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Articulação entre os resultados da pesquisa

CAPÍTULO 3 - DO DISCURSO DA MÍDIA SOBRE A OPINIÃO PÚBLICA ÀS

3.2 A opinião pública sobre o Governo Lula

3.2.1 Análise das matérias informativas: articulações entre os tópicos das pesquisas

3.2.1.3 Demais tópicos de avaliação do desempenho do governo

3.2.1.3.1 Articulação entre os resultados da pesquisa

Aspesquisasdeopiniãoque avaliamo desempenho doGoverno,comopodemosobservar nas matérias analisadas, apresentam diversos tópicos de avaliação e medem a percepção da populaçãosobreaspectoseáreasdeatuaçãodistintosdogoverno.Noâmbitodaanálisetécnicadas pesquisas, aspossibilidadesde estabelecerrelaçõesentreessasvariáveisdependedashipótesesde pesquisa, das metodologias utilizadas na sua realização e da construçãodesérieshistóricas,entre outras.

Mas, não será esse o nosso enfoque, na análise do material empírico. O que pretendemos compreender é de que forma o discurso jornalístico sobre os resultados das pesquisas estabelece relações entre determinados aspectos das pesquisas e a avaliação geral do governo.

Em O Globo, a área de atuação do governo mais relacionada à avaliação geral, nas matérias analisadas, é a econômica. No veículo, índices relativos à condução da política econômica, desemprego e inflação dividem os espaços de maior destaque das matérias com a avaliação geral do governo, como podemos observar nos exemplos a seguir:

? O Globo, 03 de abril: manchete “Ibope: governo Lula tem 75% de aprovação”; subtítulo: “Pessimismo da população com a volta da inflação e o desemprego, porém, é grande, segundo pesquisa”;

? O Globo, 04 de junho: manchete “Popularidade de Lula continua alta”, subtítulo: “Sensus: apoio à política econômica, porém, caiu de 60,9% para 57,6%”.

A associação entre os índices relativos à avaliação geral e ao desempenho na área econômica aparecem, principalmente, sob a forma de contraposição, como demonstrado acima. Nesses casos, há uma sugestão de que existe uma relação entre os índices; no entanto, a natureza desta relação não é explicitada pelo veículo. Fica a cargo do leitor completar o sentido. Mas, por vezes, a articulação deixa de ser apenas sugestiva, para aparecer sob a forma de explicação, como neste trecho: “Por trás da queda na avaliação positiva do governo pode estar a sensação de que a inflação voltou33

.

Este tipo de articulação, em que um índice, entre diversos outros, é escolhido para ser associado à aprovação do governo, revela que, no discurso do jornal O Globo, a percepção da população sobre o desempenho do Governo na área econômica aparece como o principal fator que incide sobre a popularidade do governo.

Essaconclusãopodeserreforçada,ainda,pelaconstatação,apontadaanteriormente,dequea avaliaçãodedesempenhodeoutrasáreasdeatuaçãodogoverno,comosaúde,educação,transporte, etc.têmmuitopoucoounenhumdestaque,nasmatériasqueapresentamaspesquisasdeopinião.

É importante ressaltar que a condução da política econômica pelo Governo Lula foi tema de debates e polêmicas, antes mesmo das eleições presidenciais de 2002. Embora o então candidato

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estivesse comprometido, como foi amplamente divulgado na campanha eleitoral e na Carta ao Povo Brasileiro, com o controle da inflação, com o cumprimento dos compromissos financeiros do país e com a responsabilidade fiscal, a eleição de Lula gerou apreensão e expectativas em relação aos rumos da economia. Ao longo de 2003 e nas discussões posteriores sobre o primeiro ano de governo, a ênfase na discussão do tema não diminuiu e teve destaque na mídia (como se pode observar no material empírico), no campo acadêmico34 e no discurso oficial do governo35. Nesses discursos, foram abordadas questões como: o controle da inflação e a estabilidade econômica; a necessidade de diminuição das taxas de juros para a promoção do crescimento econômico e, conseqüentemente, a ampliação do emprego; críticas que acusaram um ‘continuísmo’ em relação à política econômica do governo FHC; a necessidade de melhorar e racionalizar os gastos com a máquina governamental, entre muitas outras.

Assim, é possível encontrar, no contexto da publicação das matérias, uma valorização da discussão sobre a política econômica do Governo Lula. Acreditamos que a proliferação desses discursos pode ser considerada como um indício de que, em diversos campos (governamental, midiático, acadêmico), a economia foi tomada como prioridade nas discussões sobre o governo, mas que isso não é o suficiente para fazer crer que a sociedade civil - o conjunto dos cidadãos - tenha eleito este mesmo aspecto como a variável principal para avaliação deste governo.

Dessa forma, entendemos que a escolha da variável econômica para explicar a avaliação do governo tenha sua origem em um entendimento do próprio veículo sobre o desempenho do governo e não em questões priorizadas pela sociedade civil.

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Vide a publicação de livros como “Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de preços” (2003) e “A política econômica da mudança” (2004), que reúnem diversos artigos de especialistas da área econômica e política, dis cutindo variados aspectos da política econômica do governo Lula.

