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Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

Raquel Mansur de Godoy

FUNÇÕES POLÍTICAS DA OPINIÃO PÚBLICA PUBLICADA:

uma análise dos discursos da mídia sobre as pesquisas de avaliação do governo Lula, em 2003

Belo Horizonte

2006

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FUNÇÕES POLÍTICAS DA OPINIÃO PÚBLICA PUBLICADA:

uma análise dos discursos da mídia sobre as pesquisas de avaliação do governo Lula, em 2003

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Comunicação Social da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Comunicação Social.

Área de Concentração: Comunicação e Sociabilidade Contemporânea.

Linha de Pesquisa: Processos Comunicativos e Práticas Sociais.

Orientadora: Profª. Drª. Rousiley Celi Moreira Maia

Belo Horizonte

2006

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Dedicatória A meus pais, Rogério e Lourdinha, pelo grande amor e

pelas pequenas delicadezas.

A Benoit, pela história de amor que vai ficar

presente nas memórias deste tempo.

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A minha orientadora, Rousiley, por me ensinar, a duras penas, a importância de dialogar com o conhecimento já existente, pela delicadeza e dedicação e, principalmente, pela sua sabedoria e exigência, que me garantiram a liberdade para seguir meus próprios passos.

A meus pais, pelo amor imenso e pela confiança que me dão força para realizar os meus sonhos. Pelo incentivo e carinho em tudo que eu faço, pelas conversas intermináveis sobre opinião pública, política e comunicação, pelas delicadezas que tornam a vida mais doce. A meu querido irmão, Tiago, pelo carinho e pela presença.

Aos meus colegas do mestrado, companheiros de batalha, e muito especialmente ao Ricardo, por compartilhar os momentos de descoberta e de pânico, pela amizade e pela ajuda fundamental para a realização desse trabalho.

A meus amigos amados, Bel, Rô, Tatá, Cátia, Lu, Léo e Liana, vocês são a graça da minha vida. À Cláudia, companheirinha nova e querida, pelo carinho, pelo suporte técnico, pelos agrados e, principalmente, pela paciência infindável.

À Luísa, pelo companheirismo, à Patrícia pelo suporte e pela compreensão, ao Ramiro, pelo apoio à iniciativa, à Daniela pelas conversas e livros que deram início a esse projeto e aos colegas da Gerência de Relações Públicas da ALMG pelo apoio.

À Cristina, que, muito mais do que o Habermas, me ensinou a potência das palavras.

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“viver é super-difícil o mais fundo está sempre na superfície”

Paulo Leminski

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“O senhor... Mire e veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso me alegra, montão.”

João Guimarães Rosa

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RESUMO

Esta dissertação se volta para a investigação dos discursos sobre a opinião pública, que ganharam visibilidade na mídia, construídos a partir dos resultados das pesquisas que avaliaram a popularidade do governo Lula, em seu primeiro ano de mandato. A nossa hipótese é que ao articular discursos sobre o governo e sobre as sondagens, a mídia atribuí funções políticas à opinião pública. Essas funções são entendidas como ações específicas, que designam o papel da sociedade civil, suas incumbências ou o poder de influência na vida política do país, relacionados à legitimação do exercício do poder. Neste trabalho, partimos de um entendimento da mídia como um subsistema social, cujas tensões internas e externas fazem parte da constituição da esfera de visibilidade midiática. A análise foi estruturada em três eixos: 1) elucidadação do que se refere a expressão

‘opinião pública’ presente no discurso da mídia sobre as pesquisas de opinião; 2) análise da apresentação do governo Lula e de sua avaliação pela opinião pública, levando em conta o posicionamento dos veículos investigados, Folha de S. Paulo e O Globo; 3) identificação das funções atribuídas à opinião pública, nas diversas situações em que o discurso da mídia articula as pesquisas de opinião às questões políticas.

Palavras-chave: opinião pública; pesquisa de opinião; governo Lula; jornalismo.

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ABSTRACT

The aim of this dissertation is to investigate the media discourses about ‘public opinion’ based upon Lula´s government valuation polling. The hypothesis is that when media put together discourses about the government and about the surveys, it confers some political functions to public opinion. We understand this functions as specific actions that designate the civil society role in political life, and they are related to power exercise legitimate by citizens. In this work, we conceive media as a social system whose interne and external tensions are involved in the so called ‘space of media visibility’

conformation. The research is structured in three main instances: 1) elucidation of the ‘public opinion’

referent present on the media discourses about polls; 2) analyzes of Lula´s government and its valuation by public opinion presentation, taking in account the positions of the two investigated vehicles, Folha de S. Paulo and O Globo; 3) identification of the functions attributed to public opinion, in the distinct situations in witch polls are related to political questions.

Key-words: public opinion; opinion polls; Lula´s government; journalism.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 11

CAPÍTULO 1 - DO CONCEITO DE OPINIÃO PÚBLICA ÀS PESQUISAS DE OPINIÃO ... 15

1.1 Configurações históricas do conceito de ‘opinião pública’... 15

1.1.1 Século XVII e XVIII: o surgimento da classe burguesa e a valorização da opinião pública como forma racional de interferir nos negócios do estado... 16

1.1.2 Século XIX: a ameaça às condições de existência da esfera pública burguesa pelo crescimento do público e o declínio do ideal racionalista de opinião pública... 21

1.1.3 Século XX: a valorização das pesquisas de opinião e as discussões contemporâneas do conceito ... 27

1.1.4 Discursos contemporâneos acerca da opinião pública... 29

1.2 A perspectiva deliberacionista... 34

1.2.1 Da representação e dos processos de accountability na democracia ... 39

1.3 Pesquisas de opinião e opinião pública... 43

1.3.1 Crítica das pesquisas de opinião a partir da perspectiva deliberacionista... 49

CAPÍTULO 2 - DO SISTEMA MIDIÁTICO E DA ABORDAGEM METODOLÓGICA... 52

2.1 A mídia como subsistema social... 52

2.1.1 A esfera de visibilidade midiática... 55

(10)

2.2 A opinião pública publicada ... 58

2.3 A análise critica do discurso... 61

2.4 Definição do material empírico ... 64

2.5 Corpos de análise... 66

2.6 Percurso analítico e procedimentos para a análise do discurso ... 67

CAPÍTULO 3 - DO DISCURSO DA MÍDIA SOBRE A OPINIÃO PÚBLICA ÀS FUNÇÕES POLÍTICAS... 74

3.1 Dos números à opinião pública e da opinião pública aos números: o discurso sobre as pesquisas de opinião na mídia ... 75

3.1.1 A construção da legitimidade da pesquisa de opinião... 77

3.1.2 O fenômeno opinião pública no tempo. ... 79

3.1.3 A ‘quantificação’ da opinião pública... 85

3.2 A opinião pública sobre o Governo Lula ... 89

3.2.1 Análise das matérias informativas: articulações entre os tópicos das pesquisas ... 90

3.2.1.1 Tópicos que têm destaque durante todo o ano... 91

3.2.1.2 Avaliação de políticas públicas e reformas... 94

3.2.1.3 Demais tópicos de avaliação do desempenho do governo ... 97

3.2.1.3.1 Articulação entre os resultados da pesquisa... 99

3.2.1.3.2 Avaliação do posicionamento dos veículos diante dos números... 105

3.2.2 O governo Lula e a opinião pública nos editoriais ... 108

3.2.2.1 Analise dos editoriais de Folha de S. Paulo... 108

3.2.2.1.1 O governo Lula nos editoriais da Folha de S. Paulo ... 109

3.2.2.1.2 A opinião pública nos editoriais de Folha de S. Paulo ... 118

(11)

3.2.2.2 Analise dos editoriais sobre opinião pública de O Globo ... 122

3.2.2.2.1 O governo Lula nos editoriais de O Globo ... 124

3.2.2.2.2 As relações institucionais entre Executivo e Legislativo nos editoriais de O Globo ... 128

3.2.2.2.3 A opinião pública nos editoriais de O Globo ... 130

3.3 As funções políticas da opinião pública publicada ... 132

3.3.1 As funções políticas da opinião pública... 133

A TÍTULO DE CONCLUSÃO ... 162

REFERÊNCIAS ... 172

ANEXOS ... 179

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INTRODUÇÃO

A opinião pública é, antes de tudo, uma invenção do século XVIII, não um dom eterno da humanidade. (PETERS, 1995, p. 11).

