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A Indicação Geográfica, desenvolvimento territorial e Cesta de Bens e Serviços Territoriais

2. O TEMA E SEUS CONCEITOS:

2.2. E NFOQUE DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E DA M ULTIFUNCIONALIDADE DA

2.2.3. A Indicação Geográfica, desenvolvimento territorial e Cesta de Bens e Serviços Territoriais

Embora o dispositivo de IG não tenha sido concebido para contemplar o desenvolvimento territorial, elas tendem a contribuir para o desenvolvimento de novas formas de organização dos territórios (VELLOSO, 2008). De fato, vários estudos vinculam ambos os conceitos, uma vez que as IGs constituem um instrumento de valorização de bens e recursos territorialmente distinguidos (NIEDERLE, 2009). O território em construção, no qual se insere o dispositivo de valorização de origem, se baseia nas interações entre os atores sociais implicados de perto ou de longe com o mecanismo. Consequentemente, as transformações que resultam desses novos arranjos vão atingir até mesmo os demais incluídos no território que não participam diretamente da IG. Porém, em que medida essas mudanças podem tornar a IG instrumento de desenvolvimento territorial?

A word of caution is, however, needed. The mere fact of developing a GI for a product does not guarantee automatic success or development for the region. For GIs to

40 Essa decomposição do território remete à nossa abordagem metodológica (figura 2), a qual visa confrontar o território

“construído” pelo agrupamento dos atores em torno do dispositivo IG (tendo por centro as associações de produtores) que se encontra no território dado que abrange a totalidade da população de produtores de queijos artesanais na microrregião da Canastra.

contribute to development, several conditions must be present in the region and in the way in which the specific GI scheme is designed 41(WIPO, 2017, p. 17).

Em muitas situações, tem-se demonstrado que [a IG] pode ser um instrumento de mercado e/ou de desenvolvimento rural relevante, oferecendo novas oportunidades para as regiões rurais. Entretanto, os efeitos das IG no desenvolvimento rural não são automáticos ou determinados previamente; eles dependem de vários elementos internos ao sistema de IG, assim como de vários fatores externos, sendo o mais importante o apoio do quadro institucional [...] (BRASIL, 2010, p. 49).

Assim, corroborando com Cerdan (2009), a identificação da origem no Brasil não parece, a priori, um instrumento para implementar processo de desenvolvimento territorial, pois a estrutura institucional que enquadra as IGs enfrenta uma série de limitações como já descrevemos. Já no âmbito da Política Agrícola Comuna (PAC) na UE o mecanismo de valorização da origem é visto como propício a fomentar políticas de desenvolvimento com enfoque territorial. Em alguns países, como França, Itália, Espanha e Portugal, a proteção do patrimônio alimentar com as IGs é estratégica, tendo um importante papel na reestruturação da política agrícola e alimentar, que cada vez mais vem redirecionando sua produção voltada para o conceito de qualidade a partir da origem (BRABET; PALLET, 2005). Para chegar à especificação de produtos, ou seja, à ativação de recursos, os governos têm investido em um conjunto de selos, entre eles as IGP e DOP. De fato, no mercado IG da UE, essa estratégia se traduziu na valorização do produto por meio da agregação de valor. De acordo com o relatório do Fundo Europeu, estima-se que esses bens são comercializados, em média, por um valor de 2,33 vezes maior que produtos similares sem selo (CHEVER et al., 2012).

De acordo com Allaire (2008), de modo geral, as IGs na Europa iniciaram a partir de produtos tidos como produtos de luxo. Contudo, as estratégias de valorização desse tipo podem representar uma oportunidade para os agricultores e territórios rurais mais marginalizados. É o que acontece, entre outros casos, nas áreas de agricultura de montanha – mais marginalizadas – na França (Massif Central, Alpes, Pyrénées), em especial com a produção de queijos, onde se demonstrou que a IG representa uma alternativa para o desenvolvimento desta agricultura e deste território menos favorecido. Desta forma, o próprio território se torna um ativo específico, como aponta Ray (1998), que indica que pode se usar justamente esta imagem para promover determinados produtos a fim de atingir certo grupo de consumidores.

