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O artigo 11 do Acordo Brasil-Santa Sé em meio a posições divergentes

No documento giselidopradosiqueira (páginas 100-113)

CAPÍTULO 2 A REGULAMENTAÇÃO DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL

4. O artigo 11 do Acordo Brasil-Santa Sé em meio a posições divergentes

O Acordo assinado entre o Brasil e a Santa Sé, em 13 de novembro de 2008,118833 entrando em vigor pelo Decreto nº 7.107 de 2010, do Presidente da República, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, foi publicado no Diário Oficial da União em 12 de fevereiro de 2010184 e visa à consolidação da atuação da Igreja Católica no Brasil, consolidando o seu estatuto jurídico. Desta forma, além da liberdade para a realização de seus trabalhos pastorais, reconhece os títulos de estudo, autoriza o ensino religioso nas escolas públicas, valida o casamento religioso e as sentenças eclesiásticas acerca do matrimônio, além de definir questões fiscais de interesse da instituição eclesiástica. Outras questões são tratadas, ao longo do texto, em 20 artigos.

O ponto mais delicado do referido tratado jurídico é, sem dúvida, o artigo que garante o ensino religioso nas escolas da rede pública, o qual merece destaque por suas implicações sociopolíticas e culturais na sociedade brasileira. Trata-se de um momento histórico cujos fatos se constroem por uma sucessão de posicionamentos de favoráveis e contrários ao próprio acordo e especificamente ao conteúdo do referido artigo 11, ações jurídicas, formação de grupos de atuação nacional, mobilização de parlamentares, publicações dos mais diversificados setores interessados no desfecho de uma problemática que se instalou no país nos três últimos anos.

A posição da Igreja Católica, maior interessada na celebração do Acordo

A primeira instituição a emitir pronunciamento sobre o Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé foi a CNBB, em nota divulgada por sua presidência no dia em que foi firmado o referido tratado, trazendo os seguintes esclarecimentos:

O Acordo firmado nesta quinta-feira, 13 de novembro, em Roma, entre a Santa Sé e a República Federativa do Brasil, responde a uma exigência de natureza jurídica da Igreja e recolhe, num único texto, o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil.

Sempre presente na história do povo brasileiro, a Igreja Católica é reconhecida em sua personalidade jurídica pela doutrina e jurisprudência brasileiras desde a

183

Cf. Anexo F. 184

Proclamação da República. O Acordo, solicitado há alguns anos pela CNBB, vem, portanto, consolidar e formalizar esta situação já existente, dirimindo dúvidas de interpretação que ocorrem com certa freqüência em casos como os de personalidade jurídica de dioceses, paróquias e outras instituições eclesiásticas. [...] Este Acordo não concede privilégios à Igreja Católica nem faz nenhuma discriminação com relação às outras confissões religiosas. Cada um de seus artigos respeita o ordenamento jurídico estabelecido pela Constituição Federal e demais leis brasileiras, bem como a paridade de tratamento a outras entidades de idêntica natureza, quer sejam de caráter religioso, filantrópico, de assistência social, de ensino e outras, excluindo-se, portanto, qualquer possibilidade de discriminação entre elas.185

Nota-se o cuidado da Presidência da CNBB em preparar não só a sociedade brasileira para receber a notícia, como o seu próprio público interno, a começar pelo Episcopado e o povo católico, uma vez que os encaminhamentos para o referido ato foram realizados de forma reservada, sem acompanhamento externo, pois se restringiram aos órgãos de assessoria de ambos os Estados e às autoridades responsáveis.

Alguns membros do Episcopado emitiram esclarecimentos, como o que se segue, sobre princípios contemplados no texto do Acordo e que têm dado margem a dupla interpretação, principalmente em se tratando da laicidade e da liberdade religiosa.