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Publicações de prestação de contas do primeiro ano do governo, como a Revista Brasil e o discurso enviado ao Congresso Nacional, apresentam, em primeiro lugar e com grande destaque, a política econômica do governo.

Embora o desempenho na área econômica, principalmente no que tange ao controle da inflação e à diminuição do desemprego, tenha recebido destaque também na cobertura da Folha de S. Paulo, este aspecto não é o único relacionado à avaliação do governo, na cobertura deste veículo. Ao contrário do que encontramos nas matérias de O Globo, não há, na Folha, a associação da avaliação geral do governo a um único aspecto.

Dessa forma, encontramos, além da questão econômica, três outros aspectos que são articuladas à avaliação geral do governo: 1) a realização das promessas de campanha e da expectativa da população, 2) os índices de aprovação do governo Fernando Henrique Cardoso e 3) a avaliação pessoal do presidente Lula.

Em relação à questão da realização das promessas de campanha e da expectativa da população, o veículo procura articular os índices de aprovação do governo a duas outras percepções da população: se o governo está cumprindo suas promessas e o que as pessoas esperam do restante do mandato (um governo ótimo, bom, razoável, ruim ou péssimo).

Na matéria de 09 de abril, essa questão ganha grande destaque. Na chamada de capa para a matéria, o veículo anuncia que “apesar dessa aprovação [43%], 45% afirmam que o presidente fez menos do que o esperado até o momento36.

A discussão sobre se o presidente fez mais ou menos do que o esperado e se está ou não cumprindo suas promessas foi também tema de uma das quatro matérias, desta mesma edição, que trazem a cobertura da pesquisa Datafolha, como podemos observar neste trecho:

Mas 45% dos entrevistados afirmam que, em três meses, Lula fez menos do que o esperado. Para 34%, o presidente cumpriu suas expectativas e para 12% fez mais do que era esperado. Somando-se essas duas ultimas opções, a pesquisa mostra que o país está dividido entre os que acham que o presidente não está cumprindo suas

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promessas (45%) e aqueles que acreditam que as está realizando (46%).37

Em dezembro, há outra matéria que explora demoradamente a comparação entre a avaliação geral do governo e a expectativa em relação ao restante do mandato. Na chamada de capa, compara-se a estabilidade da aprovação do governo ao longo do ano e a queda na expectativa para o restante do mandato. O veículo publicou, também, dois quadros evolutivos, um apresentando a avaliação do governo em março, junho, agosto, outubro e dezembro e outro mostrando a expectativa em relação ao restante do mandato, nos mesmos períodos.

A exploração desses dois tópicos das pesquisas de opinião coloca uma questão interessante sobre a avaliação do governo: a relação entre a satisfação com o governo de forma geral e a cobrança da população em relação aos compromissos de campanha e à realização das suas expectativas.

Em matéria publicada em janeiro sobre pesquisa Sensus, o diretor do instituto Ricardo Guedes comenta que a pesquisa revela que a população está disposta a aguardar mais por resultados: “O tempo médio esperado para que o governo Lula mude a vida dos entrevistados é de um ano e dez meses, maior que o prazo tradicional de um ano para esse tipo de pergunta.”38 A colocação do especialista aponta que a população, na avaliação que faz do governo, leva em consideração um determinado tempo para que este cumpra seus compromissos ou para que seu trabalho se reflita em mudanças sensíveis e, ainda, que este tempo não é igual para qualquer governo.

Mas, como veremos posteriormente, o veículo parece não concordar com essa disposição da população em aguardar mais tempo pelos resultados do trabalho do governo e questiona as

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Folha de S. Paulo, 09 abr. 2003. Matéria: “Lula tem aprovação inicial recorde”.

38

Folha de S. Paulo, 29 jan. 2003. Matéria: “78,4% esperam de Lula um governo bom ou ótimo, indica CNT/Sensus”.

razões da ‘paciência’ da população.

A comparação com os índices de aprovação do governo Fernando Henrique Cardoso é uma constante nas matérias da Folha de S. Paulo. Essas comparações, ao apresentarem os motivos da avaliação positiva de FHC e questionarem os motivos da avaliação positiva de Lula, deixam uma dúvida para o leitor: em que consiste essa boa avaliação. Entre as respostas apontadas pelo veículo, destacam-se as ações de marketing do governo e o carisma pessoal do presidente Lula, aspectos que são explorados mais explicitamente nos editoriais.

As articulações entre os índices de aprovação pessoal do presidente Lula e os de aprovação do governo apontam também para as questões da força da imagem do presidente e para a ação do marketing, como podemos observar na matéria do dia 16 de julho, onde se argumenta que “a força do governo está na figura do presidente39; ou na matéria do dia 02 de novembro, quando a avaliação de Lula é 18 pontos superior à avaliação geral do governo: “Por ser a pessoa com maior visibilidade de um governo, o presidente tem a sua imagem sempre mais polida pelas ações do marketing40.

De forma geral, percebemos que os veículos fazem interpretações próprias das pesquisas, escolhem, entre diversos indicadores sobre o desempenho do governo, quais são aqueles que devem ser articulados aos índices de avaliação geral. Essas escolhas estão relacionadas com o discurso do jornal sobre o governo, como veremos a seguir.

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Folha de S. Paulo, 16 jul. 2003. Matéria: “Cai avaliação positiva do governo”.

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