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Em 1977, o sonho de realizar um disco com orquestra tornou-se possível para Toninho Horta. Naquele ano, o grupo norte-americano “Earth, Wind and Fire” gravou um trecho da canção BEIJO PARTIDO, no disco ALL’N ALL, na faixa intitulada BRAZILIAN

RHYME, cuja autoria foi erroneamente atribuída a Milton Nascimento. Depois de

esclarecida esta questão, Horta recebeu os direitos autorais da gravação e pôde viabilizar a inclusão de uma orquestra de cordas na gravação de seu disco. Horta narra os impasses financeiros que assumiu ao decidir dar prosseguimento a uma produção independente, idealizada como um projeto ambicioso:

Demorei muito tempo para acabar as gravações, pois não tinha dinheiro para isso na época. Aos poucos, toda vez que entrava um dinheiro, eu gravava alguma coisa. Como era meu primeiro disco, um sonho que tinha, gravei com muito carinho, queria que tivesse orquestra e tudo (...). Então, quando pintou o dinheiro dos direitos autorais do Earth Wind and Fire, que gravou uma música minha, em vez de comprar uma casa, investi tudo na gravação do disco. Gravei

30 Vale ressaltar que os sintetizadores, tais como minimoog, arp odissey, arp string ensemble, empregados com freqüência no disco TERRA DOS PÁSSAROS, foram instrumentos comumente usados na época, que simulavam timbres e sons orquestrais. No entanto, a sonoridade destes instrumentos tornou-se datada devido ao acelerado aparecimento de novas tecnologias.

com orquestra como eu sonhava. (GOMES, Vinícios & CARRILHO, 2007, pp. 22, 23)

Toninho Horta desenvolveu-se como arranjador de maneira intuitiva. O compositor ressalta a importância do estudo de piano como base de seu aprendizado de orquestração (Ibidem, p. 23). Nos anos 1970, contou com a ajuda do violonista mineiro Hugo Luis, que fez uma tabela de transposição de instrumentos, para que Horta pudesse consultar ao escrever seus arranjos. Foi amparado também pelo arranjador Eumir Deodato, que redigiu outra tabela contendo este tipo de informações (Ibidem, p. 24). Além disso, consultava com freqüência o amigo, já experiente, Wagner Tiso, para aprender sobre a tessitura dos instrumentos e a melhor maneira de usá-los. Toninho Horta aliou as técnicas transmitidas pelos amigos aos seus conhecimentos musicais e, de forma intuitiva, começou a desenvolver arranjos orquestrais para gravações de Milton Nascimento, nos discos GERAES (1976) e CLUBE DA ESQUINA 2 (1978), e de Beto Guedes, no álbum A PÁGINA DO RELÂMPAGO ELÉTRICO (1977), consolidando, assim, sua atuação profissional como arranjador. Deste modo, quando a inclusão de uma orquestra no disco TERRA DOS PÁSSAROS se tornou possível, elaborou cuidadosamente todos os arranjos. No período de gravação do álbum, sua irmã Lena Horta, flautista, e seu cunhado Yuri Popoff, contrabaixista, eram músicos da Orquestra Sinfônica de Campinas, regida na época pelo maestro Benito Juarez. Lena sugeriu a Toninho que convidasse os músicos da orquestra para gravar no disco (Entrevista com Lena HORTA, 2008).

Durante os anos 1970, junto com outros músicos de sua geração, o maestro Benito Juarez teve um importante papel, ao estimular a aproximação da tradição da música erudita do universo da música popular. O maestro, oriundo de Januária, Minas Gerais, ressalta que em sua formação musical não houve qualquer distinção entre a música popular e a música de tradição européia. Ouvia ao mesmo tempo Luiz Gonzaga, Beethoven, ópera e participava de saraus e encontros musicais (Entrevista com Benito JUAREZ, 2009). Seu estudo formal como violinista, em Belo Horizonte, seguiu a tradição da música européia. Estudou posteriormente com o professor e compositor Koellreutter, na Universidade Federal da Bahia, e desenvolveu-se profissionalmente atuando como violinista em orquestras e tocando no meio da música popular, em boates, gravações e na orquestra da

TV Record, em São Paulo. Foi convidado, em 1967, para reger o Coralusp e, a partir de então, começou a introduzir em seu repertório a música popular brasileira, folclórica, contemporânea e de vanguarda. Estas experiências pioneiras com a música popular no ambiente de música erudita tiveram continuidade ao tornar-se regente da Orquestra Municipal Sinfônica de Campinas, em 1975. Ao longo da década de 1970, o maestro também participou do processo de implantação do Curso de Música, na Universidade Estadual de Campinas. O Departamento de Música da UNICAMP, que começou a funcionar oficialmente em 1971, foi o primeiro a institucionalizar o estudo formal de Música Popular no meio acadêmico, no Brasil, em 1989. Ao lado de profissionais como Valter Krausche, Eduardo Duffles Andrade, Paulo Pugliesi, Ney Carrasco, Ricado Goldemberg e Antônio Rafael Carvalho dos Santos,o maestro participou de um processo de ruptura, no qual inaugurou-se a reflexão acadêmica sobre o papel histórico e social da música popular. Nas experiências com orquestras, o maestro sempre envolveu compositores e arranjadores, como Francis Hime, Egberto Gismonti, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Wagner Tiso e Toninho Horta, estimulando a junção da tradição da música de concerto à música popular brasileira.

A Orquestra Sinfônica de Campinas foi a primeira a representar uma cidade brasileira fora de uma capital e consolidou-se com o apoio governamental em 1975, sob a direção do maestro Benito Juarez. Naquele momento, era uma orquestra composta por muitos músicos jovens (Entrevista com Yuri POPOFF, 2008), que se dispuseram a deslocar-se para São Paulo para gravar um disco independente de música popular. A gravação aconteceu em 1977, no Estúdio Vice-Versa, e teve como técnico responsável Renato Viola, auxiliado por Marcus Vinícius, Wilson Franja e Ivo31. A orquestra tocou nas

faixas CÉU DE BRASÍLIA e BEIJO PARTIDO,sob a regência de Toninho Horta. Contudo, na

primeira sessão de gravação, ao comparecer ao estúdio, os músicos foram surpreendidos pela ausência de Toninho e da equipe de produção. Devido ao momento político de severa repressão, Horta e seus colegas haviam sido detidos pela polícia sob a alegação de envolvimento com entorpecentes (Entrevista com Lena HORTA, 2008).

Após a resolução deste imprevisto, a orquestra pôde realizar as gravações. Toninho Horta decidiu acrescentar outra orquestra ao disco, agrupando músicos no Rio de Janeiro que possuíam mais experiência e desenvoltura para gravação em estúdio (AGUIAR, 2008). Os registros foram feitos no estúdio Transamérica pelos técnicos Vitor Farias, Cláudio Farias e Toninho Marrom, com a assistência de Rafael Azulay, Aníbal e Zeca Sartori. A orquestra executou os arranjos das faixas PEDRA DA LUA eAQUELAS COISAS TODAS,além

de somar-se à gravação feita anteriormente pela orquestra formada por músicos da Orquestra Sinfônica de Campinas, no arranjo de CÉU DE BRASÍLIA.