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Artigo 2º do ADCT

No documento Plebiscito (páginas 125-128)

2.2. PLEBISCITO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E NA LEI Nº 9.709/

2.2.4. Artigo 2º do ADCT

O legislador constituinte originário adotou a forma republicana e o sistema presidencialista de governo.351 Contudo, a Constituição de 1988 previu, no artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), plebiscito para fins de consultar o povo brasileiro sobre a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo).

Tal consulta popular seria realizada no dia 7 de setembro de 1993, não fosse a E.C. nº 2/92 a alterá-la para o dia 21 de abril de 1993, aliás, antecipação

349 Mônica de Melo, Plebiscito, Referendo e Iniciativa Popular: mecanismos constitucionais de

participação popular, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 141.

350 Vide item 1.4. (Espécies e efeitos) do presente trabalho.

351 Em artigo elaborado em 1987, portanto, às vésperas da Constituinte de 1988, Raul Machado

Horta ressalta a importância da consulta popular para a escolha do regime de governo: “Estamos vivendo a hora auspiciosa da mudança democrática do regime de governo. Se for esta a tendência majoritária dos que ora se reúnem na Assembléia Nacional Constituinte, seria desejável que os constituintes tomassem a iniciativa de ouvir previamente a Nação, pois, sem a manifestação popular expressa, o novo regime de governo, se aprovado isoladamente nas deliberações da Constituinte, permanecerá exposto à arguição funesta da ilegitimidade.”. (Tendências atuais dos regimes de governo. In: Revista de Informação Legislativa, v. 24, nº 95, pp. 127-140, jul./set. de 1987)

fortemente criticada por alguns doutrinadores352, dentre eles Paulo Bonavides, conforme se pode observar do trecho a seguir destacado:

[...] faz-se mister, pelo relevo que já tem assumido em todas as tribunas onde se debate a reforma constitucional, suscitar outra vez, mas em termos estritamente jurídicos, a questão da antecipação do plebiscito. Seria, ao nosso ver, equivalente a desferir um golpe de Estado, visto que não tem outra qualificação perpetrar tamanha inconstitucionalidade. Fixação da data 7 de setembro de 1993 foi ato do poder constituinte de primeiro grau no exercício de um poder formal juridicamente ilimitado. O estabelecimento do prazo não se fez por mero acaso ou capricho do legislador supremo, com indiferença aos seus efeitos. Na realidade o que ele quis foi dar ao povo uma oportunidade de cinco anos para ponderar, meditar, acompanhar e avaliar a possível eficácia do regime sob a Constituição presidencialista vigente, antes de sujeitá-la a uma revisão profunda de variação do sistema de gorverno. Antecipar o plebiscito é portanto ocasionar gravíssima lesão ao texto magno, tanto do ponto de vista material como formal. Vamos primeiro atravessar, conforme determinou o constituinte de 88, com prudência e sabedoria, os cinco anos da Constituição qual ele a formulou: Constituição necessitada de vasta complementação, esta sim, muito mais urgente que sua reforma precoce e açodada, consoante poderá resultar da proposta antecipatória do plebiscito.353

Um segundo ponto questionável do artigo 2º do ADCT, foi a proposta de escolha entre República e Monaquia, pois, desde a Constituição de 1891, a forma republicana é tida como cláusula pétrea, especificamente, um limite implícito ao poder reformador354. José Carlos Francisco ensina que a República é um dos

aspectos que dão a identidade do texto constitucional e, nesse sentido, representa a essência da Constituição, não passível, assim, de alteração. Assevera o autor:

Diante dos vários limites impostos ao poder reformador, normalmente a forma republicana apareceria como cláusula pétrea expressa, ainda que não arrolada expressamente no texto constitucional. Com efeito, são fartos os argumentos para discutir a classificação da forma republicana como limite implícito ao poder reformador, em decorrência do texto constitucional, especialmente pela separação dos poderes ou o sufrágio universal para a

352 A alteração da data para a realização do plebiscito, contudo, foi aceita pela STF (ADI 829-3/DF,

Relator Min. Moreira Alves, 14/04/1993).

353 Paulo Bonavides, A Reforma Constitucional e o Plebiscito. In: Revista de Informação Legislativa,

v. 29, nº 113, pp. 53- 66, jan./mar. 1992.

