• Nenhum resultado encontrado

Artigo 14, inciso I da Constituição

No documento Plebiscito (páginas 93-98)

2.2. PLEBISCITO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E NA LEI Nº 9.709/

2.2.1. Artigo 14, inciso I da Constituição

O primeiro dispositivo da Constituição Federal a referir-se ao plebiscito é o artigo 14, inciso I, a seguir transcrito:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I - plebiscito; II – referendo;

III – iniciativa popular.

257 A Lei 9.709, de 18 de novembro de 1998 regulamenta a execução do disposto nos incisos I, II e III

do art. 14 da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.06.2012.

A Constituição Federal de 1988, a “Constituição Cidadã”, assim denominada por Ulysses Guimarães 258, chamou à existência a democracia participativa brasileira, testificando-a em diversos de seus dispositivos. Em seu artigo primeiro, a nossa Lei Maior preconiza que o Brasil é um Estado Democrático de Direito259 e no parágrafo único daquele dispositivo afirma que “todo o poder emana do povo” e que o exercício desse poder compete ao próprio povo, por meio de seus representantes ou diretamente.

A soberania popular expressa no texto constitucional é fundamento do Estado Democrático de Direito260, podendo ser exercida tanto indireta quanto diretamente, o

que resulta em previsão constitucional explícita da chamada “democracia participativa” (gênero do qual é espécie a “democracia semidireta”).

À vista da permissão constitucional, a conjugação entre as democracias direta e representativa, fez surgir a democracia participativa, caracterizada pela manifestação popular direta em determinados momentos da vida política do país. Dalmo de Abreu Dallari destaca a importância desse tipo democrático e declara que

É preciso reconhecer que a participação do povo tem limitações, não podendo abranger todas as decisões dos governos, mas, ao mesmo tempo, é evidente que a participação popular é benéfica para a sociedade, sendo mais uma forma de democracia direta, que pode orientar os governos e os

258 Elisa Helena Lesqueves Galante, Participação Popular no Processo Legislativo. In: Revista da

Faculdade de Direito de Campos, Ano IV, nº 4 e Ano V, nº 5 – 2003 – 2004, p. 439. 259

“A expressão Estado Democrático de Direito significa a subordinação do Estado à lei e à Constituição votada livremente pelo povo. [...] O Estado Democrático de Direito significa essencialmente que o Estado de Direito deve ter um conteúdo democrático, basear-se em eleições livres e periódicas feitas pelo povo.” (Pinto Ferreira, Comentários à Constituição brasileira, 1º vol., Ed. Saraiva 1989, pp. 32-33).

260 Dalmo de Abreu Dallari ensina que a “supremacia da vontade do povo” é um dos pressupostos

para se atingir o Estado Democrático ideal: “Um dos elementos substanciais da democracia é a prevalência da vontade do povo sobre a de qualquer indivíduo ou grupo. Quando um governo, ainda que bem intencionado e eficiente, faz com que sua vontade se coloque acima de qualquer outra, não existe democracia. Democracia implica autogoverno, e exige que os próprios governados decidam sobre as diretrizes políticas fundamentais do Estado.”. (Elementos de Teoria Geral do Estado, São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p. 307). A esse respeito comenta Paolo Biscaretti di Ruffia: “Es evidente [...] que casi todas las actuales Constituciones de democracia clássica vinculan su formación a procedimientos populares, ya que todas se apoyan en el presupuesto de que el valor politico fundamental está representado por el pueblo, en virtude de la llamada teoria de la soberania popular.”. (Introducción al derecho constitucional comparado: las "formas de estado" y las "formas de gobierno": las constituciones modernas, México: Fondo de cultura económica, 2000, p. 526)

próprios representantes eleitos quanto ao pensamento do povo sobre questões de interesse comum. 261

Paulo Bonavides também exalta a democracia participativa ao asseverar que é

democracia da concretude e da realidade e não do sonho e da utopia; democracia do povo e não da representação; democracia das massas e não das elites; democracia da cidadania e não do súdito branco, o suposto cidadão dos regimes representativos.262

Vale destacar a reflexão de Roberto Amaral acerca da democracia participativa, a qual ele denomina “democracia do Terceiro Milênio” 263:

A democracia não é apenas um sistema de governo, uma modalidade de Estado, um regime político, uma forma de vida. É um direito da Humanidade (dos povos e dos cidadãos). Democracia e participação se exigem, democracia participativa constitui uma tautologia virtuosa. Porque não há democracia sem participação, sem povo, mas povo sujeito ativo e passivo do processo político, pleno exercício da cidadania, povo nas ruas, povo na militância partidária, povo nos sindicatos, povo na militância civil, povo na militância social. Povo-nação, participando da construção da vontade governativa. O regime será tanto mais democrático quanto tenha desobstruído canais, obstáculos, óbices, à livre e direta manifestação da vontade do cidadão. Se a mediação, qualquer mediação, implica distorção da vontade, impondo ruído na comunicação cidadania- Estado/representado-representante, esse fenômeno se revela como mecanismo de manipulação nas modernas sociedades de massa que exigem a intermediação dos meios de comunicação de massa. [...] Ela compreende, se não o consenso, a ampla consulta popular e, dela conseqüente, o compromisso de todos os atores sociais afetados, a integração de todos os povos, a busca de novas expressões do coletivo, a descentralização das iniciativas e da gestão, a desconcentração administrativa e funcional, a desconcentração do poder, a quebra do monopólio da política pelas classes dominantes. Ela compreende a emergência, no cenário da política, com poder decisório, das instituições populares e sociais das mais diversas índoles, cuja organização enseja e estimula, desde agrupamentos espontâneos e conjunturais aglutinados

261 Dalmo de Abreu Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, São Paulo: Editora Saraiva, 2005,

p. 155.

