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Ensino religioso e contribuições na formação do ser

No documento giselidopradosiqueira (páginas 175-188)

PARTE II FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS E METODOLÓGICOS DO ENSINO RELIGIOSO COMO ÁREA DO CONHECIMENTO

CAPÍTULO 2 DAS EXPERIÊNCIAS SIGNIFICATIVAS AOS FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS

3. Ensino religioso e contribuições na formação do ser

A educação tem sua razão de ser nos educandos. E as novas diretrizes curriculares nacionais gerais para educação básica destacam que essa razão é “pessoa em formação na sua essência humana”.341

O processo de desenvolvimento do ser envolve perguntas e respostas relacionadas ao conhecimento, ao prazer, ao sentido da vida, que tem origem, evolui e se transforma, segundo a concepção de determinadas correntes de pensamento. Ante a possibilidade de ir mais além do que é palpável, exercita a sensibilidade própria de sua condição humana, manifestada pela inquietude que o leva para além de si mesmo.

Uma condição fundamental é que a vida só se tornou possível no interior de comunidades. O organismo humano atua numa ampla escala de atividades, dentro de uma ordem cultural, socialmente determinada. Nossas atividades são impulsionadas por múltiplas necessidades, desde orgânicas até psíquicas. O ser humano é um ser de relações, é agente transformador e não se submete às forças da natureza, mas é capaz de ampliar os limites que ela lhe impõe. Fabricam-se artefatos, mas também criam-se significados: através do conhecimento, indivíduo e comunidade se modificam em níveis cada vez mais complexos.

Nesse intercâmbio de buscas e satisfações, o ser humano vai construindo sua história pessoal, que vai dando sentido à vida e, a partir das experiências, torna-se único. Considera-se que a experiência é algo profundamente humano, da pessoa que a percebe, que passa pela vivência, podendo envolver sentimentos, noções e interpretações. Gruen diz que:

Em nossa vida ocorrem umas tantas situações vividas com especial intensidade e emoção: ser acolhido e valorizado; poder ajudar em momentos de grande necessidade; ser confrontado com intensas alegrias ou dores, como nascimento ou morte, algo de impressionante belo, o impacto de uma comunidade ‘diferente’. São as chamadas ‘vivências’. Pois bem, a vivência refletida e interpretada é que constitui uma experiência. Para podermos elaborar e comunicar nossa experiência, sentimos necessidade de a codificar em palavras, imagens ou gestos; neste sentido,

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também essa codificação pode ser considerada elemento constitutivo da experiência.342

Essa necessidade humana de codificar e decodificar faz parte do sistema simbólico pelo qual se representam as coisas do mundo, pelo qual este mundo é ordenado e recebe significação. Portanto, considera-se o ser humano como ser simbólico e que se move num mundo essencialmente simbólico.

Maduro comenta que a partir das experiências vamos elaborando ‘mapas’ da realidade, enriquecendo nossos conhecimentos que nos servirão para olhar e avaliar nosso meio circunstante, compreendendo sua dimensão simbólica e produzindo novos significados. Assim, experiências diferentes nos levam a conhecimentos diferentes; não apenas a tipos de conhecimentos diferentes, mas também a maneiras diferentes e até contrapostas de compreender e explicar as mesmas realidades.343 Não é possível transferir experiências, mas há possibilidade de colaborarmos para que as pessoas comecem a observar mais o que acontece e assim “interpretar suas vivências, através de um sólido quadro de referências”.344

E, nesse aspecto, o ensino religioso, como área do conhecimento, inspirado nas diretrizes curriculares nacionais gerais para a educação básica e parte da formação básica do cidadão, pode intuir que o objeto do seu conhecimento é o próprio ser humano, sujeito da educação. Diz Figueiredo:

o sujeito começa pelo conhecimento de si mesmo e prossegue com abertura a outras categorias ao redor de si, cada vez mais amplas, como meios sucessivos e relacionados com os demais conhecimentos. Neste sentido, vai da parte ao todo a ordem das coisas, desde o que é mais simples ao que é mais complexo, do que é perceptível no interior e no exterior; porém, além, do mais próximo ao mais distante, o que pode acontecer também na ordem inversa”.345

E acrescenta:

O ensino religioso, além de área de conhecimento, tendo como ferramenta qualificada uma disciplina portadora da matéria que lhe deu origem, ocupa um papel significativo. Faz parte do percurso que tem a escola como lugar privilegiado para a função de mediadora do desenvolvimento integral do sujeito, tendo como

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GRUEN, Wolfgang. Irradiar a Fé Cristã na Sociedade Hoje. Horizonte: Revista do Núcleo de Estudos em Teologia. Belo Horizonte, nº 1, jan/jun 1997, p. 27-38.