354 José Carlos Francisco, Emendas Constitucionais e Limites Flexíveis, Rio de Janeiro: Editora

Forense, 2003, p. 163. Walter Claudius Rothenburg compartilha do mesmo entendimento: “Penso que não é mais cabível a monarquia, pois a forma republicana de governo está garantida como cláusula pétrea (CR 60 § 4º II) [...].”. (Walter Claudius Rothenburg, Direito Constitucional, São Paulo: Verbatim, 2010, p. 89)

escolha dos governantes (expresso no art. 60, § 4º, da Constituição vigente).355

Outro argumento desfavorável ao plebisicito de 1993, foi a impossibilidade prática da combinação entre monarquia e presidencialismo em voto fechado na escolha “sim” ou “não”, contudo, hipótese não impossível “dado o nível de desinformação do povo” 356, conforme afirma Maria Victoria Benevides. Em artigo

desenvolvido pouco tempo antes da realização do referido plebiscito357, a autora destacou duas questões decisivas, a seu ver, para que a consulta popular fosse realizada em devidas codições democráticas: a primeira, relativa à necessidade de se dissociar o plebiscito do poder pessoal do governante, para fins de se assegurar a independência do processo; a segunda, referente à fiscalização da campanha em termos de acesso do povo à informação e à propaganda nos meios de comunicação e em termos de controle sobre o poder econômico. Tanto a primeira questão quanto a segunda foram associadas ao “mau exemplo de 1963”.358

Paulo Lopo Saraiva, coordenador da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB, em debate 359 realizado praticamente um ano antes da realização da consulta plebiscitária de 1993, teceu críticas à antecipação do plebiscito e da revisão constitucional estabelecida pelo artigo 3º do ADCT, justificando-as na falta de informação do povo acerca dos temas da consulta

355 José Carlos Francisco, Emendas Constitucionais e Limites Flexíveis, Rio de Janeiro: Editora

Forense, 2003, p. 163.

356 Maria Victoria Benevides, O plebiscito de 1993 à luz do precedente de 1963. Lua Nova – revista

de cultura e política, São Paulo, nº 28-29, Abr. 1993. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-64451993000100004&script=sci_arttext>. Acesso em 15.set.2011.

357 O artigo O plebiscito de 1993 à luz do precedente de 1963 foi publicado em abril de 1993. 358

“Quanto à primeira questão, trata-se de enfatizar a necessária isenção do Presidente da República na propaganda ou na "condução doutrinária" do plebiscito. Parte-se da premissa de que a intervenção do presidente — através de pressões sobre os órgãos legislativos, sobre a Justiça Eleitoral ou pela manipulação do eleitorado (participação direta nos meios de comunicação, por exemplo) — constitui um grave desvirtuamento do plebiscito, como instituto da soberania popular. Convém lembrar, ademais, que não sendo o plebiscito proposto por iniciativa do governo, mas determinado pela Constituição — como é o caso atual — não cabe ao governo participar da campanha como parte interessada. Essa consideração se impõe porque, na eventualidade de consultas populares convocadas por iniciativa governamental, a tomada de posição do governo torna-se legítima e mesmo oportuna.” (Maria Victoria Benevides, O plebiscito de 1993 à luz do precedente de 1963. Lua Nova. São Paulo, nº 28-29, Abr. 1993. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-64451993000100004&script=sci_arttext>. Acesso em 15.set.2011).

359 Debate realizado em 19/11/1991, na Câmara dos Deputados, na Comissão Especial destinada a

popular, bem como na insegurança jurídica causada pelo não cumprimento dos prazos constitucionais:

[...] os apoiadores da emenda reconhecem a importância do tema e defendem uma maior e melhor preparação do povo para decidir sobre assuntos que configurarão uma nova fase da vida política nacional. Como então antecipar o plebiscito e a revisão, se, como dissemos anteriormente não foi ainda desencadeada a campanha de esclarecimento popular, prevista no art. 2º do ADCT? Como admitir-se a importância de uma decisão desse jaez, quando se luta para que a consulta popular seja efetivada fora do prazo preconizado e estipulado pela Constituição? A nosso sentir, este comportamento conduz-nos a uma contradição incontornável. Ou o plebiscito e a revisão merecem maturação, reflexão, seriedade, na sua conceituação e na sua operacionalidade, ou, partiremos, como de tantas e infelizes vezes, a tentar atropelar os fatos, colocando, sempre, os nossos interesses acima dos interesses da coletividade. Creio não ser este o desejo dos ilustres membros do Congresso Nacional. Entendo que eles, mais do que ninguém, tencionam dar segurança aos princípios e normas constitucionais, cumprindo-lhes os prazos estabelecidos e observando os preceitos que a Carta Magna consagra. Com efeito, não podemos nem devemos admitir que se instaure um clima de falta de segurança jurídico-constitucional, com tentativas reiteradas de emendar a Constituição [...].360

A Lei nº 8.624/93, posteriormente alterada pela Emenda Constitucional nº 2, regulamentou o artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. O artigo 5º da lei e seus quatro parágrafos, dispuseram sobre a necessidade da divulgação do plebiscito e dos assuntos a ele relacionados.

No documento Plebiscito (páginas 125-128)