A multiplicidade de significados do termo opinião pública, na longa trajetória do pensamento ocidental, assim como a diversidade de instituições e instrumentos criados para representá-la revelam não só que a opinião pública é uma invenção do século XVIII, como aponta Peters (1995), mas que são invenções dos homens, formas históricas de pensar e efetivar a participação dos cidadãos no governo, que secularizaram e trouxeram para dentro da sociedade civil a legitimação do exercício do poder e que, ainda hoje, abarcam reivindicações distintas sobre o sentido do direito do povo ao poder.

A nossa investigação se insere num campo emergente dos estudos sobre a opinião pública que se preocupa com o uso corrente do termo, com os discursos políticos construídos em seu nome e que se referem a fenômenos distintos, como apontado nos estudos de Gomes (2000), Entman e Herbst (2001). Nós nos preocupamos com estes discursos que se referem à opinião pública sobre determinado tema e pretendem influenciar a tomada de decisões políticas, sendo, muitas vezes, bem sucedidos, ainda que não se tenha clareza do que trata essa “opinião pública”, como ela foi formada ou mensurada.

Faz parte do entendimento da democracia “o fato de que a disputa política se realize através de um processo de negociação argumentativa, cujo objetivo é a produção da aceitação, pela maioria, de uma opinião apresentada e sustentada por um sujeito, individual ou coletivo, participante de um debate aberto e acessível” (GOMES, 2000, p. 10). Logo, uma decisão democrática não poderia desconsiderar a opinião majoritária sobre a questão.

Os discursos políticos sobre a opinião pública procuram investir-se dessa legitimidade, da

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autoridade de quem fala em nome de uma maioria que defende determinada opinião. Assim, quando lemos em um jornal que a opinião pública é “o pêndulo” da base do governo no Congresso

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ou que a avaliação positiva de um projeto determinou a permanência de um ministro no cargo

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, fica clara a alegação de que posições majoritárias da sociedade influenciam as decisões do governo. No entanto, torna-se necessário investigar o que é essa opinião pública que influencia o governo e de que forma se constitui o discurso sobre essa influência.

O nosso estudo se volta para a investigação dos discursos sobre a opinião pública, que ganharam visibilidade na mídia, construídos a partir dos resultados das pesquisas de opinião que avaliam a popularidade do governo Lula, em seu primeiro ano de mandato. A nossa hipótese é que, ao articular discursos sobre o governo e sobre a opinião pública, a mídia atribuí funções políticas à opinião púbica.

Entendemos por função política da opinião pública ações específicas que designam o papel da opinião pública, as suas incumbências e seu poder de influência na vida política do país. De forma geral, essas funções estão fundadas no problema da legitimação do exercício do poder. No entanto, com exceção da formação de governos através do voto, encontramos, na literatura estudada, distintos entendimentos sobre a legitimidade dos governos, (especialmente governos representativos), e sobre os papéis que cabem à opinião pública para torná-los mais representativos. Na nossa análise, vamos procurar relacionar essas questões ao discurso da mídia sobre a opinião pública.

Dentro de uma linha de estudos que busca compreender as inter-relações entre os campos da política e da comunicação, a forma como os processos comunicativos e, mais ainda, a própria lógica de funcionamento da comunicação de massa passaram a integrar a dinâmica e o funcionamento das

1 O Globo, 09 mar. 2003. Coluna Panorama Político: “A curva de Lula e as reformas”.

2 Folha de S. Paulo, 14 mar. 2003. Matéria: “Mesmo insatisfeito, Lula vai manter Graziano no governo”.

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instituições e das disputas políticas, acreditamos que esta investigação pode ser relevante por dois motivos. Primeiro, diante da emergência do crescimento e do destaque das pesquisas de opinião nos debates e discursos sobre política na mídia

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, torna-se necessário investigar e refinar o entendimento sobre as relações entre opinião pública e governo, articuladas na esfera de visibilidade midiática.

Nesse sentido, muitos estudos têm sido realizados, examinando o papel das pesquisas de opinião nos períodos pré-eleitorais (THIOLLENT, 1989), mas o nosso enfoque é diferente. Buscamos compreender essa relação no período entre eleições, na condução do governo. Em segundo lugar, acreditamos que a investigação do uso corrente do termo opinião pública em discursos leigos, como o da mídia, ajudam a esclarecer de que forma a esfera política é influenciada pela opinião dos cidadãos, não só nos cálculos políticos de bastidor, mas no jogo político visível na mídia.

Muitas questões perpassam a investigação aqui proposta: divergências conceituais acerca do que vem a ser opinião pública, questionamentos sobre a utilização das pesquisas de opinião na representação da opinião pública, a imagem pública do governo Lula e os recordes de avaliação positiva que obteve, ao longo de seu primeiro ano de mandato. No entanto, é importante ressaltar que, embora sejam parte dos campos de saber aqui mobilizados, tais questões não constituem o nosso problema de pesquisa. O nosso objetivo é analisar o discurso da mídia sobre a opinião pública, representada pelas pesquisas de opinião e verificar, nesse discurso, as funções políticas que são atribuídas à opinião púbica.

Para responder a essas questões, no primeiro capítulo dessa dissertação, faremos um estudo sobre o conceito de opinião pública, onde procuramos identificar as suas principais configurações históricas e relacioná-las ao contexto de sua produção. Não nos dedicamos à origem dos termos

‘opinião’ e ‘público’, que remontam ao surgimento da democracia grega. Em nosso trabalho, nos

3 Somente em 2003, foram publicadas 116 matérias que se referem às pesquisas de opinião que avaliam o governo Lula, nos veículos escolhidos para o trabalho: Folha de S. Paulo e O Globo.

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preocupamos com o surgimento do estado moderno, identificado por diversos autores com o ideal de esfera pública burguesa, como uma forma de mediação entre as relações do governo e da sociedade civil. No século XIX, tratamos do surgimento do proletariado e da apreensão que a chamada sociedade de massa acarretou para os pensadores liberais, com as suas conseqüências para os modelos de participação dos cidadãos. No século XX, identificamos o surgimento das pesquisas de opinião como forma ‘cientifica’ de apreensão e representação da opinião pública. Em seguida, apresentamos a perspectiva deliberacionista de democracia, a revalorização do potencial crítico e racional dos cidadãos e as demandas por novos arranjos de participação. Por fim, empreendemos uma discussão sobre as pesquisas de opinião como forma de representação da opinião pública.

No segundo capítulo, apresentamos a concepção de comunicação que norteia esta pesquisa e a metodologia de abordagem do material empírico. Acreditamos que a mídia se constitui como um subsistema social, que tem por função dar visibilidade e sentido aos acontecimentos, aos fatos, às disputas, enfim, a uma gama ampla de processos sociais. Ao se estruturar como um sistema, com lógica própria de funcionamento, valores específicos, um sistema de especialistas e formas de financiamento próprios, a mídia não pode ser vista como uma estrutura de mediação, sem poder de influência ou determinação sobre os seus produtos. A mídia é, nessa concepção, tanto um campo de ação quanto uma importante produtora de sentidos e discursos sobre a vida social.

