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2. O TEMA E SEUS CONCEITOS:

2.2. E NFOQUE DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E DA M ULTIFUNCIONALIDADE DA

2.2.6. Integrar a Multifuncionalidade da Agricultura na análise das produções de origem

De acordo com Sylvander et al. (2007), as políticas públicas europeias, especialmente àquelas relacionadas com identificação e proteção da qualidade e da origem, têm supostamente impacto importante em favor do desenvolvimento territorial sustentável. Supostamente elas combinam objetivos estratégicos ao nível individual (diferenciação e segmentação dos mercados) e coletivo (de empresas e institucional) para o desenvolvimento de cadeia produtiva em um determinado território, além dos objetivos públicos relacionados: planejamento territorial, regulação dos mercados, informação do consumidor, transparência, entre outros.

Em paralelo das políticas públicas, no contexto brasileiro, há que se ressaltar a importância de analisar e fomentar em termos de mercado outras funções que caminham para o desenvolvimento territorial para justificar a internalização das externalidades positivas da agricultura. Em outras palavras, trata-se de evidenciar um preço justo pago pelo consumidor para os serviços “invisíveis” – a seu ver – agregados ao produto final. É nítido que a atuação do Estado, como se encontra nos países europeus, é desejável a fim de sustentar diretamente tal contribuição da agricultura, ou ao contrário penalizar as externalidades negativas para a sociedade, o território e o meio ambiente. Questiona-se a responsabilidade dos Estados e das organizações internacionais na promoção do desenvolvimento sustentável (CERDAN, 2009). Entretanto, uma vez que esse serviço parece não ser uma prioridade das políticas

45 Mais adiante, estarão descritas com mais detalhes na parte dos resultados essas diferentes dimensões em vista a aplicação

agrícolas nacionais vigentes, em um primeiro momento, a agricultura poderia cumprir tal papel com a internalização em seus produtos desses bens não mercantis, agregando valor a estes últimos.

De fato, o Brasil se encontra atualmente na situação descrita por Maluf (2002, p. 21):

O financiamento “via mercado” dos pequenos produtores nos países do Terceiro Mundo constitui mecanismo tão mais necessário quanto maiores forem as restrições orçamentárias para a adoção de programas públicos de transferência de renda por instrumentos análogos aos adotados pelos países do chamado Primeiro Mundo (2002, p. 21).

A estratégia de promoção da MFA na indústria agroalimentar consiste, sobretudo em agregar valor ao longo do processo de transformação da matéria-prima em produto elaborado para revelar as funções cumpridas pela produção do bem. Tal estratégia alternativa parte do pressuposto da reapropriação pelos produtores da matéria- prima, investindo consequentemente em lógica de valorização no mercado. Desta forma, trata-se de controlar e ajustar o preço final pago pelo consumidor em função do conjunto de elementos agregados, visíveis ou não. É preciso então criar um meio para relacionar produtor e consumidor, facilitando as vias de comunicação (associação, lugar de venda, marketing, mídia, entre outros). O objetivo é instigar o diálogo que justifique o preço pago em relação aos papeis “invisíveis” da agricultura para a sociedade e os territórios nos quais ela se insere, isto é, para conscientizar o comprador.

Aqui, é necessário relembrar que o estabelecimento de uma indicação geográfica construiu-se como uma reivindicação coletiva de propriedade intelectual que permite proteger e salvaguardar a identidade e tipicidade do produto, ligando-os a seu território e ao saber fazer coletivo. A agregação de valor em torno das IGs se faz muitas vezes em torno das funções desses sistemas agrícolas em termo de reprodução socioeconômica das famílias rurais que vivem segundo uma cultura própria que eles expressam no produto registrado. Na França, a palavra terroir, que expressa as particularidades do ambiente onde está inserido o produto, leva a pensar que existe uma simbiose implícita entre o produto e seu ambiente. Consequentemente, a garantia de origem passa a ser sinônimo de consideração ambiental, contudo a relação qualidade específica e ambiente é complexa e não natural (THIEBAUT, 1995). As produções de origem deixam subentendidos aspectos, intrinsecamente, relacionados à qualidade do produto local e agregam valor a ele, ainda que, de certa maneira, essas características sejam baseadas no imaginário coletivo idealizado em termos ambiental, social e cultural. Assim, a associação da palavra terroir com a imagem de um ambiente preservado é mobilizado a fim comercial, para vender símbolo e imagem sem apresentar necessariamente conteúdo (HIRCZAK, 2011).

