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2. O TEMA E SEUS CONCEITOS:

2.2. E NFOQUE DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E DA M ULTIFUNCIONALIDADE DA

2.2.4. Articulações endógenas e o capital social como fator do desenvolvimento territorial

Ao longo das demarcações dos conceitos anteriores se destacou a importância que têm os atores nesses diversos processos de construção do território. Privilegiar um desenvolvimento territorial pressupõe utilizar o território como um meio, evidenciá-lo para impulsionar as ações, as coordenações entre atores e uma organização social local capaz de revelar seus recursos escondidos (ANDRIEU, 2004).

De acordo com Siedenberg, Thaines e Baggio (2017) verifica-se que, em processos de desenvolvimento territorial, tanto as potencialidades latentes quanto as articulações endógenas se tornam peças fundamentais para a competitividade das comunidades e organizações. Além disso, para que processos de desenvolvimento sejam desencadeados, é necessário, além da mobilização da região, a criação de políticas públicas e legislações específicas, visando proteger e fomentar tais características e especificidades, entre elas o reconhecimento como Indicação Geográfica.

De fato, essa visão não se limita a uma comunidade de pessoas ou a um clube de produtores que se entendem entre si no local, uma vez que no âmbito francês e europeu Sainte Marie e Bérard (2005) enfatiza que:

Les savoirs locaux sont des compétences qui sont loin de se limiter au local. Pour les mettre en forme et les légitimer, il a fallu expliciter ce qui n’avait pas besoin de l’être tant qu’il ressortait de l’univers familier. Et, pour ce faire, tout un appareillage technique et institutionnel a été nécessaire : une administration des AOC, une animation au jour le jour du syndicat de défense et de promotion du produit, une expertise scientifique et technique, des programmes de recherche, des conservatoires, l’aide de collectivités territoriales... Ces actions sont assurées réglementairement et financièrement dans le cadre de politiques publiques, nationales et européenne42 (DE SAINTE MARIE;

BÉRARD, 2005).

A proposta territorial se baseia na ideia de criação de organizações intermediárias, além dos limites municipais, mas aquém dos próprios Estados, que possibilitem a construção conjunta de projetos estratégicos e o alcance da participação efetiva dos grupos sociais à escala local (BEDUSCHI FILHO; ABRAMOVAY, 2009). Tal conjugação de interesses e atuações da sociedade, Estado e mercado, chamada “Capacidades Territoriais” (PASSADOR; NALLE JR, 2007), é necessária de forma a possibilitar que o território seja a unidade de planejamento e gestão do desenvolvimento (conforme figura 14).

Em seguida, conforme a figura 14, o “Capital Humano” (2) é definido por Passador & Nalle Jr (2007) como a capacidade das pessoas de fazer coisas novas, ampliar sua capacidade de mobilização, de adotar atitudes e conhecimentos, que permitam a busca pelo crescimento da comunidade. A existência de uma correlação entre a utilização dos ativos da propriedade intelectual e as estratégias de desenvolvimento territorial é citada por Locatelli (2007) como uma forma de utilização dos ativos intelectuais em benefício da coletividade. Neste contexto, as Indicações Geográficas surgem como uma das poucas modalidades de propriedade industrial coletiva, em que ativos imateriais endógenos a um espaço geográfico podem ser apropriados por agrupamentos produtivos, possibilitando sua diferenciação no mercado (DUPIM, 2015).

42 Os saberes locais são competências que não se limitam apenas ao local. Para delimitá-los e legitimá-los, tem sido necessário

explicitar o que não era preciso enquanto faziam parte do universo familiar. Para isto, todo um âmbito técnico e institucional foi necessário: uma administração das Denominações de Origem Controlada, um acompanhamento no dia a dia de sindicato de defesa e de promoção do produto, um conhecimento científico e técnico, programas de pesquisa, conservatórios, auxilio das instituições territoriais... Essas ações são garantidas regulamentariamente e financeiramente no âmbito de políticas públicas, nacionais e europeias (Tradução do autor).