No terceiro capítulo, examinamos a construção do discurso sobre a opinião pública na mídia, a partir de três eixos de análise: 1) a natureza do fenômeno a que se refere a mídia quando fala em opinião pública; 2) a opinião pública sobre o governo Lula. Aí investigamos a relação entre os posicionamentos dos veículos diante do governo e a forma como eles analisam a opinião pública;

3) as funções da opinião pública nas diversas situações em que a mídia articula opinião pública e

governo.

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CAPÍTULO 1 - DO CONCEITO DE OPINIÃO PÚBLICA ÀS PESQUISAS DE OPINIÃO

1.1 Configurações históricas do conceito de ‘opinião pública’

Opinião pública, vontade geral e interesse público são conceitos que carregam consigo a difícil missão de traduzir em normas ou procedimentos a prática da soberania popular. Se “todo poder emana do povo” e somente em seu nome deve ser exercido, é preciso saber, em primeiro lugar, o que o povo quer.

Mas definir o que ‘o povo quer’ é missão de grande complexidade e envolve problemas que vão desde o fato de que o ‘povo’ não é uma entidade com uma vontade única e clara - o que torna necessário, então, considerar interesses e perspectivas divergentes - até questionamentos a respeito da possibilidade de o ‘povo’ ter conhecimento suficiente sobre o estado de coisas e ter capacidade de avaliar, dentro das alternativas viáveis, qual seria a melhor opção, ou a melhor solução, para os problemas que ele percebe. Os dilemas envolvidos na questão são muitos e os embates em torno do significado desses conceitos envolvem concepções acerca do significado e da prática democrática.

Sendo assim, não nos propomos, aqui, esgotar a discussão acerca da opinião pública e de todas as vertentes que se formaram ao longo da história do pensamento ocidental. Gostaríamos de fazer, primeiro, uma breve revisão de algumas abordagens

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do conceito, buscando relacioná-las a

4 Não falamos em evolução histórica, porque acreditamos que as disputas acerca do conceito que se deram historicamente não tenham levado a uma ‘evolução’ ou amadurecimento do conceito. Entendemos que, em momentos históricos distintos, o plano conceitual desenvolveu formas distintas, mas não de maneira linear.

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elementos do contexto histórico em que se desenvolveram

5

. Acreditamos que, dessa forma, torna-se claro que o conceito de ‘opinião pública’, além de explicar fenômenos históricos como o surgimento de classes sociais (a burguesia e o proletariado), novas formas de sociabilidade (o surgimento da sociedade civil e sua relação com o Estado Moderno) e relações políticas entre governantes e governados, em suas diversas configurações, guardou sempre, também, uma perspectiva normativa, ou seja, características daquilo que deveria vir a ser.

É neste sentido que podemos ver essas diversas configurações do conceito de opinião pública como discursos inseridos em disputas pela construção de novos sistemas políticos

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e do papel que os indivíduos ou cidadãos deveriam ter nesses sistemas; e assimilando conceitos de liberdade, de igualdade e de participação na construção do bem comum.

Em seguida, pretendemos retomar discussões contemporâneas acerca da ‘opinião pública’ e dos usos políticos que se fazem do conceito. Por fim, trataremos da perspectiva deliberacionista da democracia, que traz uma revalorização do potencial comunicativo na formação da opinião pública, e do papel da esfera pública na intermediação das relações entre a sociedade civil e o Estado.

Como última parte deste capítulo, vamos tecer algumas considerações acerca das pesquisas de opinião e da sua relação com perspectivas do conceito de opinião pública.

1.1.1 Século XVII e XVIII: o surgimento da classe burguesa e a valorização da opinião pública como forma racional de interferir nos negócios do estado

Nos séculos XVII e XVIII, na Europa, acontecem as grandes revoluções que geraram o

5 Nesta parte, vamos tomar como guia o caminho traçado por Habermas (1984) e por Bobbio (1995).

6 Não falamos só em democracia, porque a perspectiva marxista previa uma estrutura de esfera pública inserida em outro tipo de sistema político

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Estado Moderno como forma de organização política e social das nações. Em 1688, chega ao fim a Revolução Gloriosa que instala a monarquia parlamentarista na Inglaterra. Em 1789, acontece a Revolução Francesa, que irá espalhar por todo o continente uma série de transformações políticas e sociais.

Com a formação dos Estados Modernos há uma divisão entre a esfera política, em que o poder se encontrava sob o monopólio do Estado, e a esfera privada, da produção e da família.

Nesse período, a burguesia surge como uma nova classe social que não pretendia mais se submeter à dominação do soberano e que precisava articular alguma forma de controle e influência sobre os negócios do Estado, para defender os seus interesses.

Esses cidadãos, os burgueses, habitantes das novas cidades, começaram a se encontrar em clubes e cafés para discutir literatura e questões públicas. Forma-se, então, uma nova forma de convivência, de sociabilidade, na qual um público de homens livres e autônomos passa a problematizar, de forma crítica, as questões de seu tempo. Surge a ‘esfera pública burguesa’

(HABERMAS, 1984; BOBBIO, 2000).

Os pensadores clássicos da época, como Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, vão se ocupar em explicar essas transformações, mas, também, em apontar caminhos para a organização da sociedade, como o combate ao absolutismo, a preocupação com a igualdade e a liberdade, com o entendimento do indivíduo e seu papel na construção dessa nova ordem.

Segundo Habermas (1984), é em Locke que se encontra a primeira referência ao papel

social da ‘opinião’ dos indivíduos. Locke defende uma ‘Lei da Opinião’, ou ‘Lei da Censura

Privada’, ligada a um domínio moral e que deveria ser considerada ao lado da lei divina e da lei do

Estado. A “Lei da opinião” de Locke não se refere a algum tipo de racionalidade que possa ser

obtida na troca argumentativa dos cidadãos livres, trata-se de tradição, de ‘tácito consenso’.

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Mas há na proposição de Locke dois aspectos importantes: primeiro, a opinião já anuncia um desligamento da idéia de ser ela um pensamento inferior, prejudicado, que imperou na Europa até o século XVIII (PETERS, 1995). A idéia de ‘consciência’ que se relaciona ao conceito de

‘opinião’ anuncia o princípio de uma moral laica, que surge no seio da sociedade, descolada da igreja e do estado, o que apresenta um segundo aspecto relevante: a idéia de que é na sociedade que se encontra o lugar do controle social e da censura.

É importante salientar que Locke não falava de um estado absolutista, mas de um Estado liberal representativo. Dessa forma, na sua teoria, há uma separação entre a Lei Moral, relacionada à opinião e ao domínio dos cidadãos, e a Lei Civil, expressa pela assembléia representativa. O poder legislativo é, para o pensador, o poder supremo de uma sociedade, já que as leis são o instrumento de garantia de que os homens poderão viver em sociedade e fruir da propriedade em paz e segurança. E esse poder só poderá ser julgado pelo povo, que foi quem o concedeu (RIBEIRO, 1989, p. 103).

As idéias contidas na obra de Locke e de outros pensadores liberais marcam um novo lugar para os indivíduos na sociedade. A vida, a liberdade e a propriedade, são direitos naturais do homem e o Estado deve garantir e respeitar esses direitos (RIBEIRO, 1989).

Para Habermas (1984, p. 115), uma distinção mais precisa da noção de opinião, não enquanto inclinação, mas como uma reflexão privada sobre as questões públicas, aparece no pensamento de Burke

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. A general opinion de que fala esse pensador e político britânico trata da posição dos homens em países livres, que têm o direito de formar e dar opinião sobre os assuntos que lhes concernem; escrutinando, discutindo, fazendo descobertas e adquirindo um nível de conhecimento considerável sobre essas questões.

7 Ver Kinzo (1989).

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Assim, se, no pensamento de Locke, a sociedade aparece como o lugar da censura, da avaliação dos negócios do estado, com Burke a opinião ganha uma dimensão racional.

