram e fazem com

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que o artista contemporâneo tenha uma necessidade de colocar seu trabalho a frente do mercado e das possíveis transformações ideológicas de sua atividade. 2.4. Neoconcretismo: uma nova objetividade na arte brasileira de vanguarda.

No “Esquema geral da Nova Objetividade” escrito por Hélio Oiticica, no Item 4, é tratada a “Tomada de posição em relação a problemas políticos, sociais e éticos” pelos artistas (1996, p.115). No texto é tratada a necessidade urgente de formular os problemas de abordagem no campo criativo. A relação político-social está presente na linha da “arte participativa”, uma polêmica que inclui aqueles artistas que procuram criar alicerces para uma cultura brasileira típica, com características e personalidades autênticas. Nesse sentido, Ferreira Gullar tem grande importância pela quantidade de idéias e obras produzidas naquele período. Hélio Oiticica esclarece:

O que Gullar chama de participação, é no fundo essa necessidade de uma participação total do poeta, do artista, do intelectual em geral, nos acontecimentos e nos problemas do mundo, conseqüentemente influindo e modificando-os; um não virar as costas para o mundo para restringir-se a problemas estéticos, mas a necessidade de abordar esse mundo com uma vontade e um pensamento realmente transformadores, nos planos ético-político-social (ibidem, p.116).

Segundo Gullar, o artista não deve deter-se em transformações no campo estético. Deve tratar de questões mais amplas, que criem bases para uma totalidade cultural transformadora da consciência humana. Que transforme o homem, de espectador passivo diante dos acontecimentos a um participador ciente, agindo como lhe for possível (apude OITICICA, ibidem, p.116).

Persistindo na velha posição esteticista, o artista está fadado a uma posição gratuita e alienadora. A tomada de consciência torna-se imprescindível diante de duas vertentes: tomar consciência ou estar fadado a permanecer sob um panorama cultural limitado a modificações insignificantes de idéias ultrapassadas.

No “Esquema Geral da Nova Objetividade”, é essencial discutir a chegada ao objeto e, para não se cair em uma discussão esteticista, criar fundamentos para uma vontade político-ético-social. Com processo de chegada ao objeto,

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verificou-se um novo olhar diante do mundo, uma visão mais humanizada. A vanguarda naquele momento, segundo Oiticica, não se restringia a um grupo de elite isolado, mas tentava uma ação cultural mais ampla que chegasse às soluções coletivas. Nesse contexto de busca, a proposição de Gullar que mais interessava naquele momento para Oiticica, sendo também a mais motivadora para o próprio Gullar, era a que não bastasse:

(...) à consciência do artista como homem atuante, somente o poder criador e a inteligência, mas que o mesmo seja um ser social, criador não só de obras mas modificador também de consciências (no sentido amplo, coletivo), que colabore ele nessa revolução transformadora, longa e penosa, mas que algum dia terá atingido o seu fim – que o artista “participe” enfim da sua época, de seu povo (sic, apud OITICICA, ibidem, p.117).

As obras coletivas, como pensava Oiticica, são importantes para a transformação do espectador ingênuo, passivo à arte. Para o espectador participante da criação fenomenológica da obra, esta é uma proposta aberta à total participação.

Lygia Clark, no neoconcretismo, foi quem primeiro solicitou a colaboração do espectador a ativar a obra. Partiu de um casulo, para criar bichos (Figura 8) inventivos que abriam a discussão do papel do artista na fruição da obra. Seus ambientes que propunham ativações da memória fetal e suas “nostalgias corporais”

fazem sentir esta ambiência de ninho, de abraço. Já Hélio Oiticica partiu da pintura para questioná-la, enquanto manifestação ambiental, e jogou com as mãos suas obras para o mundo. Impulsionou o tornado com os movimentos dionisíacos dos

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parangolés (Figura 9) e propôs uma noção de ambiente que possibilitava ao espectador se deparar com uma obra, a partir da aceitação da proposta por parte do mesmo, de repente, em um parque ou em uma rodovia iluminada por tonéis de estopa e óleo diesel, vivenciar o que já estava ali, dando valor e sentido poético

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naquela interferência ambiental (Figura 10).