O ponto de partida para a assinatura e ratificação do Acordo Brasil e Santa Sé é o propósito fundamental de reunir em um único instrumento jurídico as situações existentes “de iure” e “de facto”, e consolidar os múltiplos aspectos dessas relações. Essa consolidação de relações, em se considerando a presença importante da Igreja Católica na Sociedade Brasileira, por meio do Acordo, é uma garantia legal e de respeito bilateral integral. De tal maneira que se respeite o peso histórico desta Instituição e seja adequado o tratamento da sua relevante atuação a serviço da sociedade e do bem integral da pessoa humana. É importante o correto entendimento acerca da não-violação da laicidade e da neutralidade do Acordo entre Brasil e Santa Sé. Quando se fala de Estado laico não se pode entender um estado contrário à religião.186

Nem todos os setores do Episcopado concordaram com a redação do artigo 11 do Acordo, pois traz um enunciado que reativa polêmicas desnecessárias e desgastantes para os setores envolvidos na questão, uma vez que a reflexão sobre o tema havia tomado outra

185

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Presidência. Nota sobre o Acordo entre a Santa Sé e o Estado Brasileiro. Brasília DF, 13 jan. 2008. Disponível em: <http://www.cnbb.org.br/site/imprensa/sala- de-imprensa/notas-e-declaracoes/1427-nota-da-cnbb-sobre-o-acordo-entre-a-santa-se-e-o-estado-brasileiro>. Acesso em: 20 nov. 2008.

186

AZEVEDO, Dom Walmor Oliveira de. Uma decisão para a Câmara. In: Artigo dos Bispos, CNBB. 26 jun. 2009. Disponível em: <http://www.catedralsaojose.org.br/catedral2011/reflexao/3055-uma-decisao-para-a- camara.html>. Acesso em: 08 ago. 2010.

direção no Brasil há mais de 30 anos. As dificuldades presentes na organização e na prática do ensino religioso nas escolas da rede pública corriam o risco de se agravar, trazendo prejuízo para educandos e para a comunidade educativa como um todo. A manifestação do Bispo de referência do Ensino Religioso na CNBB foi dirigida à Nunciatura Apostólica. Obteve resposta e, pela segunda vez, se dirigiu ao Núncio com a intenção de evitar maiores dificuldades, até mesmo para a própria aprovação do Acordo. Eis alguns trechos de sua carta, divulgada posteriormente.

[...] Estou convicto de minha responsabilidade eclesial e do espírito de colegialidade assumido cada dia de minha vida episcopal. Contudo, julgo difícil “um consenso geral e uma posição comum sobre o Ensino Religioso como é proposto no “Acordo - Santa Sé e Brasil”- art. 11.

Se os Bispos querem estar em comunhão com o Santo Padre e as Orientações da Santa Sé, a Igreja não é constituída somente por eles. Existe um Povo de Deus, uma plêiade de batizados, leigos ou não, aos quais devemos servir, pois, “o nosso ministério ordenado está a serviço do Sacerdócio comum dos fiéis.” (LG. 10). E uma tarefa básica do nosso ministério pastoral é contribuir para a edificação da comunidade cristã, toda ela missionária, onde os fiéis leigos possam alcançar a maturidade cristã (PO 6) e tenham a liberdade de ação e de iniciativa (PO 9). Realmente o assunto é muitíssimo delicado e se chegar a um debate público não sei o que poderá acontecer. As conseqüências são imprevisíveis.

Vivemos num País, de dimensão continental e que existem nele modalidades diferentes e diversificadas de Ensino Religioso Escolar. As diferenças de suas realidades históricas e culturais não podem ser descuradas e sim consideradas, ponderadas, avaliadas.

[...] O Ensino Religioso Escolar foi pensado “não a partir de um zelo catequético tradicional, mas a partir da Escola na sociedade pluralista”, tendo em mente, antes de tudo, a Escola da rede oficial. Não se tratava e nem se trata de um ensino abstrato, indefinido, mas qualificado e valorizado, com objetivo definido.

O critério de identidade/ diferenciação dos modelos de Ensino Religioso sempre foi e deve ser não o tema em si, mas o modo como ele é enfocado em vista aos objetivos propostos.

[...] A compreensão do Ensino Religioso Escolar com a nova redação, Lei 9475/97, tornaram-se evidentes os critérios estabelecidos no seu texto; desafiaram e desafiam a construção de outros olhares, de outras leituras e de outros encaminhamentos a esta disciplina e conseqüente busca de outros espaços e lugares para a formação de docentes a essa área de conhecimento.187

Outros artigos da parte de setores do Episcopado foram publicados, com a intenção de dirimir dúvidas. A Arquidiocese de Porto Alegre chegou a divulgar um livreto para informações e orientações aos fiéis sobre o referido Acordo.