Mas essa idéia de uma esfera pública politicamente atuante não se desenvolve de maneira homogênea no pensamento europeu do século XVIII. No pensamento francês, por exemplo, a distinção ainda não estava clara e a definição do conceito e da relação entre a esfera pública e o Estado, mais polarizada. Se, por um lado, “os fisiocratas preconizam um absolutismo complementado por uma esfera pública criticamente atuante, Rousseau quer democracia sem discussão pública - e ambos os lados pretendem o mesmo título: opinion publique” (HABERMAS, 1984, p. 122).

O pensamento de Rousseau sobre a democracia influenciou sobremaneira a Revolução Francesa e inovou a forma de pensar a política da época, ao propor que o exercício da soberania pelo povo era condição primeira da sua libertação. As leis deveriam ser elaboradas por todos, em igualdade, de tal forma que a submissão às leis significasse uma submissão à vontade geral, e não à vontade de um indivíduo. Mas, para o autor, a vontade não admite representantes. A eleição de representantes significaria uma redução da soberania, uma sobreposição de vontades. O poder legislativo pertence ao povo e só a ele (NASCIMENTO, 1989).

Em relação à vontade geral, o pensador se preocupa com as influências sobre as vontades as quais podem ocorrer em debates e com a presença de organizações sociais:

Se, quando o povo suficientemente informado delibera, não tivessem os cidadãos qualquer comunicação entre si, do grande número de pequenas diferenças resultaria sempre a vontade geral e a deliberação seria sempre boa. Mas quando se estabelecem facções, associações parciais a expensas da grande, a vontade de cada uma dessas associações torna-se geral em relação a seus membros e particular em relação ao Estado: poder-se-á então dizer não haver mais tantos votantes quanto são os homens, mas somente tantos quantas são as associações. As diferenças tornam-se menos numerosas e dão um resultado menos geral. (ROUSSEAU apud NASCIMENTO, 1989, p. 228).

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Essa concepção explica a preocupação do pensador em relação ao tamanho ideal das sociedades (PETERS, 1995), pois, em sociedades extensas, o exercício da democracia direta, em que as leis são votadas por todos os cidadãos, seria inviável. Explica também por que Rousseau não se dedica ao estudo da esfera pública e de suas funções de intermediação entre Estado e sociedade civil, pois, na sua concepção de democracia, não há espaço para a tensão entre esferas política e privada, já que a soberania popular, exercida pelo voto, pressupõe a participação de todos os cidadãos nas decisões políticas.

É no final do século XVIII, na obra de Kant, que o papel da ‘opinião pública’ e da esfera pública ganham maior consistência teórica, através da definição do princípio da publicidade: o uso público da razão, entre um público pensante que seria capaz de levar até à verdade, à justiça e à moral. Sendo esta a única base de uma dominação legítima.

Para Kant, toda lei geral que determina o que cada um deve fazer representa um ato de vontade pública, portanto, deve ser submetida ao tribunal da esfera pública, para garantir que esteja em concordância com a moral e o direito. A soberania popular só pode ser exercida dentro do princípio da publicidade, para que o público encontre leis justas que garantam a sua felicidade e o progresso da humanidade. A publicidade é considerada, então, ao mesmo tempo, princípio da ordenação jurídica e método iluminista (HABERMAS, 1984).

O desenvolvimento da teoria de Kant coincide com o desenvolvimento da esfera pública burguesa, quando um público de proprietários privados institui a esfera de seu raciocínio público, com as funções políticas de mediar as relações entre Estado e sociedade.

A transformação operada na noção de ‘opinião’, carregada de racionalidade, é

acompanhada de perto por uma transformação na noção de ‘público’. As tensões entre o estado e a

sociedade, entre autoridade pública e propriedade privada, criaram o espaço necessário para a

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criação da esfera pública burguesa (PETERS, 1995, p. 09). A esfera pública burguesa surge, então, como um novo espaço, uma nova forma de convivência entre os cidadãos e, embora seja distinta do estado, possibilita a influência política e a prática do poder.

De forma geral, neste período, o que podemos perceber é que, com a criação do Estado Moderno, onde o poder político se separa da vida social, e com a ascensão da burguesia como uma classe social com pretensões à influência política, criam-se as condições necessárias para que a

‘opinião’, que havia sido relegada até então pela filosofia como uma forma menor de conhecimento, torne-se a ‘opinião pública’ e ganhe destaque na política como um tribunal capaz de transformar a dominação do estado em dominação racional (PETERS, 1995). Para nosso estudo, três aspectos são muito relevantes nessa mudança: a sociedade como fonte de legitimação do exercício do poder, o resgate da capacidade crítica dos cidadãos e a perspectiva coletivista da opinião.

As divergências acerca das concepções sobre o que é a opinião pública e de que forma os cidadãos devem ou não interferir nos negócios do estado não termina no século XVIII e nem terminou ainda. As mudanças sociais ocorridas na Europa, o surgimento do proletariado e dos movimentos reivindicatórios populares, assim como a descrença na capacidade crítica dos cidadãos levará, como veremos a seguir, ao medo da “tirania das massas”, no século XIX e a uma valorização do conhecimento de especialistas, ou da ciência, no século XX.

1.1.2 Século XIX: a ameaça às condições de existência da esfera pública burguesa pelo crescimento do público e o declínio do ideal racionalista de opinião pública

O século XIX começa ainda sob as marcas das revoluções do século anterior. Mas uma

outra revolução, a industrial, iria transformar ainda mais a Europa. Mais notadamente na Inglaterra, a

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partir da Segunda metade do século, as mudanças sociais e econômicas se tornam ainda maiores, com a transformação dos modos de produção. Surge o proletariado, como classe econômica, em oposição à burguesia industrial e financeira e tem início a universalização de uma economia de bases monetárias. No campo político, tem-se a criação de canais para dar voz à oposição e a ampliação das bases sociais do sistema político, com ampliação do eleitorado (BALBACHEVSKY, 1989, p.

192).

A questão social torna-se central para os pensadores deste século. “Surge uma nova sociedade e, com ela, as massas, um monstro anônimo capaz de suscitar muitos temores e, talvez, algumas esperanças” (WEFFORT, 1989, p. 09). As revoluções que transformaram a Europa no século XVIII não trouxeram estabilidade social. Pelo contrário, o século XIX é palco de uma série de revoltas populares que têm como atores principais, os trabalhadores, aqueles que já no período industrial iriam constituir a classe proletária. As multidões invadiam as ruas e os levantes e revoluções se sucediam. A constituição da sociedade estava mudando com o surgimento de uma nova classe, pobre e numerosa.

Para Rudé (1991), as revoluções de 1948, na França, e o Cartismo, na Inglaterra, podem ser vistos como marcos na transição entre as revoluções burguesas e as das classes trabalhadoras, pois, embora marcadas por contradições e por uma diversidade interna na sua formação, já apresentavam as reivindicações políticas dessa nova classe.

Se, para o pensamento socialista revolucionário, essa nova situação apontava para a iminência da revolução, na qual a classe proletária iria destituir a classe burguesa e gerar uma nova ordem social, para os liberais a participação política dessa ‘maioria’ significava uma ameaça para as liberdades individuais.

É nesse contexto que a idéia de uma esfera pública capaz de intermediar as relações entre

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estado e esfera privada começa a ser alvo de duras críticas. Uma primeira degradação conceitual da opinião pública pode ser observada em Hegel (BOBBIO, 1995). Essa degradação pode ser vista em dois aspectos. Primeiro da opinião em relação à ciência, pois, para Hegel, se a ciência é verdadeiramente pura, ela não se encontra no terreno das opiniões e inclinações subjetivas, ficando, assim, fora do âmbito da opinião pública (HABERMAS, 1984, p. 143). Além disso, Hegel critica duramente a sociedade burguesa e seus ideais iluministas apontando que não foram capazes de realizar a igualdade e a justiça. Em Hegel, o Estado é a realidade da idéia ética, que toma para si a responsabilidade pela justiça e pela felicidade. Nesse Estado, que é maior do que os interesses e necessidades individuais, à esfera pública cabe uma função educacional e não política (HABERMAS, 1984; BRANDÃO, 1989).