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MADURO, Otto. Mapas para a festa: reflexões latino-americanas sobre a crise e o conhecimento. Trad. Ephraim F. Alves. Petrópolis, Vozes, 1994, p. 54.

344

GRUEN, Wolfgang. O Ensino Religioso na escola. Petrópolis, Vozes, 1995, p. 32. 345

FIGUEIREDO, Anísia de Paulo. O Ensino Religioso, uma área de conhecimento no currículo escolar. Belo Horizonte, 2011, p. 17s. (mimeografado).

pilares o sujeito e o objeto do conhecimento, como duas faces de uma mesma moeda. Trata-se do conhecimento do próprio sujeito, portador de um conjunto de suas potencialidades a serem desenvolvidas, inserido em um mundo de manifestações que suscitam seus anseios de saber sobre as mais diversificadas concepções de ser humano e de mundo, com destaque no mistério da vida como um todo. Nesse todo complexo, a espiritualidade é parte de um processo interativo, imprescindível para novos significados, novos conhecimentos, novas buscas das razões de estar no mundo como ser pessoal e socialmente integrado, integrante e integrador.346

Pressupostos que favorecem o reconhecimento do objeto do ensino religioso

O resgate de experiências significativas no ensino religioso possibilitou pensar a identidade dessa área de conhecimento e ao mesmo tempo tornar conhecido de que, nas origens do curso de Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora, havia a intenção de formar professores de ensino religioso para atuar nas escolas. Naquele período, já se evidenciava o ensino religioso de cunho antropológico. Os estudos do Grupo de Trabalho afirmavam: “é tempo de se pensar seriamente na formação de professores de religião, com a possibilidade de ministrarem suas aulas não só numa linha confessional, mas também, como já se advoga e pratica em diversas partes, numa linha religiosa no sentido mais ontológico ou antropológico”.347

A prática citada é atribuída às ideias do Padre Wolfgang Gruen, que narra em entrevista relizada em 2002 sua trajetória ao delinear os pressupostos que embasaram o ensino religioso como educação da religiosidade.

[...] Os anos entre 1967 e 69 foram particularmente fecundos nesse sentido. Em fevereiro de 1967, participei de uma quinzena intensiva de atualização para coordenadores diocesanos de catequese: o destaque foi o assessor da primeira semana, Hugo Assmann. Em julho de 1968, no Rio, tivemos o Encontro Nacional de Catequese, superintensivo, preparação para a Semana Internacional de Catequese, em Medellín, no mês seguinte. Pude participar dos dois eventos. Tanto no Encontro como na Semana Internacional, o homem providencial foi, novamente, o Assmann – já naquele tempo, como ainda hoje, sempre quilômetros à nossa frente. Em setembro, foi o Encontro de Professores de Catequética. Em fevereiro de 1969, discretamente, junto com uns 10 colegas, estivemos uma quinzena com Paulo Freire, exilado em Santiago do Chile, sobre Evangelização pelo Método da conscientização, para agentes de catequese na América Latina. Para encerrar a temporada, em junho de 1969, a notável Semana Internacional de

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FIGUEIREDO, Anísia de Paulo. O Ensino Religioso, uma área de conhecimento no currículo escolar. Belo Horizonte, 2011, p. 18s. (mimeografado).

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA – Grupo de Trabalho. Estudos do Grupo de Trabalho sobre o Curso de Ciências da Religião. Juiz de Fora, 1974. (mimeografado).