187

VELOSO, Dom Eurico dos Santos. Carta dirigida ao Sr. Dom Lorenzo Baldisseri, Núncio Apostólico,. Juiz de Fora, 10 de dezembro de 2008.

Em âmbito nacional, no mesmo dia em que foi divulgada a notícia da celebração do Acordo em Roma, a CNBB encaminhou a todo o Episcopado e assessores da instituição uma Cartilha188 elaborada sob a orientação da própria Nunciatura, para comprovar a validade do ato e esclarecer sobre o conteúdo dos 20 artigos do Acordo, em comparação com as leis em vigor no Brasil.

A posição de parlamentares contrários ao Acordo, com destaque do artigo 11

Alguns pronunciamentos de parlamentares contrários ao ato realizado entre dois Estados soberanos revelam a indignação de boa parte dos representantes do povo, principalmente da bancada evangélica e dos defensores da laicidade do Estado pela ótica da separação irrestrita, sem considerar o princípio da colaboração recíproca. Dentre outros, destaca-se parte de um dos discursos do deputado Pastor Pedro Ribeiro:

Conforme prometi no dia 17 de novembro do ano passado quando ocupei esta tribuna para um breve pronunciamento sobre o Acordo entre a Republica Federativa do Brasil e a Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, volto a usá-la hoje para marcar posição contra esse acordo — repito, contra esse acordo — que fere frontalmente a soberania nacional. Ao mesmo tempo, Sr. Presidente, convoco a Nação brasileira, que desde 1890 deixou de ter uma religião oficial para expressar-se livremente no contexto religioso, com a mais ampla liberdade de consciência e crença nos ideais outorgados por Rui Barbosa, para formarmos trincheiras — trincheiras democráticas, é óbvio — no sentido de evitar que os nossos primados constitucionais e infraconstitucionais sejam relegados, ignorados e até pisoteados, não apenas pelas ousadas pretensões da Igreja Católica Apostólica Romana, que planeja voltar a dominar religiosa e socialmente a Nação, fazendo-nos retroagir ao regime do Padroado à época do Brasil Império, mas também pelo Governo brasileiro, que se deslocou em comitiva ao Estado do Vaticano, tão-somente para assinar o acordo do retrocesso, da submissão e do desrespeito ao Estado laico brasileiro.

O que houve com o Presidente Lula, seus Ministros, seus Secretários e suas respectivas assessorias jurídicas? Dizer que eles não sabem o que fizeram ou o que estão fazendo seria desrespeitar a inteligência e o preparo intelectual deles. Porém, admitir e aceitar tal ato seria estultícia da minha parte e da Nação livre dos cativeiros religiosos e retrógrados que sofreu este País.Você pode me perguntar: o que há de tão inaceitável nesse acordo entre a Nação brasileira e o Vaticano? Tudo é inaceitável, até a intenção, pelas sutilezas insanas de seus idealizadores.189

188

Cf. Anexo, I. 189

BRASIL. Câmara dos Deputados – DETAQ. Pastor Pedro Ribeiro. Sessão: 050.3.53 de 26 de mar. de 2009. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/sitaqweb/discursodireto.asp?nuSessao=050.3.53>. Acesso em: 20 set. 2010.

Ao se referir explicitamente ao ensino religioso, o mesmo deputado faz uma longa preleção da qual se destaca o seguinte trecho:

Aqui na minha preleção, na minha fala, eu não incluí o artigo que trata do direito que a Igreja Católica adquire por esse acordo: ensinar a sua religião nas escolas, de modo facultativo. Aí, no final, fala das outras religiões. Ora, se a Igreja Católica é grandíssima maioria e é explícito que ela poderá ensinar os seus dogmas, a sua forma de passar o Evangelho, certamente, vai dominar as classes. Então, é temeridade. Além disso, a forma de se ministrar o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras já está explicitado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Essa lei deixa clara a pluralidade religiosa existente em nossa sociedade. O ensino religioso nas escolas não está definido como sendo apenas de cunho cristão. Diz a lei apenas religioso.

