• Nenhum resultado encontrado

3.2 MODELOS DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES

3.2.1 A formação continuada por meio de cursos

Vimos que Candau (1998) fala sobre a formação continuada de professores por meio de cursos, inserida essa dentro de uma perspectiva clássica, definida pela autora como aquela que trabalha com a ideia de que os professores são como “tábula rasa”, desvalorizando seu saber experencial, seu percurso formativo, seu momento na carreira, e desconsiderando o seu lugar de atuação: a escola. No entanto, a autora não explora, de maneira mais aprofundada, essa questão da formação continuada por meio de cursos, suas possibilidades, seus limites, e tendo em vista que a proposta de formação analisada nessa dissertação trabalha com esse modelo, é interessante trazer as contribuições de Marcelo (1999) sobre essa forma de pensar a formação continuada de professores.

A formação de professores através de cursos, para Marcelo, está relacionada o modelo de Desenvolvimento profissional através do treino. Tomando por base a classificação quanto às modalidades de curso de formação continuada realizada por Oldroyd e Hall (1991), Marcelo diz que os cursos de formação seriam atividades cujo objetivo é o treino do professor para o domínio de competência já estabelecidas, ensinadas por especialistas, geralmente desenvolvidas em grupos numerosos de professores e geralmente fora da escola.

Marcelo salienta que esse modelo é o de maior tradição e reconhecimento, e que na Espanha, a porcentagem mais elevada de atividades de formação desenvolvidas pelas diferentes instituições dizem respeito aos cursos de formação. Essa mesma realidade acontece no Brasil, como podemos observar ao discutir as ações de formação continuada.

O autor expõe que esse modelo fundamenta-se nos seguintes pressupostos: • Existem condutas e técnicas didáticas que merecem ser postas em prática

pelo professores. São elas, entre outras, as que foram geradas pela investigação didática;

• Os professores podem mudar a sua conduta e aprender a aplicar na sua classe condutas que não conheciam previamente.

• Alguns tipos de conhecimento e competência prestam-se especialmente bem a um processo de treino. Além disso, devido à proporção professor/formador, este modelo apresenta uma boa relação custo/benefício.

Marcelo nos apresenta algumas vantagens e inconvenientes dessa modalidade, baseado no trabalho de Bell (1991). Um das vantagens referidas é o fato de que a partir da participação num curso, um professor pode adquirir maior conhecimento, ou melhorar as suas competências docentes, participando individualmente em atividades de formação selecionados por ele, o que faculta que cada professor elabore o seu percurso formativo. As críticas a essa modalidade de formação referem-se ao seu caráter excessivamente teórico, a pouca flexibilidade no momento de adaptar os conteúdos aos participantes, por não ter aplicações prática na sala, ao fato de se tratarem de atividades individuais, e, portanto, com escassas possibilidades de ter impacto na escola, assim como o fato de ignorararem o conhecimento prático dos professores.

Tais críticas, explica Marcelo, se referiam, geralmente, ao fato de que os cursos de formação proporcionavam, de uma forma quase que exclusiva, a transmissão de informação verbal aos professores, esquecendo-se de incluir outras componentes formativas que lhes pudessem facilitar uma aprendizagem mais relevante. Marcelo conta que foi Bruce Joyce o autor que mais contributos deu em relação ao modo de melhorar a qualidade dos cursos de formação, sob o pressuposto de que é uma modalidade que possibilita aos professores adquirir conhecimentos e capacidades em menos tempo e com mais recursos. Este autor publicou um artigo em 1980, onde afirmava a necessidade dos cursos de formação incluírem, necessariamente, as seguintes componentes:

1. Apresentação da teoria;

2. Modelagem ou demonstração de competências ou modelos; 3. Prática em situações simuladas e de classe;

5. Retroação não-estruturada; e 6. Assessoria durante a aplicação.

Essa ideia pretende facilitar a conjunção entre teoria e prática didática. Por isso a exposição do conhecimento disponível não é mais do que uma fase da estratégia formativa dedutiva. Para Marcelo, na apresentação da informação deve ser favorecida a comunicabilidade didática, ou seja, os processos de transmissão- aquisição devem ser facilitados e otimizados. O autor parte do pressuposto de que a aprendizagem receptiva não precisa ser memorística, e que pode haver uma aprendizagem significativa através de um ensino expositivo, desde que este cumpra uma série de condições, tais como:

1. Clarificar o objetivo;

2. Proporcionar um contexto de ensino;

3. Ligar o material com os conhecimentos prévios dos professores;

4. Organizar o conhecimento a partir de um conceito central que abarque o conteúdo posterior;

5. Estruturar hierarquicamente o conteúdo;

6. Apresentá-lo através de mapas conceptuais ou outras formas de representação;

7. Propor exemplos;

8. Potenciar a organização cognoscitiva dos professores (Princípio de reconciliação integradora);

9. Estimular a elaboração de diferentes tipos de esquemas por parte dos professores;

10. Propor a sua participação ativa em outras tarefas; 11. Suscitar uma abordagem crítica

12. Verificar a compreensão dos professores (MARCELO E ESTEBARANZ, 1992 apud MARCELO, 1999, p. 180).

Marcelo defende que, ao considerar tais questões, poder-se-á provocar uma aprendizagem não só comparada, mas também relevante no que diz respeito à prática. E acrescenta que essa apresentação deve ser apoiada por meios como: textos que facilitem a leitura individual e a reflexão, exemplos ou casos que se apresentam em vídeos, descrições escritas de casos para estudo em grupo, etc. O mesmo propõe Perrenoud (2002), para que a ação seja orientada numa perspectiva reflexiva, esse diz que essa pode ser orientada de forma específica em seminários

de análises das práticas, em grupos de reflexão sobre problemas profissionais, em oficinas de escrita clínica, em estudos de caso ou de histórias de vida, ou ainda, em estudos dos ensinamentos orientados para a metodologia de observação ou da pesquisa.