Estudo sobre Comunicação e Catequese, em San Antonio, Texas – com 50 pessoas, metade da comunicação, metade da catequese. Foram dois anos e meio fundamentais em minha vida, tanto para a catequese como para o ER. De fato, ao aprofundar a natureza da catequese, percebi claramente que o ER não tinha condição nenhuma de catequizar os alunos; qual seria, então, o seu papel? Era o início consciente da minha mudança de mentalidade a respeito. [...] Mas então, como deveria ser o ER? Era a pergunta que eu me fazia. Aqui entrou em cena um elemento do qual ainda não falei, mas que já estava atuando. Eu recebia com freqüência livros e revistas da Alemanha. Havia material muito bom. Em 1968, Hubertus Halbfas publicou sua Catequética Fundamental (no sentido estrito, de fundamentos da catequética), de amplos horizontes também para o ER. Pude ler e reler o livro naquele mesmo ano. Recebia também, entre outras, a excelente revista mensal Katechetische Blätter (Folhas Catequéticas), para citar só as duas publicações que mais alimentaram minha reflexão. Também na Alemanha tinha estourado o cansaço com o modelo tradicional de aula de religião, e o debate sobre a natureza do ER estava muito vivo. [...] O referencial teórico para descobrir o que o ER é devo-o em boa parte a pensadores alemães. Foi Halbfas que me introduziu a Paul Tillich, autor do livro Die verlorene Dimension. Not und Hoffnung unserer Zeit, de 1962 [A dimensão perdida. Necessidade e esperança de nosso tempo]; com sua conceituação de "religiosidade", acabou fornecendo-me o elo de que eu precisava. Repare o timing: tudo veio na hora certa e até na ordem certa. A partir daquele achado, outras peças do quebra-cabeça foram-se encaixando com incrível facilidade. Depois do conceito de "religiosidade", creio que a mais importante dessas peças tenha sido a da distinção entre linguagem "de dentro" do grupo que professa a mesma fé, e linguagem "de fora", dos que não pertencem a um mesmo grupo: respectivamente, a linguagem da catequese e a do ER. O assunto foi tratado por U. Hemel em sua tese de doutorado "Teoria da Pedagogia Religiosa", em 1984.348

A Universidade Católica de Minas Gerais publicou, em julho de 1978, o subsídio à reflexão intitulado O “Ensino Religioso” na Escola Pública, de autoria de Gruen349

, em que apresenta discussões sobre sua natureza e a proposta de um ensino religioso fundamentado na educação da religiosidade. Gruen destaca que o conceito de religiosidade foi muito importante para a concepção de ensino religioso, que começava a ser gestada, e, seguindo Paul Tillich , diz:

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Trechos retirados da entrevista com o Professor Padre Wolfgang Gruen, na Inspetoria São João Bosco em Belo Horizonte em 13/07/02. A entrevista completa, anexo: Cf. SIQUEIRA, Giseli do Prado. Tensões entre duas propostas de Ensino Religioso: estudo do fenômeno religioso e/ou educação da religiosidade. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) PUC. São Paulo. 2003. Encontram-se também entrevistas realizadas com o mesmo professor nas seguintes pesquisas: JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo, O Ensino Religioso no Brasil: estudo do seu processo de escolarização. 2000. Tese (Doutorado em Educação) Universidade Pontifícia Salesiana. Roma. SILVA, Antonio Francisco da. Idas e vindas do Ensino Religioso em Minas Gerais. A legislação e as contribuições de Wolfgang Gruen. 2001. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) PUC. São Paulo.

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Todo esse contexto é descrito pelo Padre Antonio Francisco da Silva na sua dissertação de Mestrado.

Recomenda-se: SILVA, Antonio Francisco da. Idas e vindas do Ensino Religioso em Minas Gerais. A legislação e as contribuições de Wolfgang Gruen. 2001. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) PUC. São Paulo, capítulo II, p. 57 -69.

Religiosidade é a atitude dinâmica de abertura do homem ao sentido fundamental da sua existência, seja qual for o modo como é percebido este sentido. Não se trata apenas de uma atitude entre muitas: quando presente, a religiosidade está à raiz de todas as dimensões da pessoa; melhor, está à raiz da vida humana na sua totalidade.350

Anteriormente, o autor havia completado este pensamento, ponderando que: “esta abertura ao sentido radical da existência humana será, por isso mesmo, abertura ao transcendente.”351

Gruen demonstra sempre preocupação com aqueles que fizeram opção de negar a existência de Deus, os ateus, que atribuem significado diferente à concepção do Transcendente e do mundo. Assim, Gruen esclarece:

O termo ‘religiosidade’ muitas vezes pode ser adjetivado, por exemplo religiosidade popular, costuma designar manifestações de uma religião, observadas por sociólogos, antropólogos ou psicólogos. Ou então, na linha de Max Scheler (1874-1928) e de Ernst Troeltsch (1865-1923), há quem chame ‘religiosidade’ o elemento comum presente em todas as religiões, a crença em algum Ser Superior. Tal enfoque ‘hagiocêntrico’, porém, não leva em conta as motivações das pessoas; por isso, em geral, seguindo o pensamento de Paul Tillich (1886-1965) e outros, prefere-se hoje algo mais profundo e abrangente, que inclua todos os que vivem de acordo com sua consciência, mesmo que não aceitem nenhum Ser Supremo, nenhuma religião.

