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2. O TEMA E SEUS CONCEITOS:

2.2. E NFOQUE DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E DA M ULTIFUNCIONALIDADE DA

2.2.2. Ativação de recursos locais e desenvolvimento territorial

As duas noções delimitadas anteriormente de território e ancoragem territorial de um produto proporcionam chegar a uma concepção de desenvolvimento territorial. Conforme Dallabrida (2013), trata-se de um processo de mudança continuada, situado historicamente e territorialmente, mas integrado em dinâmicas intraterritoriais, supraterritoriais e globais, sustentado na potenciação dos recursos e ativos – materiais e imateriais; genéricos e específicos – presente no local. O conceito visa refletir sobre a dinamização socioeconômica e a melhoria da qualidade de vida das populações do lugar.

O estabelecimento da qualidade de um produto num território dado, ou melhor, o reconhecimento dessa característica por meio de um sinal distintivo como a IG, corresponde à ativação de recursos locais, que um processo de desenvolvimento territorial pode acionar. O pré-requisito dessa abordagem é a formação de ação coletiva que permite reforçar as redes locais que agem para reconhecer e inovar a partir da sua identificação com uma cultura e um território (PECQUEUR, 2005).

Em outras palavras, essa “constituição de uma entidade produtiva enraizada num espaço” (PECQUEUR, 2005, p. 12) se estabelece em torno de um problema inédito e a partir das riquezas das quais dispõe os atores naquele território. Essa abordagem permite fazer emergir e mobilizar novas capacidades, ou seja, revelar “recursos escondidos”. Hirschman (1986) já tinha formulado, há 25 anos, um dos princípios fundamentais do desenvolvimento territorial: a revelação dos recursos escondidos. Ele enfatiza que:

(...) para promover o desenvolvimento econômico, importa menos encontrar as melhores combinações de recursos ou fatores de produção dados do que fazer aparecer e mobilizar a seu serviço recursos e capacidades escondidas dispersas ou mal utilizadas (HIRSCHMAN, 1986, p. 112).

De acordo com Pecqueur (2005), que conseguiu teorizar o processo do desenvolvimento territorial, trata- se de transformar recursos em ativos através da identificação e especificação do potencial do lugar. Os recursos territoriais específicos são resultados do processo que visa a fazer o que os outros territórios não sabem ou não podem fazer e/ou fazer diferente e melhor do que eles fazem (PECQUEUR, 2004). Essas estratégias se desempenham bastante em relação com os bens públicos locais a fim ganhar em competitividade, por meio da revelação de recursos como a preservação dos ecossistemas e paisagens particulares, a associação com atividades turísticas ou a defesa do nome do lugar, da tradição cultural, entre outros. A ancoragem territorial enquanto estratégia comercial de valorização do produto a partir da qualidade atribuída à sua origem constitui um processo de ativação de recursos.

Pecqueur (2005), em sua abordagem dos processos de desenvolvimento, define (1) os recursos como uma reserva, um potencial latente que pode se transformar quando revelado, organizado e explorado em (2) ativos (ou fatores “em atividade”). Ambos podem ser (a) genéricos ou (b) específicos. Nesta lógica, os recursos são fatores a serem explorados e organizados para ser revelados, enquanto os ativos são fatores “em atividade”. Os recursos territoriais que não são ativados no seu ambiente são, portanto, “potencial”, “latente” ou “virtual”. Sem expressar esse potencial, os recursos se caracterizam pelo fato de serem totalmente transferíveis. Seus valores são de troca no mercado independentemente do conhecimento local onde é produzido. Já os segundos, são dificilmente exportáveis, uma vez que o custo de transferência seria mais ou menos alto e irrecuperável.

Portanto, um ativo genérico não diferencia o território de forma durável uma vez que o mesmo existe em outro lugar, pois é suscetível de ser transferido (PECQUEUR, 2005). Logo:

o processo de especificação de ativos diferencia um território dos demais e se contrapõe ao regime de concorrência baseada em produção padronizada (...). Novas configurações e conhecimentos territoriais podem ser produzidos quando saberes heterogêneos são articulados e combinados. A metamorfose de recursos em ativos específicos é indissociável da história longa, da memória social acumulada e de um processo de aprendizagem coletiva e cognitiva (aquisição de conhecimento) característica de um dado território (CAZELLA; BONNAL; MALUF, 2009, p. 38).

Em resumo, o autor afirma que o desenvolvimento territorial: (1) é uma construção dos atores em dinâmica que se insere no tempo (e, portanto, não pode ser implantado por decreto); (2) constitui uma estratégia de adaptação à globalização e; (3) tem como base a especificação dos ativos.

A passagem do recurso genérico ao ativo específico corresponde a uma estratégia de desenvolvimento que pode se decompor em dois tempos: a passagem do recurso ao ativo (genérico) e do ativo genérico ao ativo específico. Essas passagens devem ser, cada uma, analisadas como processos particulares que modificam, em profundidade, a própria natureza dos objetos considerados (PECQUEUR, 2005, p. 15).