Em outras palavras, em certos casos a valorização dos sinais de qualidade de origem se apoia e associa o produto a práticas 1) mais respeitosas do ambiente, facilitando 2) a inclusão social dos produtores da região e 3) a defesa da cultura local, sem comprovar esses pontos claramente, na maioria das vezes. A respeito do primeiro ponto, após a comparação de oito sistemas de IG, Riccheri et al. (2007, p. 95) concluíram que além do pressuposto idealizado da influência positiva das IGs na qualidade ambiental, os casos estudados mostraram um efeito relativamente neutro. Em seguida, na sua pesquisa sobre a sustentabilidade da IG Tequila, Bowen e Zapata (2009) salientam que mesmo que as ciências sociais relatam efeitos positivos das IGs para a economia rural e a conexão entre produtores e consumidores – por permitir o pagamento do verdadeiro preço social da produção – as conclusões do estudo de caso revelam as falhas da iniciativa que causaram a exclusão dos pequenos produtores e perda dos conhecimentos e das práticas tradicionais, além de degradações ambientais consideráveis. Por último, no processo de (re)apropriação cultural, essa sofre diversas reinterpretação, corroborando com Bérard et al. (2005) que

apontam que podem haver um afastamento da substância da tradição com objetivos que se focam apenas na conservação de seu envelope externo visível.

Ao constatar ambivalências entre resultados empíricos e teóricos, ao invés de uma abordagem positivista sobre os potenciais do dispositivo em caminhar para a MFA, parece mais pertinente adotar a avaliação de um sistema em IG, a partir do estudo de caso, a fim de orientar os atores em favor de um desenvolvimento territorial que considere as múltiplas funções das atividades associadas à Indicação. De toda maneira, para legitimar as produções de origem, além das representações afetivas e simbólicas associadas, é preciso entender e, então, pesquisar aspectos ambiental, paisagístico, cultural, social, entre outros. Desta forma, poder-se-á ampliar e comprovar os argumentos e justificativas que permitiram fomentar as outras funções das IGs seja a fim comercial, seja para orientar políticas públicas em favor da ferramenta como catalisador do desenvolvimento territorial sustentável (MENADIER, 2012).

De fato, é legítimo questionar as externalidades causadas por uma IG inscrita no seu território, isto nas diversas componentes do desenvolvimento territorial para pensar em outras estratégias para alcançá-lo. Consequentemente, destaca-se a pertinência de ligar a IG à questão da multifuncionalidade, para evidenciar componentes muitas vezes ocultados pela meta única econômica. Trata-se de ativar recursos ainda escondidos dos territórios que gozam de um reconhecimento de seu(s) produto(s) de origem, para ter uma visão que permitiria reforçar a ancoragem territorial dessas produções, numa perspectiva horizontal e intersetorial como sugerido por Frayssignes (2005). De acordo com Menadier (2012), a MFA proporciona uma ancoragem territorial forte das produções por meio da valorização e criação de recursos territoriais materiais e imateriais, a saber: a qualidade dos produtos, bens ambientais, beleza paisagística, saber fazer, entre outros. Portanto, MFA e implantação no território das atividades produtivas caminham juntas e garantem a originalidade do produto. O princípio do vínculo entre um produto e seu território implica uma delimitação espacial e social, esta última sendo uma construção coletiva de uma ancoragem territorial que quando mais forte assegura a não reprodutibilidade (HIRCZAK, 2007) e reforça os valores do produto. Os mecanismos mobilizados para criar a multifuncionalidade do território e das produções de origem objetivam também criar Cestas de Bens e Serviços Territorializados, sendo que os bens e serviços oriundos do território são diferenciados em relação ao exterior e associados entre si (CAZELLA; BONNAL; MALUF, 2009; PECQUEUR, 2001).

