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2.3 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO

2.4.2 A articulação dos Centros

Apenas um dos entrevistados destacou algo que considerou pouco produtivo na proposta da REDE. Essa questão disse respeito à divisão dos Centros por área, que acabou por propiciar uma articulação somente entre os Centros da mesma especialidade, não havendo, por exemplo, parcerias, trocas constantes entre um centro responsável pela Alfabetização e Linguagem e o centro responsável pela área de Artes e Educação Física. Para a entrevistada que destacou esse aspecto, isso se deve à própria maneira como o MEC propôs o projeto:

“Eu acho que assim, dentro da própria política do MEC, o MEC criou cinco tipos de centro de formação continuada: alfabetização, Artes e Educação Física, e tal, e eu acho que essa compartimentação é prejudicial, porque eu vejo que Artes e Educação Física teriam uma contribuição muito grande para a alfabetização. Existe um grupo de professores de Artes e Educação Física que se rebelam contra isso, porque existe a especificidade da Artes e a especificidade da Educação Física, que eu não nego essa questão, mas mesmo o professor de Artes, fazendo o seu trabalho de Artes, e o de Educação Física, fazendo o seu trabalho de Educação Física, uma discussão como setor de alfabetização traria um enriquecimento para aula de todos os três, digamos assim. Então, eu acho que essa compartimentação dos setores do MEC, dos centros em si, que não é bom. Não tem uma inter-relação um centro com o outro: o Centro de Matemática e Ciências, só conversa com o Centro de Matemática e Ciências, o de alfabetização, só com os outros centros de alfabetização, o de Artes, com os outros de Artes. Então, eu sinto que falta isso, falta uma interdisciplinaridade, mas na hora de se estabelecer uma política já se estabelece uma política dividida, então é um contra- senso, nesse sentido”. (P.Form./Coord. da área de PEDAGOGIA).

Embora a entrevistada destaque o MEC, como possível responsável por essa compartimentação, por outro lado, não podemos esquecer que, durante todo o documento, que traz as orientações gerais para a constituição da REDE, enfatiza-se a necessidade de articulação entre os Centros, para as ações de formação continuada, retomo aqui um trecho antes citado: “Embora organizados por área de formação, é fundamental que cada Centro se articule com os demais, ou com grupos de trabalho dentro da própria Instituição, para atender a demanda de formação nas diferentes áreas e atingir a capilaridade que se espera da REDE” (BRASIL, 2005, p.30). Assim, é possível dizer que o fato dos Centros de diferentes especialidades não terem estabelecido relações de parceria, está muito mais relacionado à posição que cada universidade assumiu, do que a proposta do MEC estar divida em áreas. No caso do CAEF, houve uma preocupação nesse sentido, tanto que foi em função disse que a professora que levanta tal questão, foi convidada pela coordenadora do CAEF, para fazer parte do Centro, isto é, buscou parcerias dentro da própria instituição, o trecho a seguir demonstra como isso aconteceu e o que impulsionou a busca por essa parceria:

“Eu conheci a professora [cita o nome da coord. do CAE] através de um projeto que nós fazíamos pelo Instituto Ayrton Senna, que era o Projeto Quero-quero, que reunia professores de Educação Física, Música, Artes e Pedagogia. E foi nessa época que nós começamos a trabalhar juntas [...] e vimos que nós tínhamos bastante afinidade...Pelo menos a nossa filosofia de trabalho era muito semelhante. Quando surgiu, então, esse projeto para a formação continuada, e Helena fez o projeto e perguntou se eu gostaria de participar, como meu foco de interesse é alfabetização: aprendizagem da leitura e da escrita, eu achei que Artes e Educação Física eram um bom caminho pra se chegar a uma alfabetização mais ampla. Então, eu decidi entrar no CAEF, com esse objetivo de ter subsídios, de trabalhar com pessoas ligadas à área artística, para desenvolver um projeto de alfabetização na realidade.” (P.Form./Coord. da área de PEDAGOGIA).

Candau (1998) discute essa questão da interdisciplinaridade, porém no âmbito das licenciaturas, isto é, da formação inicial dos professores, destacando que apesar de ser afirmada sua necessidade é constatada a sua ausência. Isso nos dá uma pista para compreender por que o mesmo ocorre na formação continuada, afinal, se nas licenciaturas enfrentamos tal problema porque o mesmo não ocorreria no âmbito da formação continuada, uma vez que estamos falando da mesma instituição: a universidade? A interdisciplinaridade é um termo que admite diferentes conceituações, em seu texto, Candau traz a definição de Barrega (1972, p. 25-26), o qual diz que a interdisciplinaridade supõe a:

[...] interação entre duas ou mais disciplinas diferentes. Esta interação pode ir da simples comunicação das idéias até a integração mútua na organização dos conceitos básicos, da metodologia, procedimentos, epistemologia, terminologia, ‘data’, e organização da pesquisa e do ensino num campo amplo do saber. Um grupo interdisciplinar consiste em pessoas formadas em diferentes campos do conhecimento (disciplinas) com diferentes conceitos, métodos, ‘data’ e termos, organizadas num esforço conjunto, num problema comum, com contínua intercomunicação entre elas.

Entre as inúmeras dificuldades encontradas pelas universidades para o desenvolvimento de atividades de caráter interdisciplinar, Candau cita tendo como referência Gusdorf (apud JAPIASSU, 1976, p.94-95), quatro tipos:

a) o epistemológico: decorrente do enclausuramento auto-suficiente de cada especialista no espaço-limite do seu campo de especialização;

b) o institucional: cada disciplina nova consagra, por via administrativa, sua separação do saber em seu conjunto, dificultando assim a intercomunicação entre os diversos espaços do conhecimento humano, ao mesmo tempo que favorecendo a consolidação da situação adquirida; c) o psicossociológico: como consequência da preocupação pela defesa do

próprio campo de especialização, uma vez que, tanto a compartimentalização do conhecimento em áreas estanques, quanto a hermética divisão dos vários setores administrativos ligados àquela compartimentalização, facilitam a busca de poder e domínio

d) a cultural: a dissociação das disciplinas agravadas pela separação existente, tanto entre as diferentes áreas culturais e suas mentalidades particulares, quanto entre as linguagens e as tradições.

Esses obstáculos atrapalham a consolidação de condições para que a prática da interdisciplinaridade possa realizar-se, como: um tipo de trabalho universitário que estimule a intercomunicação e colaboração entre diferentes departamentos, entre diferentes centros e setores da instituição. (CANDAU, 1998, p.43).

Esses mesmo problemas que dificultam a construção de uma postura interdisciplinar nas licenciaturas aparecem no momento da elaboração das ações de formação continuada, dentro de uma proposta como a da REDE. Há uma dificuldade de comunicação, intercâmbio dentro das instituições, o que complica o estabelecimento de articulações internas e externas. No fim das contas, a REDE está propondo uma nova forma de relação entre as diferentes áreas, porém, desconsiderando que a própria maneira como está organizada a universidade,

dividida em departamentos, não contribui para que isso aconteça. Nesse sentido, mais uma vez, o MEC desconsiderou ou não pensou em questões fundamentais quanto à organização das IES, ao modelo em que essas estão baseadas, que viriam a atrapalhar a prática da proposta na maneira como havia sido pensada. Todavia, isso serve para que tais aspectos sejam repensados, e suas origens investigadas. Ao olharmos mais de perto, vimos que o problema da compartimentalização das áreas não está na proposta do MEC, mas sim na maneira como as próprias instituições universitárias lidam com essa questão.