Portanto, de acordo com o mesmo autor, o processo de ativação e especificação pode ser assimilado como um processo de metamorfose, de transformação que visam à aquisição progressiva de qualidades territoriais, através de um processo de mobilização e arranjos dos atores, frequentemente em torno de um problema inédito. A qualidade da organização social local é indispensável, pois, como recurso, deve ser revelado e valorizado. Nesse sentido, a construção e o fortalecimento de redes sociais e do capital social são ponto chave por ser a condição prévia indispensável a qualquer outra ativação de recurso. De fato, o desenvolvimento do território e o estabelecimento de estratégias implicam certa intencionalidade das interações entre os indivíduos (SAMAGANOVA, 2007).

O processo que se forma para registro de uma IG assimila-se a um processo de criação de recursos específicos, uma vez que se necessita a organização dos produtores em entidade reconhecível pelo INPI. Para entender melhor esse processo, pode-se usar o conceito de Sistema Agroalimentar Localizado (SIAL)39, definido por

Muchnik (2002). De acordo com Muchnik, o desenvolvimento da qualificação da qualidade ligada à origem, ou seja, de dispositivos com a IG, converge com o conceito que ela elaborou de SIAL. A determinação da qualidade se dá seja por meio da cristalização de uma imagem de qualidade ligada à reputação que decorre de uma convenção “doméstica”, seja mediante um “selo de qualidade” que revela melhor uma convenção “industrial” (ALLAIRE; SYLVANDER, 1997). Contudo, ambos os elementos, quando se referem a um dado território correspondem a recursos locais que somente um processo de desenvolvimento territorial pode ativar. Tal processo implica a ação coletiva como motor, o que proporciona o fortalecimento das redes locais de empresas que definem o SIAL (MUCHNIK, 2002).

Assim sendo, o autor reconhece três características que definem o SIAL, e que podem então ser ampliada a construção de uma IG: 1) a valorização de conhecimentos não transferíveis, construídos pelos atores ao longo de uma história comum; 2) a criação de economias externas ligadas à densidade das empresas situadas num local; 3) a organização coletiva constitui um recurso específico do sistema produtivo localizado, fonte de estabilização e de reprodução.

39 Muchnik (2002) definiu o conceito de Sistema Agroalimentar Localizado (SIAL) que se assimila ao de cluster definido por M.

Porter (2000) como “a geographically proximate group of interconnected companies and associated institutions in a particular field, linked by

commonalities and complementarities” (“um grupo geograficamente próximo de empresas interconectadas e instituições associadas em

um campo particular, ligadas por semelhanças e complementaridades” – Tradução do autor). Aliás, os estudos sobre IGs de vinhos dos países estrangeiros tradicionais, vários autores têm partido da premissa que o espaço demarcado e reconhecido da IG é, a priori, um cluster (INHAN; LA ROVERE, 2015). O SIAL, entretanto, amplia a noção, pois não se limita a um setor de organização. Na abordagem SIAL a referencia ao território e às culturas alimentares locais constituem um elemento central, pois visa o estudo das relações homem/produto/território.

Reforçando o que foi dito anteriormente, revela-se a pertinência da abordagem territorial para entender esse processo de ativação de recursos por meio de organização coletiva. Corroborando com Cazella et al. (2009, p. 47) a noção polissêmica de território apresenta-se como:

 Instrumento de análise: o território é uma construção fruto da mobilização e organização de atores sociais em torno de projetos coletivos naquele espaço – no caso o projeto de IG –, que usam recursos materiais e imateriais;

 Unidade de observação: descomposto em (1) territórios “dados” a partir de lógicas distintas (organizações sociais ou políticas públicas), sem valor acrescentado, no interior dos quais se manifestam (2) territórios “construídos”, produto de um processo de busca de melhoria, expressando os jogos coletivos dos atores neles presentes – a partir das noções definidas por Pecqueur (2005)40.

Privilegiar um desenvolvimento territorial supõe utilizar o território como um meio, um potencial para impulsionar as ações, as coordenações entre atores e, finalmente, uma organização social local particular apta a criar novos ativos territoriais (ANDRIEU, 2004). Nesta mesma ótica, Cazella et al (2009, p. 60) delimitaram duas categorias analíticas centrais:

 Os projetos coletivos que constituem arranjos de atores sociais e/ou institucionais em torno de objetivos e recursos compartilhados que intervêm sobre os territórios dados.

 As dinâmicas territoriais que são as traduções, espacial e temporal, das repercussões nas diversas dimensões das ações dos atores e das relações entre eles.

Portanto, um modelo de desenvolvimento desse tipo nos parece apropriado para entender os processos evolutivos de uma IG, baseando-se na utilização de proximidade (geográfica e institucional) para entender e explicar as dinâmicas entre os atores do território.

2.2.3. A Indicação Geográfica, desenvolvimento territorial e Cesta de Bens e Serviços