Como agentes transformadores da linguagem plástica no Brasil, os dois artistas são os indicativos de pesquisas que chegaram a uma linha artística que Mario Pedrosa denominou pós-modernismo. Embora Hélio Oiticica tenha declarado um posicionamento contrário ao Pop e à Op Art, isso não anula a inserção destes artistas brasileiros em um território mais amplo de produção de arte contemporânea. Se uma das características da transformação das linguagens artísticas é a desmistificação do suporte pictórico, podemos tomar como ponto de partida a trajetória de Lygia, como princípio do questionamento das

expressões pictóricas e da chegada ao plano sem suporte ou apoiando-se em si mesmo. Sobre esse processo de transformação, Mário Pedrosa conclui em 1967:

Lígia Clark foi no Brasil a primeira a tirar daí as implicações, ao tentar desmoldurar o quadro pictórico para que o mesmo, flutuando no espaço real, se identificasse com aquele, ou a redução final de todo conceito representativo no mundo plástico. Desse passo seguiram-se os outros que fizeram passar da superfície plana pictórica ao espaço real, onde, dando articulação aos planos por meio de uma dobradiça, chegou ao movimento com os “bichos” (1986, p.163).

Lygia Clark é apontada como a pioneira, junto a Hélio Oiticica, da desmistificação da obra, pois ela traz à tona a questão da durabilidade, da aura da obra de arte tida como intocável, rara como um quadro de borboletas, mortas,

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imóveis. O percurso até os Bichos surge deste questionamento sobre o espaço pictórico. “Se se liquidava o espaço pictórico do plano criava-se um ‘objeto’ ou ‘neo-objeto’ ou ‘objeto artificial’ (no domínio das teorizações estruturais) ou o ‘não objeto” (ibidem, p.163-164).

Estas investidas de Lygia Clark e Hélio Oiticica fizeram o crítico Mário Pedrosa analisar suas obras como um novo momento da produção plástica, que já não podia ser absorvido pelos dogmas do modernismo, disse ele em 1966: “Estamos agora em outro ciclo, que não é mais puramente artístico, mas cultural, radicalmente diferente do anterior” (1981, p.205). Neste momento, antecipando o uso do termo pós-moderno em relação à produção artística visual, declara que, com as descobertas de Lygia e Hélio, o Brasil colocava-se na posição de enunciador das linguagens pós-modernas.

A esse novo ciclo de vocação antiarte chamaria de “arte pós-moderna” (...) os jovens do antigo concretismo e sobretudo do neoconcretismo, com Lígia Clark à frente, sob muitos aspectos anteciparam-se ao movimento do Op e do Pop. Helio era o mais jovem do grupo (ibidem, p.205).

Dentro do emaranhado de conceitos que surgiram, das possibilidades que despontavam na maneira de propor o trabalho de arte, a dupla de artistas estava totalmente a par das transformações mais significativas. Vistas de um âmbito geral, o crítico inglês Guy Brett fala:

O significado de Oiticica é que ele viu todas estas áreas e questões7 como

sendo interligadas, e que ele fazia isso dentro de outra estrutura, uma que dava o lugar de honra ao “espectador” participante, em vez de ao objeto. Coisas semelhantes poderiam ser ditas sobre a arte e o pensamento de Lygia Clark (in CENTRO DE ARTE HÉLIO OITICICA, 1998, p.223-224). Com a transformação na dinâmica das comunicações globais, um ambiente propício foi instalado, surgindo um levante, pelo menos europeu e estadunidense,

7 Arte cinética, arte processo, monocromo, arte ambiental, body art, participação; performance – ou

como assuntos polêmicos e contestados: o status do objeto enquanto comunicação ou bem de consumo; noções de autoria e as relações do artista com o público; a defasagem entre belas artes e cultura popular; questões de identidade, sexualidade, descolonização e diferença cultural; a relação entre arte e vida.

Referências

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