É importante notar que, embora a esfera pública se constituísse como um espaço aberto para troca livre de razões entre os cidadãos, tanto nas construções teóricas sobre a esfera pública quanto na experiência da esfera pública burguesa de então, a condição da cidadania estava ligada à condição de proprietário. Somente homens livres e autônomos, ou seja, os burgueses, preencheriam os requisitos necessários para participar dos debates públicos.

A lógica por trás dessa categoria de pertença era a de que a auto-regulação das relações de produção levaria a um equilíbrio social e que proporcionaria a igualdade de chances entre os homens, para que estes se tornassem proprietários e autônomos. Idéias que estão no fundamento do pensamento econômico liberal.

Por isso, Marx acusa essa esfera pública de ser uma

máscara do interesse da classe burguês” e põe em cheque os seus pressupostos principais: 1) a igualdade de oportunidade para que todos os homens alcancem as condições de pertença (formação cultural e propriedade) - pois, nas formas da liberdade contratual burguesa, constituem-se novas relações de poder, a começar pelas relações entre proprietários e assalariados, que impediriam que estes últimos alcançassem essas condições; 2) a univ ersalidade - uma vez que nem todos podem participar dessa esfera pública, o público não pode mais pretender ser igual à nação e

(25)

tão pouco a sociedade civil burguesa pode pretender ser igual à sociedade como um todo; 3) a equiparação de ‘proprietário’ com ‘ser humano’ - pois os direitos humanos da sociedade burguesa são apenas relativos aos direitos de proprietário, dessa forma o homem privado que surge com a separação entre o estado e a sociedade é apenas o bourgeois, não alcança toda a dimensão humana; 4) a identificação da opinião pública com a razão, pois, “enquanto na reprodução da vida social, relações de poder não tiverem sido efetivamente neutralizadas e a própria sociedade civil ainda basear- se em poder, nenhum estado de direito pode ser construído sobre a sua base, substituindo-se autoridade política por autoridade racional. (HABERMAS, 1984, p.

151).

Assim, Marx propõe a inversão da relação entre esfera privada e esfera pública:

autonomia não se baseia mais em propriedade privada; ela nem sequer mais pode ser baseada na esfera privada: ela tem de ser fundamentada na própria esfera pública. A autonomia privada é um derivado da autonomia originária, que o público dos cidadãos instaura a partir do exercício das funções da esfera pública socialistamente ampliadas. (HABERMAS, 1984, p.152).

O que Marx reivindica é um outro ‘público’, em que a cidadania não se constituí com base em algo que é originário da esfera privada, a propriedade.

O ponto em questão é o surgimento de uma nova classe social, o proletariado, que estava excluída da esfera burguesa do raciocínio público, mas já se tornava numericamente relevante e começava a ser incluída nas bases políticas dos sistemas eleitorais.

Essa ampliação dos direitos políticos e da participação da classe proletária acarretaram mudanças na organização social da época, que preocuparam também os pensadores liberais.

Tocqueville via, nessas transformações, dois grandes perigos para a democracia: o surgimento de uma sociedade de massa, que possibilitaria o exercício de uma “tirania da maioria” e o surgimento de um estado autoritário-despótico (QUIRINO, 1989, p. 155). O pensamento de Tocqueville em relação ao que poderia constituir uma “tirania da maioria” aponta para uma preocupação com a aplicação excessiva do princípio democrático de que os interesses do maior número terão primazia sobre os do menor número.

Para Jasmin (2005), a face mais original e fecunda do pensamento de Tocqueville sobre o

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assunto trata da

advertência dos riscos inerentes ao ‘império moral da maioria’, uma espécie de tirania intelectual e espiritual fundada na ‘teoria da igualdade aplicada às inteligências’, a qual exige dos indivíduos a submissão não apenas às decisões majoritárias mas, também, às idéias e aos preconceitos do maior número. (JASMIN, 2005, p. 61).

Dessa forma, aquilo que, na teoria do autor, era visto antes como “o império pacífico da maioria” se transfigurava em uma possibilidade de “servidão democrática”. Essa nova forma de opressão moderna é descrita pelo autor como “um poder de ninguém, senão do próprio povo de iguais”

(JASMIN, 2005, p. 67).

Stuart Mill também se preocupava com a “tirania da maioria”, que, para ele, seria tão odiosa quanto a da minoria (referindo-se aos interesses da classe média inglesa). Embora defendesse que

a forma ideal de governo é aquela na qual a soberania, ou o poder supremo de controle em última instância, cabe, de direito, a todo o agregado da comunidade, aquela em que todo cidadão não apenas tem uma voz no exercício daquele poder supremo, mas, também, é chamado, pelo menos ocasionalmente, a tomar parte ativa no governo, pelo desempenho pessoal de alguma função pública, local ou geral, (MILL apud BALBACHEVSKY, 1989, p. 220)

para o autor, o perigo representado pelas massas seria a produção de leis de interesses classistas.

Diante da ampliação da esfera pública e da pressão que a classe proletária exercia para ser incluída nos espaços de participação política, as críticas liberais vão acusar, por um lado, a perda da capacidade crítica deste ‘público’ - resultado tanto da reunião de homens da mesma classe social, com os mesmos interesses, não abarcando portanto, o elemento contraditório necessário à razão, quanto da inabilidade crítica das classes sociais agora envolvidas e por outro, a enorme pressão desta opinião pública massiva sobre as consciências individuais e sobre o governo.

Diante desta ‘opinião pública’ que teria se tornado um instrumento de repressão, e não de

libertação, a solução apresentada pelos pensadores liberais é o elitismo político. O princípio da

publicidade, que garante a racionalidade, deveria ser preservado, ainda que às custas do princípio

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da generalidade, que garante a acessibilidade de todos (HABERMAS, 1984).

De forma geral, percebemos, no século XIX, uma tendência que se segue até o século XX:

a desvalorização da esfera pública como uma forma de intermediação política entre o estado e a sociedade civil e da opinião pública como tribunal racional e incorruptível para tratar das questões públicas. Para Bobbio (1995), há dois fatores que influenciaram essa descrença: a crise da razão, que deveria comprovar a sua eficácia prática e técnica para o bem-estar, para o qual ela se reduz ao cálculo mercantil, e a “indústria cultural”, que transformaria as criações intelectuais em produtos de consumo.

Habermas (1999), ao rever ‘Mudança Estrutural da Esfera Pública’, argumenta que perspectivas como a da teoria de massa de Adorno influenciaram, inclusive na sua própria obra, uma descrença de que a esfera pública pudesse sobreviver ao novo poder representado pela mídia de massa. Essa perspectiva, na revisão do autor, seria reducionista, ao assumir uma evolução linear de um público politicamente ativo a um público “privatista”, de uma racionalização da cultura a um consumo de cultura. Este tipo de pensamento desconsidera o potencial crítico do público e a sua capacidade de resistência.

Acontece que já no final do século XIX começa a ganhar força uma nova forma de lidar

com a opinião pública: as pesquisas de opinião. Assim, se, por um lado, uma idéia racionalista da

opinião pública e da sua função política no estado entra em declínio, por outro, um entendimento

diferente da opinião pública vai ganhar força e se firmar no cenário político, mercadológico e de

comunicação, como referencial fundamental para tratar dos fenômenos relativos ao público.

(28)

1.1.3 Século XX: a valorização das pesquisas de opinião e as discussões contemporâneas do conceito

O século XX viu florescer os meios de comunicação de massa, o desenvolvimento de novas tecnologias e a transformação das organizações por trás dessas novas mídias em indústrias e numa nova forma de poder social.

