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Da representação e dos processos de accountability na democracia

CAPÍTULO 1 - DO CONCEITO DE OPINIÃO PÚBLICA ÀS PESQUISAS DE

1.2 A perspectiva deliberacionista

1.2.1 Da representação e dos processos de accountability na democracia

A democracia é o regime político baseado na soberania popular, no voto livre, na divisão dos poderes e no controle da autoridade. Na perspectiva deliberacionista, a vivacidade e a capacidade de representação do sistema democrático dependem da qualidade e da permeabilidade das relações das suas instituições com o mundo da vida, ou seja, da capacidade de (e dos

mecanismos existentes para) absorver questões, demandas e interesses distintos daqueles que se encontram fora das fronteiras das estruturas formais de poder.

Para teóricos da democracia como Manin, Przeworski e Stokes (1999), o problema da legitimidade nos governos democrático-representativos não foi resolvido na sua implementação e continua sem uma solução ou arranjo institucional definitivo.

O exercício legítimo do poder em nome da soberania popular, nas sociedades complexas, através dos mandatos representativos dos governantes, vai se deparar com questões como o significado da representação, a formação e a validade de uma vontade geral ou da opinião pública, as condições e os processos de deliberação e de accountability e os arranjos institucionais que poderiam garantir a participação de uma sociedade plural nos governos.

De forma geral, nas democracias representativas, os cidadãos, ou aqueles que preenchem as condições necessárias para se tornarem eleitores, escolhem os seus representantes através do voto, em eleições periódicas. Os vencedores dos processos eleitorais se tornam, então, titulares de mandatos representativos. Assim, uma primeira questão que se pode colocar é a quem os mandatários representam: ao conjunto dos cidadãos coletivamente ou àqueles que o elegeram? De fato, os eleitores podem escolher candidatos com os quais se identifiquem ou que defendam políticas que atendam aos seus interesses individuais. Mas, na maioria dos sistemas eleitorais, as eleições não são exclusivamente distritais (quando o representante é eleito pelos eleitores de uma região demarcada), nem a representação é exclusivamente descritiva (quando o representante é eleito por um grupo específico). Assim, os mandatários representam o coletivo dos cidadãos de um país ou de um estado, como é o caso dos deputados federais e estaduais no Brasil. Os mandatos, também, não estão vinculados diretamente ao que pensam os eleitores sobre cada questão votada, eles são autônomos em relação aos eleitores e, até mesmo, às propostas apresentadas na campanha.

A representação ganha, então, uma dimensão que pode ser definida de maneira ampla como “agir no melhor interesse do público” (PITKIN, 1967 apud MANIN; PRZEWORSKI; STOKES, 1999, p. 2). O problema com essa assertiva é que ela comporta diversas interpretações sobre o que é o interesse público, quem poderia defini-lo, como ele é construído e, ainda, indagações sobre como forçar os representantes eleitos a agirem de acordo com o interesse público.

Os autores deliberacionistas defendem a prática da discussão pública como um caminho viável para diminuir a distância entre a tomada de decisão nas esferas formais de governo (parlamentos e assembléias) e a sua fundamentação em práticas comunicativas pelos representados. Dessa forma, a participação do público na política não se restringe a escolhas em termos de sim ou não sobre propostas ou candidatos pré-definidos pela esfera política. A participação em fóruns e debates variados surgidos no mundo da vida em torno de temas e problemas específicos ou organizados por atores coletivos - movimentos sociais, associações voluntárias, redes civis, etc. - se ampliaria também até a formulação de problemas, a apresentação de propostas, a escolha e a avaliação daquilo que seria o bem comum.

Mas essa mediação não se dá apenas na direção de informar os representantes eleitos sobre as demandas e as preferências dos cidadãos, mas, também, nos processos de sanção da

accountability política.

A accountability pode ser entendida como o dever dos governantes de prestar contas e justificar seus atos perante os cidadãos. No momento das eleições, os eleitores procedem a uma avaliação retrospectiva dos efeitos das políticas adotadas por um governo e decidem se vão puni-lo ou recompensá-lo pela sua performance.

Para Arato (2002), quando a relação entre os representantes e os representados é intermediada por uma esfera pública dinâmica e por uma sociedade civil organizada em grupos e

associações ativos, as conseqüências podem ser de duas ordens: num sentido, os cidadãos estarão mais bem informados e preparados para avaliar a performance dos governos; no outro sentido, o debate e a crítica informam os governantes sobre a avaliação que os cidadãos têm feito de seus programas e ações, preparando-os para as avaliações futuras e as sanções.

Este tipo de arranjo legal, assim como aqueles em que o governo cede parte do seu poder decisório para fóruns deliberativos são reivindicados por autores como Arato (2002) e Avritzer (2000), como caminhos para articular institucionalmente os governos e os espaços de deliberação pública, sem que estes últimos percam a flexibilidade requerida pelos processos argumentativos.

Nas sociedades plurais, a noção do que é político se amplia também para assuntos relativos à vida dos cidadãos. O seu conhecimento prático pode ter valor crítico e possibilitar ganhos racionais ao debate. Avritzer (2000), ao discutir algumas experiências de arranjos deliberativos institucionais, chama atenção para o fato de que a troca de experiências e de informações, não somente no sentido governo-cidadão, mas, principalmente, aquelas detidas pelos cidadãos sobre a sua realidade e as suas demandas é fundamental para que a deliberação contemple plenamente os problemas políticos envolvidos. O pressuposto dessas experiências é de que, numa sociedade plural e diversa como a nossa, não é possível anular as diferenças dentro do processo deliberativo. Ao contrário, é necessário estimular formas de socializar a informação e novas formas de experiência que permitam a acomodação da diferença em novos arranjos administrativos.

De forma geral, a perspectiva deliberacionista traz implicações importantes para a noção de opinião pública. Em primeiro lugar, a idéia da conversação, da troca argumentativa entre os atores críticos da sociedade civil se torna a base da formação da opinião pública. A vontade política, aquilo que é considerado o interesse comum, nesse sentido, é formado coletivamente através do debate público; não pode ser visto como a soma das opiniões individuais.

Em segundo lugar, a esfera do raciocínio público dos cidadãos tem papel importante na relação entre a esfera política formal e a sociedade civil. Por um lado, a existência desses fóruns informa os processos de tomada de decisão das instituições, com base em informações, perspectivas e interesses mais amplos. Por outro lado, os atores e públicos críticos podem fazer proliferar as informações provenientes da esfera política formal e contribuir para um processo de

accountability mais crítico.