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Discursos contemporâneos acerca da opinião pública

CAPÍTULO 1 - DO CONCEITO DE OPINIÃO PÚBLICA ÀS PESQUISAS DE

1.1 Configurações históricas do conceito de ‘opinião pública’

1.1.4 Discursos contemporâneos acerca da opinião pública

Talvez a dificuldade em apreender o fenômeno, a multiplicidade de conceitos e idéias acerca do que é opinião pública e outros fatores relacionados aos interesses dos atores políticos faça com que ela apareça sob formas diferenciadas nos discursos a seu respeito que tomam lugar nos mais diferentes campos da vida social. Mas, seja no campo político, social ou midiático, há um aspecto que tangencia os usos do conceito ou da expressão opinião pública: a legitimação.

Wilson Gomes (2000), ao analisar a opinião pública política atual, faz uma investigação sobre os usos correntes da expressão ‘opinião pública’ nos meios políticos9, para identificar configurações distintas de sentido e do alcance do termo e do fenômeno a que ele se refere. Para o autor, embora haja, no horizonte de significação do termo, elementos comuns ao plano conceitual da filosofia política (racionalismo e legitimação da democracia), podemos observar que os fenômenos a que se refere são, de várias formas, distintos do fenômeno empírico de uma esfera pública e de uma opinião pública racionalmente formada.

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O autor buscou o uso da expressão em jornais, em frases como “O receio de uma reação negativa da opinião

pública é o principal motivo para o presidente ainda não se ter decidido pela expulsão dos sete estrangeiros e pelo indulto para o brasileiro ainda presos no Brasil. Além da reação pública, FHC teme, com eles, criar precedente para cerca de mil estrangeiros presos por crimes comuns no Brasil”, o autor identifica um deslocamento do uso da expressão.

Ao identificar, em jornais, alguns usos da expressão, o autor aponta que a opinião pública (como foi citada) não se refere mais à opinião ou à matéria opinativa, o que é colocado em questão nos tais usos é a instância opinativa, ou seja o público, uma grandeza demográfica apreendida, em geral por pesquisas, no seu ato de opinar. Não se trata mais do conteúdo da opinião enquanto aquilo que informa ou orienta uma tomada de decisão, enquanto resultado de uma reflexão ou debate acerca de determinado tema, mas, sim, do número de pessoas ou cidadãos que se ‘encaixam’ em determinada opinião ou ponto de vista.

A análise revela ainda outra camada de configuração de sentido que se refere à opinião. Para Gomes (2000), nos usos mais recentes do termo opinião pública não se exige sequer que esse público, essa instância portadora da opinião, tenha de fato uma opinião sobre os temas abordados. Trata-se apenas dos concernidos, daqueles que podem ser afetados pela problemática abordada, não importando se eles se apresentam como participantes de um debate ou disputa portando uma opinião própria. O que é solicitado deles é apenas uma manifestação, ainda que seja apenas “não tenho opinião sobre isso”. Uma disposição.

Assim, a rigor, precisamos reformular a definição: a ‘opinião pública’, nessa acepção, não é simplesmente o sujeito coletivo de opiniões, mas o sujeito coletivo capaz de manifestar decisões. (GOMES, 2000, p. 06).

Outra possibilidade de sentido apontada pelo autor diz respeito à “publicidade” da opinião. No sentido clássico da expressão opinião pública, a publicidade diz respeito a duas características específicas. Primeiro, seu modo de existir socialmente: uma opinião pública deve estar exposta e acessível a um grande número de cidadãos. Segundo, sua origem: a opinião pública é sempre proveniente de uma esfera pública de debates, resultado de uma troca argumentativa.

De acordo com o autor, hoje, assistimos ao fenômeno da “opinião publicada”. Uma opinião que ganha espaço nas esferas de visibilidade e, por isso, se torna pública. Os critérios de

publicidade, neste caso, seriam os critérios da visibilidade midiática. É preciso que a opinião ou, ainda mais importante, o sujeito dessa opinião se encaixe nos parâmetros que permitem o acesso à visibilidade, que não são necessariamente os da competência específica no assunto.

O estudo de Gomes (2000), se comparado à perspectiva da filosofia política, revela que, nos discursos acerca da opinião pública, há um esvaziamento de conceitos como ‘opinião’, ‘público’ e ‘publicidade’. A dimensão mais valorizada da opinião pública é relativa a uma grandeza demográfica e não à qualidade da opinião, ao aperfeiçoamento que o debate racional traria às questões em pauta.

Outra referência aos discursos sobre a opinião pública pode ser encontrada em Entman e Herbst (2001). Os autores apresentam uma classificação de “tipos” de opinião pública que devem ser levados em conta em estudos da área, atualmente. Essa tipologia não se refere a discussões acadêmicas ou especializadas sobre o conceito, a preocupação dos atores é com os discursos políticos públicos que falam sobre a opinião pública, e buscam compreender os referentes, ou seja, do que estão falando esses discursos sobre a opinião pública.