Os primeiros estudos mais sistemáticos das transformações que os meios de comunicação de massa trouxeram para a sociedade se preocuparam, por um lado, com as conseqüências do consumo de cultura, em um público que, ao crescer numericamente, perdia sua capacidade crítica, como proposto pela Escola de Frankfurt e, por outro, com os efeitos e possibilidades dos novos meios, com uma visão mais instrumental dos novos aparatos, como nos estudos da Escola Americana.

No plano das discussões acerca do conceito de opinião pública, há uma forte valorização das pesquisas de opinião. Para Peters (1995), a pesquisa de opinião pública, em seus primeiros momentos, significava um ataque explícito contra os postulados da filosofia política; nesse sentido, afirma que autores como Lippman e Allport se preocupavam em encontrar uma configuração ‘mais científica’ para o conceito, em oposição àquilo que consideravam como sendo uma ficção (as idéias de vontade geral, opinião pública racionalmente formada em debates, etc).

Nessa perspectiva, o que se evidencia é uma valorização da ciência como forma de explicar

a realidade e apontar os caminhos e soluções, ao mesmo tempo em que a “opinião” é novamente

relegada à esfera das paixões, das impressões incertas, daquilo no qual não se deveria basear a

condução de políticas públicas. Além disso, segundo o autor, há também o domínio de uma

perspectiva individualista da sociedade.

(29)

Um outro ponto de referência para explicar a valorização das pesquisas de opinião é trazido por Herbst (1995). Segundo a autora, ao longo do século XIX, os partidos políticos exerceram uma importante função na representação e na formação da opinião pública, lugar que, no final do século XIX e ao longo do século XX, passou a ser ocupado pelas pesquisas de opinião. Para Herbst (1995), dois fatores teriam contribuído para essa mudança: a perda de espaço dos partidos políticos e um crescente desinteresse dos cidadãos pelos assuntos e acontecimentos políticos.

Para a autora, essa mudança nas formas de representação da opinião pública revela também visões de mundo diferentes:

Por trás de cada metodologia está uma filosofia do que, de fato, é a opinião pública.

Durante o século XIX, opinião pública significava a atividade dos partidos políticos, não obstante a aceleração das pesquisas refletisse mudanças graduais nessa conotação. No discurso político contemporâneo americano, a noção de que o público é composto não por grupos sociais, mas por indivíduos atomizados serve como filosofia por trás das técnicas dominantes de mensuração. (HERBST, 1995, p. 101).8

Dessa forma, temos até aqui três fatores que contribuíram para o fortalecimento das pesquisas de opinião como forma de representar a opinião pública (apesar das diversas críticas que surgem a esse respeito, de que trataremos mais tarde): a descrença na existência da esfera pública como esfera de intermediação política entre estado e sociedade civil, a valorização do método científico de mensuração da opinião, já estando esta idéia de opinião assentada em uma concepção individualista de sociedade, e o enfraquecimento da atividade partidária, também diminuindo a importância de ‘grupos’ como unidades de formação da opinião.

Mas, apesar dessa valorização das pesquisas de opinião, que teve início no século XX e vem até nossos dias, o pensamento sobre a opinião pública não encontrou um consenso. Da mesma

8 “Behind every methodology is a philosophy of what public opinion actually is. During the 19th century, public opinion meant the activity of parties, although the acceleration of straw polling reflected gradual changes in that connotation. In contemporary American political discourse, the notion that the public is composed not of social groups but of atomized individuals, serves as the philosophy behind our dominant measurement technique.”

(30)

forma, os discursos sobre a opinião pública e voltados para ela, sejam eles políticos, midiáticos ou acadêmicos, também não apresentam um referencial comum. E são tão numerosos e diversos, esses discursos, que grande parte do pensamento sobre a opinião pública, hoje, se volta para a análise dos mesmos e para a compreensão de seus desdobramentos na imposição de significados à própria opinião pública ou na justificação de políticas e ações governamentais.

1.1.4 Discursos contemporâneos acerca da opinião pública

Talvez a dificuldade em apreender o fenômeno, a multiplicidade de conceitos e idéias acerca do que é opinião pública e outros fatores relacionados aos interesses dos atores políticos faça com que ela apareça sob formas diferenciadas nos discursos a seu respeito que tomam lugar nos mais diferentes campos da vida social. Mas, seja no campo político, social ou midiático, há um aspecto que tangencia os usos do conceito ou da expressão opinião pública: a legitimação.

Wilson Gomes (2000), ao analisar a opinião pública política atual, faz uma investigação sobre os usos correntes da expressão ‘opinião pública’ nos meios políticos

9

, para identificar configurações distintas de sentido e do alcance do termo e do fenômeno a que ele se refere. Para o autor, embora haja, no horizonte de significação do termo, elementos comuns ao plano conceitual da filosofia política (racionalismo e legitimação da democracia), podemos observar que os fenômenos a que se refere são, de várias formas, distintos do fenômeno empírico de uma esfera pública e de uma opinião pública racionalmente formada.

9 O autor buscou o uso da expressão em jornais, em frases como “O receio de uma reação negativa da opinião pública é o principal motivo para o presidente ainda não se ter decidido pela expulsão dos sete estrangeiros e pelo indulto para o brasileiro ainda presos no Brasil. Além da reação pública, FHC teme, com eles, criar precedente para cerca de mil estrangeiros presos por crimes comuns no Brasil”, o autor identifica um deslocamento do uso da expressão.

(31)

Ao identificar, em jornais, alguns usos da expressão, o autor aponta que a opinião pública (como foi citada) não se refere mais à opinião ou à matéria opinativa, o que é colocado em questão nos tais usos é a instância opinativa, ou seja o público, uma grandeza demográfica apreendida, em geral por pesquisas, no seu ato de opinar. Não se trata mais do conteúdo da opinião enquanto aquilo que informa ou orienta uma tomada de decisão, enquanto resultado de uma reflexão ou debate acerca de determinado tema, mas, sim, do número de pessoas ou cidadãos que se

‘encaixam’ em determinada opinião ou ponto de vista.

A análise revela ainda outra camada de configuração de sentido que se refere à opinião.

Para Gomes (2000), nos usos mais recentes do termo opinião pública não se exige sequer que esse público, essa instância portadora da opinião, tenha de fato uma opinião sobre os temas abordados.

Trata-se apenas dos concernidos, daqueles que podem ser afetados pela problemática abordada, não importando se eles se apresentam como participantes de um debate ou disputa portando uma opinião própria. O que é solicitado deles é apenas uma manifestação, ainda que seja apenas “não tenho opinião sobre isso”. Uma disposição.

Assim, a rigor, precisamos reformular a definição: a ‘opinião pública’, nessa acepção, não é simplesmente o sujeito coletivo de opiniões, mas o sujeito coletivo capaz de manifestar decisões. (GOMES, 2000, p. 06).

Outra possibilidade de sentido apontada pelo autor diz respeito à “publicidade” da opinião.

No sentido clássico da expressão opinião pública, a publicidade diz respeito a duas características específicas. Primeiro, seu modo de existir socialmente: uma opinião pública deve estar exposta e acessível a um grande número de cidadãos. Segundo, sua origem: a opinião pública é sempre proveniente de uma esfera pública de debates, resultado de uma troca argumentativa.

De acordo com o autor, hoje, assistimos ao fenômeno da “opinião publicada”. Uma opinião

que ganha espaço nas esferas de visibilidade e, por isso, se torna pública. Os critérios de

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publicidade, neste caso, seriam os critérios da visibilidade midiática. É preciso que a opinião ou, ainda mais importante, o sujeito dessa opinião se encaixe nos parâmetros que permitem o acesso à visibilidade, que não são necessariamente os da competência específica no assunto.

O estudo de Gomes (2000), se comparado à perspectiva da filosofia política, revela que, nos discursos acerca da opinião pública, há um esvaziamento de conceitos como ‘opinião’, ‘público’

e ‘publicidade’. A dimensão mais valorizada da opinião pública é relativa a uma grandeza demográfica e não à qualidade da opinião, ao aperfeiçoamento que o debate racional traria às questões em pauta.

