• Nenhum resultado encontrado

2.3 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO

2.4.4 Formação Continuada e Certificação Docente

Nas falas destacadas no tópico anterior, pode-se perceber que, em alguns momentos, toca-se na questão da certificação docente. Isso se deve ao fato de que, a proposta da REDE, como vimos, nasce relacionada a essa ideia de certificação dos professores, via uma avaliação que deveria ocorrer nacionalmente, a fim de emitir um certificado válido por cinco anos para os professores dos SPE. Sabendo desse aspecto, questionei a coordenadora do projeto quanto a essa questão: afinal o que ficou decidido, o MEC deixou de lado essa questão? Segundo a coordenadora do CAEF, em princípio sim. O MEC teria deixado essa questão em suspenso, o que não significa que essa ideia não esteja mais presente nas suas intenções, e a posição da coordenadora quanto a essa questão não é contrária, diz ela a respeito:

“Bom, esse processo de certificação está ficando esclarecido ao longo do tempo... Existe ainda sistemas públicos que não definiram planos de carreira pro seus professores e não são tão poucos. Ora, não tendo um plano de carreira bem claro, também não está bem claro o que vale e o que não vale de documentação para progredir ou não progredir. Enfim, isso está tudo muito obscuro e uma coisa acaba atrapalhando o desenvolvimento da outra. Agora, se a gente pensa que há alguns anos atrás, os próprios cursos superiores também não estavam suficientemente regrados e a questão de diploma também não era suficientemente clara... Até bem pouco tempo atrás a gente tinha escândalos aí de diplomas vendidos, de diplomas falsificados... Isso, hoje, praticamente já não se ouve falar. Sinceramente, nem tenho escutado nos últimos tempos... Por quê? Porque o MEC está acompanhando isso, o INEP está acompanhando isso, existe o SINAES, existe, enfim, várias iniciativas de avaliação ou de acompanhamento das universidades, de registro desses diplomas. Então, as coisas ficaram sérias com relação ao curso superior. Com relação à pós-graduação, muito sérias também, pois a CAPES acompanha, fiscaliza, controla... enfim, tem várias instâncias oficiais, acompanhando a certificação, a validade real, a seriedade dos diplomas de graduação e pós- graduação. Agora, a formação continuada ainda está muito solta, mas o caminho é esse: que não será qualquer instância que vai dar o certificado válido para a progressão de um professor. Esse é o caminho da certificação. Essa tal certificação! Agora, daí, a surgir folclores como: o professor vai ser demitido se não tiver tantos pontos... Bom, eu não sei se é tanto terror à concorrência é... Isso tudo... Isso tudo é cercado assim, de muita fantasia, de muita pressão, de muita prepotência da parte de alguns, que se acham no direito de serem os certificadores... Mas enfim, tudo isso aí também é humano... né?” (P. Coord. do Projeto e Form. – ARTES).

O processo de certificação é visto como uma possibilidade de garantir qualidade na formação, posto que para isso o MEC utilizar-se-á das IES para a preparação dos docentes. Parece ser este o ponto que a coordenadora olha. Quanto ao fato dessa avaliação fazer parte uma política de regulação, baseada num modelo de avaliação/premiação das competências, de caráter individual e competitivo, punitivo e intimidatório (FREITAS, 2003), esse parece ser visto pela coordenadora, talvez como um exagero de quem levanta essas questões. Mas a realidade é que muitos estudiosos, e entidades educacionais que abordam essa questão são unânimes em destacá-la como algo negativo.

No texto “Formar ou Certificar?”, já citado nesse estudo, elaborado a partir do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, o qual é composto por diferentes entidades do campo educacional, como: ANFOPE, ANDES, ANPAE, UNDIME, ANPED, entre outras, temos uma discussão aprofundada sobre essa questão. O Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, após tomar conhecimento da Portaria n°1.403, de 9 de junho de 2003, do Ministro da Educação, e das ações

desencadeadas pelo Ministério da Educação (MEC), visando à implementação de um Sistema Nacional de Certificação e Formação Continuada de Professores, elaborou esse documento, em que elenca suas preocupações e relação a esse processo e indica o que acredita que deveria ser feito, isto é, que rumos deveriam ser tomados.