O ser humano é histórico, social; por isso, sua religiosidade costuma expressar-se dentro de sistemas formais próprios de seu espaço existencial; constitui-se religião, com seus grupos sociais, símbolos, cultos, preces e ritos, formulações e normas. ‘Costuma’ expressar-se: pois a pessoa pode ser religiosa e não se filiar a nenhuma religião. Da mesma forma, há gente que formalmente se distanciou de sua religião, mas conserva sentimentos, práticas, questionamentos que constituem uma espécie de fundo ativo de sua consciência. É o que foi denominado ‘religião implícita’, por A Nesti e S. Giannoni, uma sede de sentido que os revezes da vida não conseguiram estancar.

A religiosidade pode também ser chamada fé. Mas em sentido amplo. Para a pessoa de fé em sentido estrito, a caminhada de sua vida tem rumo definido; o que ela busca tem nome certo. Assim, o cristão põe no centro de seu projeto de vida seguir a Jesus, presente na comunidade. A meta é o pleno encontro com o Pai. Aqui, trata-se de ‘Transcendência transcendente’, cultivada em nossa história, mas que supera nossas forças e expectativas humanas. Nesse caso, a religiosidade não é substituída pela fé: é por ela iluminada, explicitada, assumida, corroborada. O grupo social que vive esta atitude-raiz constitui uma comunidade de fé.

Em suma: há uma disponibilidade básica, comum às várias religiões e cosmovisões – a todas as pessoas empenhadas em ser real e profundamente humanas (religiosidade); e uma variável, o sistema de respostas (religiões), com abordagem própria das questões da vida, e com novos questionamentos que essas respostas

350

GRUEN, Wolfgang. O Ensino Religioso na Escola Pública. Belo Horizonte. UCMG, 1978. p. 75. 351

suscitam. Disponibilidade e respostas estão em relação dialética; mas a religiosidade é indispensável para a prática da religião autêntica.352

Numa reflexão sobre as contribuições de Gruen ao ensino religioso, Figueiredo nos diz que: “esta ‘atitude religiosa’ natural impulsiona o ser humano ao esforço de superação do limite, à ultrapassagem da imanência à transcendência. É a experiência mais intensa que o ser humano pode vivenciar.”353

Ampliando essa abordagem a mesma autora diz:

A atitude religiosa, portanto, segundo psicólogos, considerada como ‘função psíquica natural’ e, segundo antropólogos, teólogos e sociólogos, como tendência, abertura ao sempre mais, qualidade religiosa da existência, experiência religiosa, até se concretizar numa determinada direção pela religiosidade, não é neutra nem isolada das demais. Depende do ser vivente, pensante, conhecedor, livre, comunicativo, convivente, criativo, cultural, portador de desejos. São dimensões do ser a permitir-lhe uma maior comunhão consigo mesmo, com o outro, com a própria vida, neste caso repleta de sentido, e com o transcendente.354

Cabe aqui ressaltar que Wolfgang Gruen, mineiro de coração, fundamenta-se em Tillich para conceituar religiosidade, e Anísia de Paulo Figueiredo, mineira, busca a compreensão em Dewey, para conceituar atitude religiosa, ou seja, potencialidade a ser desenvolvida a partir de uma sensibilidade natural. Ambos desvinculam “a sensibilidade religiosa natural do ser humano de Religião ou de uma Religião, o que parece ser essencial na compreensão ou reconhecimento do objeto do ensino religioso numa escola pública”.355 Aliás, Figueiredo afirma que Dewey vê a necessidade da emancipação do ‘religioso’ da ‘religião’, ao destacar que: “toda atividade em favor de um objetivo ideal, contra obstáculos e a despeito

352

Verbete: Ensino Religioso. In: PEDROSA, W. M. et. Al. Novo Dicionário de Catequética, São Paulo, Paulus, 2003.

353

Figueiredo na sua pesquisa aponta as contribuições de Wolfgang Gruen no Ensino Religioso e busca seus antecessores para expressar o conceito de religiosidade a partir de Dewey, Jung e Tillich. Cf. FIGUEIREDO, Anísia de Paulo. Realidade, poder, ilusão: um estudo sobre a legalização do Ensino Religioso nas escolas e suas relações conflitivas como disciplina ‘sui generis’, no interior do sistema público de ensino, 1999. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) PUC. São Paulo, p. 204.

354

FIGUEIREDO, Anísia de Paulo. Ensino Religioso em chave de reflexão antropológica. 1º SIMPÓSIO DE ENSINO RELIGIOSO E PASTORADO ESCOLAR. São Leopoldo, s/e. 2001, p. 13.