Outra referência aos discursos sobre a opinião pública pode ser encontrada em Entman e Herbst (2001). Os autores apresentam uma classificação de “tipos” de opinião pública que devem ser levados em conta em estudos da área, atualmente. Essa tipologia não se refere a discussões acadêmicas ou especializadas sobre o conceito, a preocupação dos atores é com os discursos políticos públicos que falam sobre a opinião pública, e buscam compreender os referentes, ou seja, do que estão falando esses discursos sobre a opinião pública.

A primeira tipologia apresentada pelos autores é a Mass Opinion. Este tipo de opinião

pública se refere à agregação das opiniões individuais, como são tabuladas pelas pesquisas,

referendos e eleições diretas. É o resultado da soma das opiniões dos cidadãos, não importando

quão bem informados eles estejam sobre as questões ou quão convictas sejam as opiniões

manifestas. Para os autores, a opinião de massa seria útil quando a discussão é sobre questões de

fácil compreensão ou quando as informações e detalhes estão ao alcance de todos. Mas, em

questões mais complexas e que exigem uma reflexão mais apurada, este tipo de opinião pública

poderia ser problemático, já que, na visão dos autores, o público em geral não teria elementos (ou

interesse) para avaliá-las e construir uma opinião. Para os autores, seria nestes casos que a mídia,

(33)

através de enquadramentos e versões das questões e da repetição de argumentos, poderia exercer maior influência sobre a opinião de massa, uma vez que esta seria instável e superficial.

O referente apresentado pelos autores pode encaixar-se num quadro conceitual que toma a opinião pública a partir de um entendimento individualista da formação da opinião. De toda forma, seria recomendável uma certa cautela ao assumir que a mídia poderia ter mais influência sobre este tipo de opinião pública, pois, embora neste tipo de aferição as opiniões individuais sejam agregadas sem maiores critérios sobre o nível de interesse ou informação que os entrevistados ou os eleitores tenham sobre o assunto em questão, é sempre bom levar em consideração que as mensagens da mídia não causam efeitos lineares sobre o público, que sempre terá possibilidades de interpretar, questionar ou editar essas mensagens com base em outras informações, em experiências pessoais de vida, ou em problematizações com outras pessoas, e assim por diante (HABERMAS, 1999).

O segundo tipo de significado apresentado pelos autores para a noção de opinião pública é a Activated public opinion. A opinião pública ativada se refere à opinião de cidadãos engajados, informados e organizados, não só durante as eleições. Eles são identificados pelas ciências políticas como membros de partidos, ativistas comunitários locais, porta-vozes de grupos de interesses, formadores de opinião, entre outros. A opinião dessas pessoas sofreria menor influência da mídia, já que elas estão envolvidas com as questões, têm outras fontes de informação e testam seus pontos de vista. Para os autores, estas pessoas seriam, atualmente, pouco numerosas.

Neste ponto, vale ponderar que, embora, as pessoas tenham níveis de interesse

diferenciados pelas questões políticas em geral, seria temerário supor que elas mantenham sempre o

mesmo nível de interesse sobre quaisquer questões públicas. Podemos facilmente imaginar que, se

determinado assunto afeta a vida de um cidadão, provavelmente ele irá se informar e se interessará

por esse tema, ainda que este cidadão não se interesse por todos os assuntos da política.

(34)

Latent Public Opinion é o terceiro tipo de opinião pública apresentado. A opinião pública latente se refere às preferências mais profundas do público, as quais estariam abaixo da superfície de opiniões instáveis e caóticas, é o que as pessoas realmente sentem. Para os autores, é também onde a opinião pública ‘chegaria’ depois de um debate político.

No nosso entender, há uma aparente impropriedade na classificação dos autores, já que a opinião pública latente estaria mais próxima de crenças culturalmente cultivadas, de sentimentos ainda não racionalizados, e o resultado de um debate público político formaria opiniões que se afastam dessas crenças por passarem por um processo crítico racional.

Acreditamos que este tipo de opinião pública de que tratam os autores se aproxime da concepção de opinião pública como tendo uma função latente de controle social, de Noelle- Naumann (1995). Para a autora, este tipo de concepção se diferencia da concepção racionalista da opinião pública e se preocupa com um tipo de poder social, de pressão que a opinião pública (não racionalmente formada) exerce sobre os governos e cidadãos. Essa opinião pública se refere a um alto grau de consenso dentro da sociedade, acerca de valores e questões da comunidade, não necessariamente problematizados, mas com tal força que afetaria a todos, em todas as questões, não só governamentais. A autora desenvolveu a esse respeito a teoria da ‘ espiral do silêncio’, segundo a qual, a sociedade pune com o isolamento aqueles que se desviam do consenso e, por sua vez, os indivíduos experimentariam um receio desse isolamento, tornando-se, assim, a opinião pública uma forma de poder e de pressão.

Para Entman e Herbst (2001), este tipo de opinião pública teria ainda, um papel importante nos cálculos dos políticos e poderia ser apropriada como uma vantagem estratégica em disputas e práticas políticas.

O quarto tipo apresentado pelos autores são as Perceived Majorities. Maiorias percebidas

(35)

seriam percepções sustentadas por grande parte dos observadores, dos jornalistas, dos políticos e dos próprios membros do público sobre qual é a posição da maioria das pessoas em uma questão;

percepções estas nem sempre apoiadas por pesquisas. Segundo os autores, esta é uma ficção conveniente para caracterizar um entendimento de qual é a preferência da maioria, que é construída a despeito de todas as dificuldades que se possa ter para aferi-las. Ao ajudar a formatar essas

‘maiorias’, uma espécie de reificação da opinião pública, a mídia acaba por influenciar os governantes e, até mesmo, as outras formas de opinião pública (opinião de massa, opinião pública ativada e opinião pública latente).

A tipologia apresentada pelos autores, embora não esgote todas as formas nas quais se manifesta a opinião pública ou como ela é evocada nos discursos públicos sobre política, nos ajudará a refinar a compreensão das funções que a opinião pública exerce na esfera de visibilidade midiática.

1.2 A perspectiva deliberacionista

A perspectiva deliberacionista oferece um quadro teórico relevante para pensar a noção de opinião pública, levando-se em conta as práticas comunicativas presentes na sociedade e o uso público da razão como princípio de sua formação.

Um ponto de partida para o entendimento da deliberação pública como uma prática

comunicativa, não restrita às esferas institucionalizadas de deliberação (parlamentos e assembléias) e

que contribui para pensar a democracia como uma forma de governo que inclui a participação

política e o uso público da razão pelos cidadãos como caminho para a legitimação do exercício do

poder, é o quadro teórico apresentado por Habermas (1987). Em “Teoria do Agir

(36)

Comunicativo”, o autor propõe que a sociedade seja vista, ao mesmo tempo, como mundo da vida e como sistemas

10

.

Ao descrever o processo de separação dos sistemas e do mundo da vida, o autor aponta uma diferenciação das formas de comunicação típicas de cada um. Nos sistemas, a comunicação teria um objetivo mais instrumental e seria orientada para a consecução de fins específicos. No mundo da vida, a comunicação se volta para o entendimento mútuo e teria o papel de fundar a esfera pública e a formação da opinião pública. Nessa diferenciação, ainda que ela fique restrita ao mundo da vida, a prática da comunicação voltada para o entendimento mútuo encontra o seu lugar de existência e o seu papel fundamental de significação, legitimação e integração.