Dentre as preocupações destacadas no documento do Fórum, estavam:

• que, se adotado, o Exame de Certificação de Professores se transforma no (único) instrumento de avaliação docente na Educação Básica, ainda mais perverso que o “provão” (Exame Nacional de Cursos), pois este, no mínimo, combinado com outros instrumentos, divulga que avalia os cursos de ensino superior, por meio do desempenho dos alunos concluintes; todavia, no caso do Exame de Certificação de Professores, ele “avaliará o mérito” de cada professor, premiando ou punindo, com uma “bolsa de estímulo”, de acordo com o seu desempenho. Dessa forma, desconsidera, inclusive, dados do Censo Escolar, que aferem algumas condições das escolas, e do Censo do Professor, onde se pode ter um quadro amplo dos docentes do país, entre outros dados que qualificam as escolas e os profissionais da Educação Básica;

• que é um exame fundado numa visão meritocrática e de aferição pontual, tendo como referência apenas os conteúdos didáticos formais das áreas do currículo escolar, sequer levando em conta um amplo processo de avaliação institucional, que poderia apontar para uma real melhoria da qualidade da Educação Básica;

• que, se o resultado de um Exame com essa intenção e essa amplitude revelar-se negativo, que decisões serão tomadas em relação aos professores reprovados? Se já há um diagnóstico da Educação Básica, que retrata o estado de penúria tanto das nossas escolas como dos profissionais que nelas atuam, sem a existência de Exames, qual seria o significado de sua realização? Não seria mais importante partir dessas constatações, já percebidas historicamente, e montar um amplo programa de formação docente, articulado com maior aporte de recursos às universidades públicas existentes? (FÓRUM NACIONAL EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA, 2003, p. 2-3) [grifo do autor]

O Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública entendeu que a instituição do Exame Nacional de Certificação de Professores da Educação Básica era inoportuna,

porque desconsidera que a valorização dos(as) professores(as) pressupõe uma formação inicial de boa qualidade, a garantia de formação continuada, condições de trabalho dignas e adequadas e um plano de carreira e salários condizente com as funções exercidas, como dimensões essenciais do trabalho profissional docente, cuja responsabilidade compete aos sistemas educacionais de Estados e Municípios” (FÓRUM NACIONAL EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA, 2003, p.4).

A posição expressa no documento do Fórum não é contrária a todos os itens previstos na Portaria n°1.403, concorda-se com a proposta da REDE, o que não é visto como positivo é atrelar essa ao processo de certificação docente que não leva

em conta outros fatores fundamentais que influenciam no desempenho dos professores, diz o documento:

Há que se considerar – reiteramos – que uma política global de formação continuada e valorização de profissionais em educação, atuando na Educação Básica, que contemple o Sistema Nacional de Formação Continuada de Trabalhadores(as) em Educação, aqui proposto, depende de três outros fatores, também essenciais para que suas finalidades se efetivem: piso salarial profissional nacional; planos de carreira associados a salários dignos; condições materiais e técnicas para o pleno exercício profissional. A avaliação – insistimos – é um dos elementos constitutivos fundamentais do processo educativo e, como tal, deve necessariamente integrar a política global de formação continuada e, nesta, o Sistema Nacional de Formação Continuada de Trabalhadores(as) em Educação. (FÓRUM NACIONAL EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA, 2003)

Essa discussão teve resultados, como vimos quando falamos das origens da proposta da REDE, pois a Portaria n°1.403 foi revogada, sendo substituída pela Portaria n.º 1179, na qual a questão da certificação é deixada de lado.

Essa preocupação com a certificação docente também é expressa na literatura educacional, como vimos, Freitas (2003) discute tal questão salientando aspectos semelhantes aos apontados no documento do Fórum, o que não poderia ser diferente, uma vez que a autora, na época, era secretária da ANFOPE, uma das entidades participantes do Fórum. Brzezinski (2008, p.1156), também se manifesta contrária a essa política, que a seu ver é:

[...] um instrumento de balanço das competências por meio de teste padronizados aplicados em larga escala sem considerar a cultura da escola, da comunidade e do professor, visando a satisfazer necessidades do Estado regulador, com reflexos negativos tanto para a profissionalidade quanto no profissionalismo como unidade dialética da profissionalização docente

Santos (2004) ao falar do trabalha docente, destaca como aspecto negativo das propostas atuais a cultura do desempenho que perpassa todas elas. Para a autora essa política é assegurada pela criação do Estado Avaliador, em que qualidade é definida em função do dinheiro gasto, incorporando três características operacionais: economia, eficiência e efetividade, estando baseada em indicadores de desempenho estandartizados, que não permitem formas mais flexíveis e diferenciadas de trabalho pedagógico.

Apesar dessas discussões, a equipe do CAEF, nesse caso, representada pela fala da coordenadora do Centro, parece não estar considerando esses aspectos levantados, seu foco está na possibilidade de institucionalização que a formação

pensada nos “moldes” da REDE proporciona, na credibilidade e confiança que um certificado emitido por uma IES tem. Assim, como o MEC, o CAEF, a Universidade em que esse Centro está inserido, parece ter deixado essa discussão adormecida. Mas a tendência é que essa ideia seja retomada mais adiante, qual será a posição das IES? De que maneira isso será feito? Teremos que esperar para ver.

A avaliação do desempenho, dentro dessa proposta de institucionalização da formação continuada, com as IES assumindo papel de formadoras, mais do que servir como instrumento para premiar ou não os professores, deveria ser pensada como uma (dentre outras que poderiam existir) maneira de verificar a qualidade da formação oferecida, a fim de redirecionar as propostas.