Um dos aspectos salientados por Marcelo para, talvez, superar a pouca incidência que os cursos de formação têm na prática, é a necessidade de que as atividades presenciais de formação sejam seguidas de atividades de acompanhamento ou assessoria, quer entre colegas, que tenham assistido o curso, quer por especialistas.

Em síntese, para o autor, as atividades de desenvolvimento profissional por meio de cursos com mais probabilidades de serem postas em prática são aquelas que incluem a variedade de atividades: demonstração, prática e acompanhamento. (JOYCE E SHOWERS, 1981 apud MARCELO, 1999, p. 181). Além disso, baseado em Wallace (1990), o autor destaca que os cursos de formação que se podem considerar eficazes caracterizam-se por contar com a opinião dos professores ao se planificar o curso, por se centrar nas necessidades destes, aceitar uma certa flexibilidade que permita mudanças no processo, que inclua a possibilidade de aplicações nas aulas e posteriores sessões do curso, assim como proporcionar assessoria no local de trabalho, após o final do curso. Para Marcelo, tais condições podem fazer com que os cursos de formação, cuja duração é geralmente bastante limitada, contribuam para o aumento do conhecimento e competência profissional.

O que se percebe com todas essas questões abordadas por Marcelo (1999), com relação ao desenvolvimento profissional por meio de cursos de formação, é que essa modalidade não necessariamente precisa ser associada ao uma abordagem transmissiva, ou aos enfoques prático-artesanal, ou técnico-academicista, antes comentados, isto é, orientações que trabalham com a uma ideia do papel do professor como mero executor de tarefas, com a ideia do processo de formação como o simples aprendizado de técnicas para a sua aplicação em sala de aula, entendendo que a prática profissional consiste na solução instrumental de problemas mediante a aplicação de um conhecimento teórico e técnico, previamente disponível, que procede da pesquisa científica.

Segundo Marcelo (1999), uma análise menos superficial pode nos levar a desvelar certos rótulos tanto no sentido positivo como negativo, diz o autor:

Do mesmo modo pode entender-se que um curso de aperfeiçoamento assume uma perspectiva técnica ou transmissiva se se centrar em conhecimentos trazidos exclusivamente pelos denominados ponentes26, mas também pode responder a uma orientação prática se partir das preocupações e ideias dos próprios professores. Do mesmo modo, a reflexão sobre a ação pode ter conotações técnicas quando se compara a conduta observada com instrumentos estandartizados, ou com padrões fixos de qualidade de ensino.

O que o autor salienta é que “as diferentes atividades de desenvolvimento profissional não garantem em absoluto um determinado interesse conceitual” (p.191). Ou seja, qualquer modelo de desenvolvimento profisisonal pode responder a interesses técnicos, práticos ou críticos. Para clarificar esse ponto de vista, Marcelo apresenta um quadro com diferentes possibilidades para cada modelo de desenvolvimento profissional em função do tipo de interesse que podem ter. Ao que diz respeito ao modelo “cursos de formação”, o autor expõe da seguinte maneira: numa orientação tecnológica, acadêmica, os cursos seriam centrados na aquisição de competências, retiradas da investigação: instrução direta; numa orientação prática, interpretativa, cultural (a qual estaria mais de acordo com aquele enfoque reflexivo que não ultrapassa as questões da sala de aula), os cursos seriam centrados em temas didáticos, que inclui estratégias de auto-análise e reflexão da prática: biografia, diários, casos; os conteúdos apresentados incluem conhecimentos procedimentais; e numa orientação social reconstrucionista, crítica: os cursos seriam centrados em conteúdos sobre diversidade, educação multicultural, co-educação, o que inclui estratégias de auto-análise: biografia, diários, casos; são cursos introdutórios que podem ser seguidos de seminários de aprofundamento.

Essa análise mais acurada das propostas de formação continuada por meio de cursos feita por Marcelo, nos ajuda a pensar o que seria interessante de ser observado ao planejar atividades dentro desse modelo, na perspectiva de contribuir para o desenvolvimento profissional do professor, para a construção de uma postura reflexiva e autônoma, a qual possibilite que esse pense sobre a sua prática e contexto no qual essa está inserido, a fim de intervir de forma consciente nessa realidade.

Veremos, agora, as concepções e as práticas dos professores do Centro de formação que serviu como campo de estudo caso para essa dissertação, o qual

26

Em nota, no livro, explica-se que ponentes refere-se aos conferencistas dos cursos de formação, os que expõem as matérias formativas.

desenvolve suas ações dentro de um modelo de cursos, integrando um programa de iniciativa do governo federal. Trata-se, pois, de uma proposta que, para Candau (1998), insere-se na perspectiva clássica de formação continuada, em que aspectos como: a escolas como locus da formação, o saberes docentes e o ciclo vital dos professores não são considerados. Mas como podemos observar, na discussão realizada até agora, a respeito da formação por meio de cursos, seria uma colocação superficial, dizer que só porque a formação é organizada dessa forma, essa não considera tais aspectos, ou alguns deles, pelo menos. Assim, como seria leviano dizer que uma formação dentro desse modelo não tenha valor algum, isto é, que não seja capaz de contribuir para mudanças na prática pedagógica, para a melhoria dessas, no entanto, isso dependerá de alguns fatores, entre eles: da orientação, do planejamento dessas ações, das estratégias e do acompanhamento desse trabalho. Contudo, conforme salienta Marcelo (1999), é preciso entender os cursos de formação como um ponto de partida, o início de um processo de especialização que se continua com outra modalidade de formação.