A primeira tipologia apresentada pelos autores é a Mass Opinion. Este tipo de opinião pública se refere à agregação das opiniões individuais, como são tabuladas pelas pesquisas, referendos e eleições diretas. É o resultado da soma das opiniões dos cidadãos, não importando quão bem informados eles estejam sobre as questões ou quão convictas sejam as opiniões manifestas. Para os autores, a opinião de massa seria útil quando a discussão é sobre questões de fácil compreensão ou quando as informações e detalhes estão ao alcance de todos. Mas, em questões mais complexas e que exigem uma reflexão mais apurada, este tipo de opinião pública poderia ser problemático, já que, na visão dos autores, o público em geral não teria elementos (ou interesse) para avaliá-las e construir uma opinião. Para os autores, seria nestes casos que a mídia,

através de enquadramentos e versões das questões e da repetição de argumentos, poderia exercer maior influência sobre a opinião de massa, uma vez que esta seria instável e superficial.

O referente apresentado pelos autores pode encaixar-se num quadro conceitual que toma a opinião pública a partir de um entendimento individualista da formação da opinião. De toda forma, seria recomendável uma certa cautela ao assumir que a mídia poderia ter mais influência sobre este tipo de opinião pública, pois, embora neste tipo de aferição as opiniões individuais sejam agregadas sem maiores critérios sobre o nível de interesse ou informação que os entrevistados ou os eleitores tenham sobre o assunto em questão, é sempre bom levar em consideração que as mensagens da mídia não causam efeitos lineares sobre o público, que sempre terá possibilidades de interpretar, questionar ou editar essas mensagens com base em outras informações, em experiências pessoais de vida, ou em problematizações com outras pessoas, e assim por diante (HABERMAS, 1999).

O segundo tipo de significado apresentado pelos autores para a noção de opinião pública é a Activated public opinion. A opinião pública ativada se refere à opinião de cidadãos engajados, informados e organizados, não só durante as eleições. Eles são identificados pelas ciências políticas como membros de partidos, ativistas comunitários locais, porta-vozes de grupos de interesses, formadores de opinião, entre outros. A opinião dessas pessoas sofreria menor influência da mídia, já que elas estão envolvidas com as questões, têm outras fontes de informação e testam seus pontos de vista. Para os autores, estas pessoas seriam, atualmente, pouco numerosas.

Neste ponto, vale ponderar que, embora, as pessoas tenham níveis de interesse diferenciados pelas questões políticas em geral, seria temerário supor que elas mantenham sempre o mesmo nível de interesse sobre quaisquer questões públicas. Podemos facilmente imaginar que, se determinado assunto afeta a vida de um cidadão, provavelmente ele irá se informar e se interessará por esse tema, ainda que este cidadão não se interesse por todos os assuntos da política.

Latent Public Opinion é o terceiro tipo de opinião pública apresentado. A opinião pública latente se refere às preferências mais profundas do público, as quais estariam abaixo da superfície de opiniões instáveis e caóticas, é o que as pessoas realmente sentem. Para os autores, é também onde a opinião pública ‘chegaria’ depois de um debate político.

No nosso entender, há uma aparente impropriedade na classificação dos autores, já que a opinião pública latente estaria mais próxima de crenças culturalmente cultivadas, de sentimentos ainda não racionalizados, e o resultado de um debate público político formaria opiniões que se afastam dessas crenças por passarem por um processo crítico racional.

Acreditamos que este tipo de opinião pública de que tratam os autores se aproxime da concepção de opinião pública como tendo uma função latente de controle social, de Noelle-Naumann (1995). Para a autora, este tipo de concepção se diferencia da concepção racionalista da opinião pública e se preocupa com um tipo de poder social, de pressão que a opinião pública (não racionalmente formada) exerce sobre os governos e cidadãos. Essa opinião pública se refere a um alto grau de consenso dentro da sociedade, acerca de valores e questões da comunidade, não necessariamente problematizados, mas com tal força que afetaria a todos, em todas as questões, não só governamentais. A autora desenvolveu a esse respeito a teoria da ‘espiral do silêncio’, segundo a qual, a sociedade pune com o isolamento aqueles que se desviam do consenso e, por sua vez, os indivíduos experimentariam um receio desse isolamento, tornando-se, assim, a opinião pública uma forma de poder e de pressão.

Para Entman e Herbst (2001), este tipo de opinião pública teria ainda, um papel importante nos cálculos dos políticos e poderia ser apropriada como uma vantagem estratégica em disputas e práticas políticas.

seriam percepções sustentadas por grande parte dos observadores, dos jornalistas, dos políticos e dos próprios membros do público sobre qual é a posição da maioria das pessoas em uma questão; percepções estas nem sempre apoiadas por pesquisas. Segundo os autores, esta é uma ficção conveniente para caracterizar um entendimento de qual é a preferência da maioria, que é construída a despeito de todas as dificuldades que se possa ter para aferi-las. Ao ajudar a formatar essas ‘maiorias’, uma espécie de reificação da opinião pública, a mídia acaba por influenciar os governantes e, até mesmo, as outras formas de opinião pública (opinião de massa, opinião pública ativada e opinião pública latente).

A tipologia apresentada pelos autores, embora não esgote todas as formas nas quais se manifesta a opinião pública ou como ela é evocada nos discursos públicos sobre política, nos ajudará a refinar a compreensão das funções que a opinião pública exerce na esfera de visibilidade midiática.