Mas o que prende a minha atenção nesse acordo, Sr. Presidente, é, primeiro: se o ensino religioso já está autorizado pela LDB, qual seria, então, a verdadeira intenção do Vaticano ao incluir nele o ensino religioso?190

A aprovação do Acordo na Câmara dos Deputados, com apoio dos favoráveis

Tramitando no Congresso Nacional por alguns meses, entre favoráveis e contrários a sua homologação, foi finalmente aprovado, em sessão extraordinária em 27 de agosto de 2009, o acordo do Brasil com a Santa Sé sobre o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, após um debate de mais de três horas que tomou conta da Câmara de Deputados.

Os relatores das duas primeiras votaram favoravelmente ao acordo na íntegra. Já o deputado Chico Abreu (PR-GO), relator da Comissão para Educação, aprovou o acordo propondo a supressão do termo “católico e de outras confissões religiosas”, contido no parágrafo único do artigo 11, sobre o ensino religioso nas escolas. A proposta gerou uma acirrada discussão quando vários parlamentares se manifestaram afirmando não ser permitido à Câmara alterar acordos bilaterais firmados entre dois estados. Seguindo proposta do presidente da Câmara, o relator modificou seu parecer apenas recomendando a supressão do termo. (...) Antes de ir a plenário na Câmara, o acordo já havia sido apreciado e aprovado pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional. ‘O texto não estabelece nenhum privilégio para a Igreja Católica, mas apenas fixa normas que podem ser consideradas de interesse de todas as religiões’, disse o deputado Bonifácio Andrada, relator da Comissão.191

190

BRASIL. Câmara dos Deputados – DETAQ. Pastor Pedro Ribeiro. Sessão: 050.3.53 de 26 de mar. de 2009. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/sitaqweb/discursodireto.asp?nuSessao=050.3.53>. Acesso em: 20 set. 2010.

191

BRASIL. Câmara dos Deputados. Texto de aprovação de acordo do Brasil com a Santa Sé. Disponível em: <http:/www.cnbb.org.br/ns/modules/news/article.php?storyid=2073>. Acesso em: 20 set. 2010.

Em contrapartida, a bancada evangélica levou a cabo sua reivindicação sobre a Lei Geral das Religiões, de autoria do deputado George Hilton (PP-MG), o Projeto de Lei 5.598/09, que regulamenta o direito constitucional de livre exercício de crença e cultos religiosos.

Em votação simbólica, a Câmara aprovou, primeiro, o Projeto de Decreto Legislativo relativo ao acordo entre o Brasil e o Vaticano - assinado em novembro de 2008 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Papa Bento XVI , que cria o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. Entre outros pontos, o documento institui o ensino religioso facultativo nas escolas públicas de ensino fundamental e prevê a manutenção de bens culturais da Igreja Católica pelo Estado. Por pressão da bancada evangélica, na mesma sessão foi aprovado projeto de lei que estende a todas as religiões diversos benefícios fixados à Igreja Católica no acordo do Vaticano. A proposta, que estabelece o direito constitucional de livre exercício de crença e cultos religiosos, é de autoria do deputado George Hilton (PPMG) e recebeu substitutivo do relator, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).192

Paralelamente ao Projeto de Lei do Acordo, o referido Projeto do deputado George Hilton tramitou pelo Congresso e obteve aprovação na mesma noite, logo após o Acordo, ambos para seguirem para o Senado em regime de urgência.

Para permitir a votação ontem, os líderes partidários fecharam um acordo com os evangélicos no sentido de aprovar um projeto de lei do deputado George Hilton (PP-MG), que é evangélico. O projeto dispõe sobre as garantias e direitos fundamentais ao livre exercício da crença e dos cultos religiosos. O projeto também foi aprovado pouco antes da meia noite.193

A posição de intelectuais do meio acadêmico contrários ao Acordo

Fortalece-se esse discurso também no meio acadêmico, entre representantes de importantes universidades do país, que demonstraram certa indignação com a divulgação do “Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil”. A maioria deles ressaltou que esse acontecimento contraria avanços históricos, sem garantir a ampla discussão que a questão merecia no que diz respeito

192

ULHÔA, Raquel. Acordo com Vaticano sob contestação. 28 ago. 2009. Disponível em: <www.nepp- dh.ufrj.br/ole/comentario3.pdf>. Acesso em: 19 dez. 2009.