Em um segundo momento, o desafio consiste em demonstrar que as iniciativas de identificação da origem contribuem à produção de bens não mercantis para justificar o diferencial dos produtos gerados, ou melhor, apoiar as demandas de auxílio público para o dispositivo de indicação geográfica (políticas públicas, apoios técnico, financeiro entre outros) como meio de proporcionar serviços prestados à sociedade. Portanto, os estudos das externalidades (positivas e negativas que derivam da ativação de recurso pela IG num dado território) oferecem perspectivas de discussões e análises a partir da abordagem de oferta pela noção MFA.

Segundo Sylvander et al. (2007), os impactos multifuncionais da IG (no caso nomeado Sinal de Identificação da Qualidade e da Origem - SIQO46) são ainda pouco conhecidos e sofrem de uma falta de ferramentas

(critérios e métodos de medida), necessitando de uma abordagem de desenvolvimento territorial endógeno mais do que uma análise de impactos. A fim de analisar as externalidades territoriais e as contribuições para o desenvolvimento do territorial de nosso estudo de caso, serão abordadas as quatro dimensões propostas por Maluf (2003), selecionando as que aparecem pertinentes a fim analítico no contexto estudado. Carneiro e Maluf (2003) salientam que a promoção da MFA deve ser combinada com o estímulo à produção de alimentos (qualidade e

quantidade), o que a diferencia da sua aplicação na Europa. Todavia, tratar da segurança alimentar no sentido de aumento da quantidade de alimento produzido no caso das produções de origem, que visam muitas vezes à limitação da oferta para melhorar a renda dos produtores, parece ser um contrassenso. Naturalmente, Maluf (2003) salienta em seguida que as dimensões não se manifestam e articulam igualmente nos diferentes contextos socioespaciais ou territórios, o que remete à importância de considerar as particularidades de cada contexto. Nesse sentido, enfatiza-se a pertinência de considerar as origens, as condições, ou seja, o determinismo social que de certa forma favorece a valorização, segundo época e lugar, de uma ou outra função da agricultura (MALUF, 2002). Acrescenta-se que tal determinismo é tanto social quanto econômico, o que justifica mais uma vez o uso do referencial da MFA a fim analítico, no enfoque chamado positivo.

Por exemplo, a demanda crescente de países europeus por produtos diferenciados em termos sociais e ecológicos, ou produtos que afirmem uma identidade cultural motiva as organizações coletivas a reforçar seu discurso e suas práticas numa perspectiva de desenvolvimento sustentável (CERDAN, 2009). Por outro lado, no Brasil também essas demandas estão crescendo, mas associa-se com outras exigências próprias ao contexto do país, isto é, em matéria de segurança alimentar, condição da agricultura familiar, entre outros aspectos. Citando caso semelhante, de acordo com Cerdan (2009), a associação da IG dos pecuaristas do Pampa (RS), que visa o mercado europeu, colaborou com uma ONG ambientalista, ciente da oportunidade de desenvolver uma estratégia em torno da carne bovina que:

(...) não é somente um produto de origem certificada – qualidade superior –, ela contribui também para a “promoção do desenvolvimento sustentável do Pampa, conciliando valor agregado e proteção ambiental” (extraído da entrevista de um pecuarista da associação na revista eletrônica especializada ECODEBATE, 2007). Os promotores de IG constroem, assim, um discurso em torno de seu produto, que ultrapassa a simples conexão do produto a sua origem. São, portanto, anunciadas e asseguradas práticas de segurança alimentar, bem como práticas ecológicas e culturais (pecuarista gaúcho, vitivinicultura italiana) (CERDAN, 2009, p. 295).

Logo, mesmo que a IG no Brasil, como alhures, não é a priori uma ferramenta concebida para alcançar um papel multifuncional, espera-se que essa falha possa ser superada mediante as estratégias dos agentes locais que buscam novo olhar sobre o seu território – pelo menos no discurso. Assim, novas parcerias potenciais com o meio de atuação das identificações de origem podem emergir para a construção de sistemas de produção e um desenvolvimento territorial caminhando para a sustentabilidade, pois são multifuncionais.