De fato, a valorização da origem tem feito com que os produtos com IG assumam um papel estratégico no mercado agroalimentar europeu, pois expressam dinâmicas socioeconômicas capazes de induzir processos de desenvolvimento territorial. No entanto, se no âmbito do mercado europeu é incontestável a capacidade das IG’s em criar valor agregado, o mesmo não é evidente nos países em desenvolvimento (VAN DE KOP; SAUTIER; GERZ, 2006). No Brasil, isto tem despertado entusiasmo para o dispositivo, como demonstra o aumento significativo do número de registro nesses últimos anos. Há a expectativa que as IGs por criar um mercado exclusivo de monopólio, via especificação ou ativação de recursos, possam induzir também processos de desenvolvimento territorial, pois possibilitariam agregação de valor ao produto e ao território de forma geral (CRUZ; HESPANHOL, 2018).

Na sua revisão bibliográfica, Niederle (2009) apontou alguns argumentos frequentemente discriminados sobre o potencial das IGs enquanto ferramenta de desenvolvimento territorial rural, entre eles:

(...) estímulo à ação cooperada; valorização dos produtos locais; proteção dos produtores contra competição desleal; agregação de valor e aumento da renda dos produtores; valorização dos conhecimentos tradicionais; competitividade e ampliação dos mercados;

41 Uma palavra de cautela é, no entanto, necessária. O simples fato de desenvolver uma IG para um produto não garante sucesso

ou desenvolvimento automático para a região. Para as IGs contribuírem para o desenvolvimento, várias condições devem estar presentes na região e na maneira que o estabelecimento específico da IG é projetado (Tradução do autor).

valorização econômica das propriedades rurais; preservação da biodiversidade; estimulo à multifuncionalidade do meio rural; transformação das áreas rurais em local de consumo; crescimento de serviços associados ao turismo (NIEDERLE, 2009, p. 7).

No entanto, o autor enfatiza que a ligação entre IG e impactos territoriais proporcionados por projetos deste modo de valorização dos produtos não é tão evidente. Embora diversos estudos têm focalizado dimensões particulares, poucos revelaram as ligações específicas entre ambos os conceitos. Limitados aos impactos potenciais, esses trabalhos se baseiam mais em função de resultados em outros países – sobretudo europeu – do que a partir de dados corroborando estes impactos no caso brasileiro. As tentativas de generalização de um território para outro, portanto, raramente são válidas, pois têm embasamento empírico o que restringe possíveis conclusões claras sobre o papel das IGs brasileiras no desenvolvimento territorial.

Logo, percebe-se que na maioria dos casos a agregação de valor na cadeia produtiva e acesso aos mercados são as duas dimensões em destaque enquanto mecanismos propulsores do desenvolvimento associados às IGs. É nítido que a contribuição primária dessas últimas consiste em incrementar a renda dos produtores envolvidos, seja por meio do aumento no preço dos produtos oferecidos, do aumento do volume de vendas ou da conquista de novos mercados. Todavia, neste caso a análise do desenvolvimento se foca somente na dimensão econômica, o que acaba limitando o espectro de ações possíveis da IG.