Neste processo, a organização dos atores endógenos constitui uma etapa prévia fundamental, pois o dispositivo pode funcionar somente a partir do reconhecimento do território e da apropriação da IG para e pelos coletivos proprietários do registro (associação, cooperativa). A ativação desse recurso social aparece então condição prévia indispensável para encetar qualquer movimento de reconhecimento da origem. Em outras palavras, trata-se de ativar o Capital Social (3), definido como o:

(...) conjunto das características da organização social, que engloba as redes de relações entre indivíduos, suas normas de comportamento, laços de confiança e obrigações mútuas [...], quando existem em uma região, torna possível a tomada de ações colaborativas que resultem no benefício de toda a comunidade” (PASSADOR; NALLE JR, 2007, p. 28).

Conforme Passador e Nalle Jr (2007), duas outras condições precisam ser reunidas para alcançar o desenvolvimento, a saber: a sustentabilidade (4), ou seja, satisfazer as necessidades da geração presente sem comprometer aquelas da geração futura e; a cidadania (5) que envolve a participação qualitativa e quantitativa nos processos de formulação e decisão da gestão local.

Figura 14. As componentes sociais do desenvolvimento

14. Passador e Nalle Jr (2007). Adaptação do autor

De tal forma, é proposta uma governança pautada por iniciativas ou ações que revelam a capacidade de uma comunidade organizada territorialmente para pensar e coordenar as estratégias de desenvolvimento a partir do envolvimento conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e institucionais (DALLABRIDA, 2011). A capacidade de determinada comunidade em organizar-se para revelar o volume de capital social disponível e, portanto, ativar esse recurso, podem potencializar diversos benefícios ou, ao contrário, representar limites ao desenvolvimento.

Por um lado, os objetivos comuns facilitam o compartilhamento de informações e conhecimento; criam relações de confiança, cooperação e maior comprometimento em relação ao grupo; melhoram a coordenação das ações, o que proporciona maior estabilidade, uma vez que aumenta a previsibilidade do comportamento dos agentes (ERICKSON et al., 2001). Em outras palavras, o capital social pode se tornar ativo imaterial das ações coletivas que fomenta processos de inovação e difusão de informação e conhecimento. Todavia, é preciso concebê-lo como um processo dinâmico de relações dos atores em redes que caminham juntos em direção de um esforço conjunto de desenvolvimento (ALBAGLI; MACIEL, 2004).

De outro modo, entende-se que tal processo depende de cada realidade, e as estratégias, portanto, devem ser idealizados a partir da consideração das redes de atores e infraestrutura existentes, o capital social e humano, a

capacidade empreendedora dos agentes, entre outros, sendo características singulares. Conforme Paula (2005), boa parte do Brasil é descrito por territórios com baixa densidade empresarial, baixa especialização produtiva, baixo dinamismo econômico e social. Ao contrário, os países da Europa beneficiam de capital social e humano maior do que os países em menor desenvolvimento relativo, pois os processos organizacionais são mais incentivados pelo poder público em parceria com organizações locais (GURGEL, 2006). Mesmo que a comparação não seja muito apropriada dado que os contextos históricos são distintos, entende-se que é justamente este capital social e organizações coletivas que embasam a identidade cultural, a diferenciação competitiva, o empreendedorismo e o empoderamento e até as políticas públicas territoriais (VELLOSO, 2008).

Nessa perspectiva, é preciso mudanças no sentido de estimular o protagonismo local, uma vez que o ideal para um processo de desenvolvimento do território é que seja induzido de forma endógena e de baixo para cima. Tendo os atores do território como protagonistas principais deste cenário, tal marcha depende das vontades e escolhas destes últimos, mesmo que ele seja induzido de modo exógeno Paula (2005). Todavia, segundo Paula, na maioria dos casos brasileiros, eles não se enxergam como protagonistas desse processo e nem os agentes externos, tomadores de decisões, concedem as competências e reconhecem sua capacidade para tal (VELLOSO, 2008). Mudanças na ótica de estimular o protagonismo local são então desejáveis, isto é, gerar autoestima, proporcionar liberdades e equidade social.