Dessa forma, é possível reencontrar um potencial comunicativo que permite pensar a existência de uma esfera pública, não mais fundada sobre a existência específica da forma de

10 Ao analisar a evolução das formas de organização e diferenciação das sociedades, desde as tribos e sociedades primitivas até os dias atuais, Habermas considera que houve uma diferenciação gradual entre o contexto do mundo da vida - visto como esse pano de fundo da vida comum, onde se reproduzem a cultura, a integração social e a sociabilidade - e as formas de organização sistêmicas - vistas como as esferas da política e da reprodução econômica das condiç ões de existência. Para o autor, este processo de separação é concomitante a um processo de diferenciação das formas de entendimento mútuo, de coordenação da ação e de justificação.

Com o avanço do capitalismo, quando as relações entre os sistemas deixam de se fundar na comunicação e passam a ser reguladas por ‘meios’ como o dinheiro e o poder, é que, segundo o autor, se pode falar de uma separação de fato entre sistemas e mundo da vida. Nesse estágio, a coordenação da ação não depende mais da comunicação fundada no mundo da vida. O funcionamento dos sistemas e a ação dos sujeitos no seu interior são orientados por uma lógica própria. As esferas de validação das ações se separam, as expectativas dos sujeitos em relação à ação se diferenciam. A ação comunicativa própria do mundo da vida não regula mais as relações sistêmicas. A demanda normativa e o compromisso típico da relação comunicacional, chamados de responsabilidade, não operam como regras desses sistemas. A validação das ações, no interior dos sistemas , passa a se vincular a questões empíricas, como a expectativa de recompensa e de sucesso, ou ainda, à validação científica dos procedimentos. A moral e o bem comum, valores típicos da comunicação, ficam restritos às práticas de integração do mundo da vida, sendo renegados na integração sistêmica.

Nesse ponto, o autor define dois tipos de formas de entendimento mútuo: 1) a ação comunicativa orientada para o entendimento mútuo, no qual o potencial crítico do discurso pode dar suporte para as instituições existentes, mas não está limitado normativamente a elas, e 2) a ação orientada para fins, objetivada e racional, eticamente neutra, influenciada pela tecnologia e pela lógica científica. A diferenciação proposta pelo autor não é só da orientação da ação - entendimento mútuo ou fins - mas, também, dos mecanismos de coordenação da ação. Cada uma dessas formas de entendimento se baseia em motivações e atributos de influência e prestígio diferentes, sendo que a comunicação, em geral, se baseia em confiança e expectativas racionalmente motivadas, enquanto que a ação orientada para fins se baseia em expectativas empíricas de sucesso, recompensa, ou motivações emocionais (HABERMAS, 1987).

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socialização de uma classe histórica - a burguesa - como abordamos anteriormente, mas fundada nas práticas comunicativas cotidianas de qualquer sociedade, onde as problematizações de temas e questões diversas e da própria forma de vida não dependem de instituições ou de formas específicas de poder (político ou financeiro), mas apenas das condições para que haja um debate livre e sem constrangimentos e, claro, da disposição das pessoas em participar do debate.

Em Direito e Democracia (1997), Habermas, apresenta o conceito:

A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos. Do mesmo modo que o mundo da vida tomado globalmente, a esfera pública se reproduz através do agir comunicativo, implicando apenas o domínio de uma linguagem natural; ela está em sintonia com a compreensibilidade geral da prática comunicativa cotidiana. (HABERMAS, 1997, v. 2, p. 92).

Para Habermas, nos processos deliberativos ocorridos nas esferas públicas, nos quais se forma a opinião pública, não existe um compromisso prévio com a ação ou com a tomada de decisões. No entanto, apesar de haver uma autonomia entre o funcionamento da esfera pública e o da política institucional, esta comunidade deliberativa teria um papel importante na intermediação das relações entre o estado e a sociedade civil, o de garantir a publicidade dos atos do governo.

Essa publicidade cria as condições para que os atores críticos da sociedade civil possam participar ativamente da política, manifestar suas opiniões, discutir as questões de interesse público, decidir quais são as problemáticas relevantes, avaliar a atuação dos governantes e a eficácia de suas políticas, dentro de um processo comunicativo no qual argumentos e contra-argumentos são testados por uma racionalidade crítica, construída coletivamente.

De forma geral, a perspectiva deliberacionista procura alternativas ao entendimento da

democracia como um processo de alternância de grupos no poder, no qual a participação dos

cidadãos se resume à escolha dos governantes através do voto, e propõe que as formas de

(38)

comunicação presentes na sociedade e os procedimentos deliberativos têm importância central nos processos democráticos.

O princípios da publicidade e a existência de fóruns nos quais os indivíduos debatam livremente suas idéias, preferências e avaliações acerca das ações dos governos, teria o papel de articular a relação entre o estado e a sociedade através de uma participação ampliada, crítica e racional dos cidadãos, em que os resultados e desdobramentos da deliberação devem influenciar a tomada de decisões e a condução de políticas públicas.

Um outro aspecto relevante é que diante de processos de deliberação pública em que normas procedimentais, como a liberdade dos sujeitos de apresentarem e questionarem as razões, sejam razoavelmente respeitadas, certos tipos de argumentos fundamentados em formas de autoridades específicas, como a religião, a ciência, ou a autoridade do Estado, seriam confrontados com uma demanda de justificação que não poderia se sustentar apenas sobre essa autoridade.

Dessa forma, ao ser testado pela racionalidade pública, um argumento ou proposta precisa ser entendido pelos participantes como bom e justo para todos os envolvidos, ou, pelo menos, como sendo a melhor proposta viável em determinado momento, levando-se em conta as diversas reivindicações que possam ter sido apresentadas no debate. Assim, a existência de uma esfera pública onde os cidadãos deliberem a respeito dos problemas comuns a todos, aponta um caminho procedimental para a legitimação do poder, através do uso público da razão.

Algumas das críticas à perspectiva deliberacionista apontam para o fato de que as exigências procedimentais apresentadas por alguns de seus autores são muito rígidas, o que poderia inviabilizar a sua prática.

James Bohman (1996), ao discutir exigências procedimentais da deliberação tratadas por

Cohen, Dahl e Habermas, argumenta que os procedimentos apresentados, tais como a igualdade

(39)

efetiva da participação, a igualdade de votos (no estágio de definição das decisões) e a situação ideal de fala (de Habermas), embora estejam corretos, não provem um parâmetro para a avaliação do sucesso da deliberação. Para o autor, mais importante é a continuidade do processo deliberativo que depende mais do fato de que os participantes possam acreditar na efetividade de sua participação ou de que seus argumentos serão levados em conta, ainda que não sejam totalmente aceitos, e se sintam motivados a continuar cooperando nas deliberações.

Para Bohman (1996), o princípio que deve reger as deliberações é a publicidade. O autor diferencia uma publicidade em sentido fraco, que seria dada por aquilo que podemos chamar de visibilidade dos argumentos ou razões, e uma publicidade em sentido forte, que comportaria outras demandas normativas. Essa publicidade em sentido forte, para o autor, opera, na deliberação, em três níveis: ela cria o espaço social necessário à deliberação democrática - a esfera pública -, ela governa o processo deliberativo e as razões produzidas e ela constituí um padrão para a avaliação dos consensos. O autor ressalta ainda que, mais importante que o caráter público de uma discussão, no sentido de que o tema afeta ao público, é o caráter público do argumento que é dirigido aos outros participantes. Isso significa que as razões apresentadas para convencer aos outros participantes devem ser formuladas de tal forma que todos os participantes possam compreendê-las e, potencialmente, aceitá-las. Nessas condições, para o autor, “a opinião pública tem mais probabilidade de se formar nas bases das perspectivas, interesses e informações relevantes, e menos probabilidade de excluir interesses legítimos, conhecimento relevante ou se apropriar de opiniões dissidentes” (BOHMAN, 1996, p. 27).

11

Embora partindo de um ponto comum, de que a democracia não pode prescindir da

11 “In such a forum, public opinion is more likely to be formed on the basis of all relevant perspectives, interests, and information and less likely to exclude legitimate interests, relevant knowledge, or appropriate dissenting opinions”.

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