Como definir o sucesso de uma IG em cumprir objetivos de desenvolvimento territorial? Então se revela o quanto difícil é mensurar o sucesso, uma vez que depende dos objetivos dos atores envolvidos, os quais podem ser os mais diversos e não necessariamente econômicos. Frente à dificuldade de definir indicadores ou meios de verificação claros, é necessário delimitar de forma normativa as dimensões a partir das quais se pode avaliar o impacto das IGs (SYLVANDER, 2003). Nesse sentido, além da dimensão que considera a IG enquanto instrumento de agregação de valor e acesso a mercados, Niederle (2009) ressalta os aspectos ligados à associação entre o dispositivo e arranjos produtivos locais, sublinhando variáveis como a formação de redes de cooperação, confiança e empreendedorismo para analisar o sucesso da ferramenta. Desta forma, trata-se de considerar tal potencial do instrumento que possibilitaria a exploração de ativos intangíveis de difícil transposição para outros territórios, uma vez que torna mais complexo a especificação e reforça a ancoragem do dispositivo (PINTO VIEIRA; PELLIN, 2015).

Após o registro de uma IG, podem surgir outras atividades complementares com as quais a primeira pode estabelecer relações, mesmo que esses outros segmentos não possuem ligação direta com o produto reconhecido. Tal consequência pode fortalecer atividades importantes, gerando cooperação e troca em vista a geração de emprego e renda local para o território (PINTO VIEIRA; PELLIN, 2015). Essa sinergia foi conceituada por Pecqueur (2001) como “Cesta de Bens e Serviços Territoriais” (CBST). Segundo o pesquisador, o modelo combina as características da oferta de bens e aquelas de produtos de qualidade ancorados em um terroir como os produtos beneficiando de IG. Logo, o foco da CBST visa articulação de ações mercantis e não mercantis entre atores territoriais – públicos, privados e associativos – com o propósito de criar uma oferta composta e heterogênea de recursos territoriais específicos ancorados territorialmente. Pecqueur (2001) emite uma crítica às IGs, uma vez que as suas estratégias de promoção são paralelas, mas não valorizam horizontalmente o conjunto do território, e cada produto apoia-se numa imagem do lugar que não é sempre coerente com aquela do outro. Surge, então, a hipótese da cesta de bens com a ideia de articular os modos de valorização de diversos produtos em torno de uma construção cognitiva à escala territorial conjunta. Logo, um exemplo “tipo” dessa articulação se forma com as atividades voltadas ao turismo. Esse tema constitui o objeto de uma literatura emergente, que se concentra na interface entre o uso de marcas coletivas, as

produções de origem e o desenvolvimento de atividades relacionadas ao turismo (CROUZOULON; QUEIROZ, 2017; PINTO VIEIRA; PELLIN, 2015). Segundo Nascimento et al. (2012, p. 380):

A aliança entre turismo e Indicação Geográfica propicia o reconhecimento de culturas tradicionais, a valorização da gastronomia típica, produção sustentável de alimentos, proteção dos manuseios artesanal e cultural. É uma união que, ao mesmo tempo, fortalece o turismo interno no País e gera renda, agregando valor às atividades agrícolas, artesanais e agroindustriais, colaborando com a preservação do patrimônio natural e cultural (2012, p. 380).

A relação intrínseca descrita entre turismo e IG prevê certo desenvolvimento do território garantido em relação a quase todas as dimensões possíveis – econômica, cultural e ambiental. A integração dessas duas estratégias de desenvolvimento revela potenciais provavelmente superestimados, assim como descrevemos num artigo anterior (CROUZOULON; QUEIROZ, 2017). De forma mais moderada, podemos afirmar que a IG, na ótica da criação de CBST, pode despertar o crescimento de outros setores, de forma articulada. Pode até se dizer que tal integração com os demais setores da economia local é necessária, uma vez que o dispositivo gera mais benefícios indiretos do que diretos (MAIORKI; DALLABRIDA, 2015). Nesse sentido, o primeiro passo do registro e implementação de uma IG é a união de pessoas em torno de um objetivo coletivo. Abranger outras atividades permite, portanto, integrar de forma intersetorial os atores numa governança territorial conjunta, articulação privados, públicos e atores associativos, a fim de maximizar as oportunidades de desenvolvimento territorial por meio da criação de CBST, como resumido na figura 13 em seguida.

Figura 13. Cesta de Bens e Serviços Territoriais