Já que na maioria das vezes a IG é concebida como o monopólio coletivo de um nome, mesmo que ela esteja limitada para contemplar o desenvolvimento territorial, ao menos ela contribui para a criação de novas formas de organização social dos territórios. Não obstante, há críticos que encontraram elementos significativos para afirmar que o dispositivo aparece como um mecanismo excludente nas experiências recentes do Brasil. Visto as condições para registro e o tipo de mercado visado, a IG seria inerentemente voltada a determinados grupos do setor de agronegócio ou à agricultura familiar capitalizada (NIEDERLE, 2009). Segundo o mesmo autor, a experiência da primeira IG brasileira do Vale dos Vinhedos pode ter contribuído à formação de tal argumento, uma vez que ali se constituiu uma elite local proveniente justamente de segmentos da agricultura familiar (FLORES, 2007).

Logo, se questiona se a IG age como ferramenta de inclusão dos atores ou ao contrário de exclusão destes? O conceito de “club goods” foi introduzido por Cornes e Sandler (1996) como “grupo voluntário de pessoas que dá origem a benefícios mútuos por compartilhar, por exemplo, custos de produção, características de membros ou um bem caracterizado por propriedades de exclusão de benefício”. Trata-se de uma quarta categoria de bem além dos privados, dos públicos e dos comuns. Os club goods são reconhecidos por seu caráter de 1) exclusão (os indivíduos não membros podem ser excluídos de usufruir dos benefícios) e 2) não rivalidade (o gozo da indicação por um não diminui o benefício para outro do clube) (RANGNEKAR, 2004). Nesse sentido, mecanismos mobilizados para criar CBST se baseiam no princípio da discriminação entre os produtores, ao estabelecer um processo seletivo dos que irão participar da constituição das cestas de bens e se beneficiar do “efeito club”, sendo que eles são diferenciados em relação ao exterior e associados entre si (CAZELLA; BONNAL; MALUF, 2009).

Segundo Thiedig e Sylvander (2000), as IGs podem se tornar club goods, uma vez que elas proporcionam a geração de ganhos por meio do monopólio coletivo criado pela delimitação de uma área de produção. De fato, a demarcação do território reconhecido para usufrutuar do selo da IG é necessariamente um processo de exclusão, que leva em consideração as características socioculturais e naturais do local e, sobretudo, a capacidade a construir um compromisso que pode sustentar a confluência de interesses entre os atores envolvidos (NIEDERLE; GELAIN, 2013). Contudo, mesmo dentro do território, os atores não se encontram em situação de igualdade para acessar aos

benefícios do club, já que é preciso cumprir as condições de entrada, ou seja, as especificações para o uso do nome da IG explicitadas no Regulamento de Uso (RU). Nem todos podem, portanto, arcar com os altos custos de registro (pertencia ao club) e de exclusão (custos de controle para assegurar que não haja usurpação do monopólio) (NIEDERLE, 2009).

Tal fenômeno pode explicar a resistência de determinados grupos sociais em participar da organização coletiva em torno de uma IG. O pequeno número de produtores associados dentro das organizações reconhecidas pelo INPI para gerenciar a ferramenta, conforme apontado por Inhan e La Rovere (2015), revela um problema intrínseco à estruturação das IGs no Brasil. Por outro lado, as duas primeiras IGs queijeiras brasileiras – Serro e Canastra – refletem particularmente tal sintoma de restrição ao uso do selo que, além da área e das normas de produção do regulamento de uso, refere-se à exclusão socioeconômica dos pequenos produtores incapazes de lidar com os custos de adequação às determinações legais que regem a produção de queijo a partir de leite cru (SHIKI; WILKINSON, 2016).

Assim sendo, percebe-se que a inclusão e articulação dos atores para ativar a totalidade do capital social do território, por exemplo, em torno de um dispositivo de valorização da origem, em vez de proporcionar o desenvolvimento territorial aparece mais como um limite que as IGs brasileiras precisam superar para chegar a este fim. Alguns problemas já foram citados, a saber: o baixo grau de organização e protagonismo dos produtores, as assimetrias na distribuição de renda e valor agregado ao longo da cadeia produtiva, as dificuldades de adequação dos produtores familiares à legislação do setor. Consequentemente, entende-se que para que a IG caminhe para o desenvolvimento do seu território, ela precisa em primeiro lugar endossar a sua função social, vista tanto como um meio quanto como um fim.

2.2.5. Multifuncionalidade da Agricultura na(s) realidade(s) brasileira(s) e sua relação com