193

às trajetórias tanto do ensino religioso como do Estado democrático e de direito, que custaram valiosas vidas e muitos anos de luta.

Representantes do universo acadêmico brasileiro têm sido porta-vozes dos intelectuais brasileiros que integram o grupo da corrente defensora do Estado laico, segundo a concepção de laicidade fundamentada em argumentos filosóficos que sustentam o princípio da separação entre Estado e Igreja, de acordo com a visão francesa de Estado republicano. Vale retomar aspectos do discurso da Professora Roseli Fischmann:

Tema que tem estado presente na vida nacional desde o início do regime republicano no Brasil, embora nem sempre de forma evidente, a relevância do caráter laico do Estado eclodiu com grande visibilidade pública e impacto sobretudo nas últimas décadas, indo para o centro do debate político com a visita ao país do papa Bento XVI, em maio de 2007. A afirmativa do presidente Luís Inácio Lula da Silva, frente ao papa, de que não assinaria o acordo bilateral ou concordata, como pretendia a Santa Sé, por ser o Brasil um Estado laico, colocou os holofotes sobre uma questão tão relevante quanto sensível e muitas vezes mal compreendida.194

Entre as inúmeras exposições da referida professora, podemos destacar uma dentre as ligadas a sua atuação no campo da pesquisa que realiza em relação aos temas: políticas públicas de educação; pluralidade cultural; laicidade do Estado e educação; discriminação, preconceito, estigma; e defesa da liberdade de consciência e defesa/promoção dos direitos de minorias; ensino religioso nas escolas públicas e Estado laico, e outros.

O próprio sigilo com quem foram tratados os termos do acordo indica o peso que a Igreja Católica já tem por si, sem precisar ainda buscar mais instrumentos de reforço desse poderio. Quem necessita de instrumentos de proteção e promoção são as minorias religiosas, como estabelecido pela Declaração Internacional dos Direitos das Minorias Nacionais, Religiosas, Étnicas, Culturais e Lingüísticas da ONU, da qual o Brasil é signatário – e não de se sentirem humilhados pelo Poder Público, e acuados em seu direito à liberdade de consciência, de crença e de culto.195

194

FISCHMANN, Roseli. Ciência, Tolerância e Estado Laico. Ciência e Cultura, São Paulo, vol. 60, n.spe1, jul. 2008. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009- 67252008000500006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 14 set. 2008.

195

Idem. Laicidade ameaçada, democracia desprezada: Acordo Brasil-Vaticano. Jornal da Ciência, [S.l.], 29 mar. 2010. Disponível em: <http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=60450>. Acesso em 29 mar. 2010.

Os debates em torno do Acordo voltaram a inflamar os meios intelectuais, educacionais, políticos e religiosos. A presença de acusações publicadas na imprensa brasileira denuncia que a pouca divulgação do Acordo nos principais meios de comunicação nacional faz parte de ‘outros acordos’ políticos que iriam favorecer sua aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado Nacional.

Nem a poderosa mídia eletrônica evangélica protestará porque não está interessada no ensino religioso. O que ela deseja é continuar distribuindo aos seus deputados mais e mais concessões de radiodifusão. Esta é a forma que o governo gerencia o seu laicismo: oferece vantagens às confissões majoritárias e não se importa em atropelar o espírito e a letra da Carta Magna.196

Posicionamentos de setores favoráveis e contrários entram na pauta dos debates da sociedade brasileira em torno das ações que interferem no sistema escolar brasileiro com a questão do ensino religioso que chega ao clímax dos conflitos acirrados pelo artigo 11 do Acordo, como também em relação à Lei Geral das Religiões. Gonçalves ressalta:

Há diferentes nuances no tratamento para o ensino religioso. As duas propostas asseguram que a disciplina, de matrícula facultativa, deve figurar ‘nos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental’. Mas o Acordo prevê o ensino de uma religião específica, escolhida pelos pais da criança. ‘No projeto de lei, o ensino religioso não está associado a um credo’, afirma o autor do projeto, deputado George Hilton (PPMG).197

Um consenso dos diferentes segmentos da sociedade em relação à proposição do artigo 11 do Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé e da Lei Geral das Religiões está longe de ocorrer. Uma sucessão de opiniões defende concepções de ensino

No documento giselidopradosiqueira (páginas 100-113)