262 Paulo Bonavides, Teoria Constitucional da Democracia Participativa

– por um Direito Constitucional de luta e resistência por uma Nova Hermenêutica por uma repolitização da legitimidade, 2ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 38.

263 Roberto Amaral, A democracia representativa está morta; viva a democracia participativa! In: Eros

Roberto Grau; Willis Santiago Guerra Filho (Org.). Direito Constitucional – Estudos em homenagem a Paulo Bonavides. 1ª ed., 2ª tiragem, São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 46.

para resolver um problema concreto, até amplos movimentos [...] Enfim, participação dos governados na vontade governativa. 264

Elencado no Capítulo IV do Título II da Constituição, o artigo 14 referido dispositivo trata dos direitos políticos e, combinado com o artigo 1º da Carta Magna, consagra o Princípio da Soberania Popular.

Dispõe sobre o exercício da soberania popular e elege o plebiscito como um dos meios desse exercício, isto é, como um instrumento “de exercício da soberania popular por seu próprio titular, gerando para toda a sociedade, e principalmente àqueles que exercem o poder, limitações e deveres a serem observados.” 265.

José Cretella Jr. considera o termo “soberania popular” inapropriado e afirma que a expressão correta seria “vontade popular”, explicando que “a manifestação livre da vontade do povo não é soberania, embora decorra desta.” 266.

Segundo José Afonso da Silva267, o plebiscito figura como instituto de democracia semidireta por mesclar mecanismos de participação direta e indireta. Do mesmo entendimento partilha Manoel Gonçalves Ferreira Filho268, que considera o

plebiscito um mecanismo de democracia semidireta que busca corrigir o caráter indireto da democracia representativa na medida em que orienta as autoridades a decidirem conforme o anseio do povo. Adrian Sgarbi considera plebiscito um instituto de “participação política conjugada”, um “instituto conjugado de democracia, ou seja, de partilha decisional entre mandantes e mandatários” 269 Maria Elizabeth

Guimarães Teixeira Rocha ensina:

264 Roberto Amaral, A democracia representativa está morta; viva a democracia participativa! In: Eros

Roberto Grau; Willis Santiago Guerra Filho (Org.). Direito Constitucional – Estudos em homenagem a Paulo Bonavides. 1ª ed., 2ª tiragem, São Paulo: Malheiros Editores, 2001, pp. 48-49.

265 Marcos Antônio Striquer Soares, O plebiscito, o referendo e o exercício do poder, São Paulo:

Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, p. 87.

266 José Cretella Jr., Comentários à Constituição de 1988, Rio de Janeiro: Forense Universitária,

1998, p. 1092.

267 José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros, 2002, p.

141.

268 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição Brasileira de 1988, São Paulo:

Saraiva, 2000, p. 120.

[...] na democracia semidireta, foram integrados institutos de participação direta do povo nas funções de governo, a exemplo da Carta Constitucional Brasileira, que consagra em seu art. 1º, parágrafo único, combinado com art. 14, incisos I, II e III, esta forma de regime. Foi a forma encontrada pelo constituinte originário de conciliar a participação direta e pessoal da cidadania, na formação dos atos de governo, e os mecanismos que mesclam instituições de participação direta e indireta [...] 270

Apesar de o artigo 14 da Constituição Federal elencar apenas o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular como instrumentos de exercício da soberania popular, a democracia participativa concretiza-se também por meio de outros dois mecanismos, quais sejam, o recall e o veto popular, instrumentos que não fazem parte do ordenamento jurídico brasileiro.

O veto popular, quando da votação em primeiro turno da Constituição de 1988, chegou a ser inserido no texto ao lado do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular, entretanto, foi suprimido no segundo turno da votação271. Consiste num mecanismo por meio do qual o povo pode rejeitar uma determinada legislação já aprovada pelo Congresso Nacional. O recall, que se trata de um instrumento destinado à cassação do representante eleito que não cumpra satisfatoriamente com suas atribuições, é um instituto nascido do Direito norte-americano. A ausência do veto popular e do recall em nosso ordenamento jurídico tem sido entendida como restrição à soberania popular, especialmente no contexto político atual em que o descrédito e a desconfiança têm pesado sobre o comportamento parlamentar.

Alexandre Navarro272 considera que o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular nasceram para complementar a democracia representativa com elementos de democracia semidireta, podendo, até mesmo, vir a substituí-la. Esses mecanismos de participação enfrentam no Brasil uma resistência de aplicação. São inúmeros os aspectos que contribuem para o “desuso” desses institutos: de um

270 Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, Plebiscito e Referendo: instrumentos da democracia

direta: uma reflexão jurídica sobre a teoria e prática de sua utilização. In: Revista Jurídica, Brasília, v. 7, n. 74, pp. 01-09, ago./set., 2005, p. 02.

271 Sonia Fleury, Iniciativa Popular. In: Leonardo Avritzer; Fátima Anastasia (organizadores), Reforma

Política no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p. 96.

272 Alexandre Navarro Garcia, Democracia semidireta

– Referendo, plebiscito, iniciativa popular e legislação participativa. In: Revista de Informação Legislativa, a. 42, n. 166, abr./jun. 2005, p. 10.

lado, questões estruturais como as desigualdades sociais e limites impostos pela cultura; por outro lado, a própria autorização legal para o seu exercício que gera empecilhos formais difíceis de serem superados. Todos esses fatores colaboram para a continuidade e engrandecimento da representação, tanto quanto para o enfraquecimento e distanciamento da participação popular.

No documento Plebiscito (páginas 93-98)