355

Idem. Realidade, poder, ilusão: um estudo sobre a legalização do Ensino Religioso nas escolas e suas relações conflitivas como disciplina ‘sui generis’, no interior do sistema público de ensino, 1999. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) PUC. São Paulo, p. 189.

de ameaças de prejuízo pessoal, por causa da certeza de seu valor geral e duradouro, é religiosa em qualidade”.356

E Figueiredo acrescenta:

A liberação dos valores religiosos e a sua não identificação com os Credos e Denominações Religiosas, Ritos e Cultos passa a ser para Dewey condição para o desenvolvimento natural da religiosidade. Desta religiosidade que designa de “religioso” compreendida como uma qualidade da experiência pessoal, pertencente ao conjunto das demais experiências por ele classificadas, como estética, científica, moral, política e outras.

‘A atitude religiosa significa algo que está ligado através da imaginação a uma atitude geral. Esta atitude compreensiva, além do mais, é muito mais ampla do que algo indicado pela moral no sentido visual. A qualidade da atitude é exibida na arte, ciência e boa cidadania. [...] Um poder invisível que controla o nosso destino chama-se força de um ideal. Todas as possibilidades enquanto possibilidades são ideais em caráter. O artista, cientista, cidadão, pai, enquanto são movidos pelo espírito de seus chamados, são controlados pelo invisível. Pois todo esforço para melhor é movido pela fé, no que é possível, não pela adesão ao presente’.

A religiosidade pode ser entendida ainda como qualidade existencial do ser humano, enquanto sujeito do desejo, dos sonhos, das aspirações, das angústias, historicamente condicionado a um mundo espiritual, mais potente e aberto para acolhê-lo na sua fragilidade, do que a um mundo dependente do tempo, do espaço e das circunstâncias, em certos aspectos, impotente diante dos seus questionamentos existenciais.357

Há ainda que se acrescentar que a proposta antropológica de Gruen perpassa o viés pedagógico quando não conta com a fé como ponto de partida ou de chegada: não espera respostas ditadas pela fé; não fala a linguagem de determinada religião. Portanto, há uma linguagem própria a ser empregada.

Gruen destaca as categorias de Baudler para distinguir entre linguagem de “dentro”, quando se trata da linguagem interna do grupo, e linguagem de “fora”, quando se trata da linguagem externa ao grupo, como é a do ensino religioso. Essa linguagem é franca, transparente, que leva ao questionamento, que busca interação, diálogo com todos, abertura ao sempre mais, sem fechar-se no seu grupo religioso, mas também sem traí-lo.358

356

Cf. Dewey, John. A Common Faith. New Haven. Yale University Press. 1934, p. 3 apud FIGUEIREDO, Anísia de Paulo. Realidade, poder, ilusão: um estudo sobre a legalização do Ensino Religioso nas escolas e suas relações conflitivas como disciplina ‘sui generis’, no interior do sistema público de ensino, 1999. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) PUC. São Paulo, p. 190.

357

Ibidem, p. 191. 358

Agradeço ao amigo Gruen que me resumiu em português estas colocações de G. Baudler. ULRICH, Hemel. Theorie der Religionspädagogie München, Kaffke, 1984, p. 303-307, com destaque para a nota 259.

A linguagem da religiosidade é uma linguagem adequada ao ambiente escolar, no qual interagem áreas de conhecimento que mantêm um vocabulário próprio, e se interrelacionam em conteúdos, aspectos metodológicos, incluindo recursos materiais, atividades, procedimentos didáticos e processos avaliativos. Uma linguagem rica, que abra espaço para a experiência, que estimule a reflexão sobre a religiosidade e o fenômeno religioso, que favoreça a formação de juízos sinceros diante da veracidade dos fatos; e que possibilite a concepção e vivência dos valores universais. Vale lembrar aqui que o ambiente escolar é enriquecido pela mistura de etnias, pela diversidade de religiões e culturas. Também é marcado por profundas diferenças nos aspectos sociais, econômicos, ideológicos e pelas relações de poder.

Para Gruen, “o Ensino Religioso quer ensinar religiosidade – esta capacidade de ir além da superfície das coisas, acontecimentos, gestos, ritos, normas e formulações, para interpretar toda a realidade em profundidade crescente e atuar na sociedade de modo transformador, libertador”.359

O mesmo autor define a linguagem religiosa como “toda linguagem que exprime tal abertura ao sentido fundamental de sua existência, e ajuda a vivê- la: passa adiante, comunica religiosidade.”360

Portanto, não cabe no ambiente escolar a linguagem da fé de um grupo religioso como única explicação para as questões existenciais, porque os educandos buscam mais, buscam, cada um em seu espaço hermenêutico, o sentido da vida. Isso torna bem claro que o ensino religioso deve estar inserido na realidade e na experiência social do educando, coerente

No documento giselidopradosiqueira (páginas 175-188)