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O artigo 124, II do Código Tributário Nacional e a solidariedade tributária do artigo

No documento Joao Guilherme de Moura Rocha Parente Muniz (páginas 168-173)

CAPÍTULO VI – A RESPONSABILIZAÇÃO TRIBUTÁRIA DOS GRUPOS

6.3.1   O artigo 124, II do Código Tributário Nacional e a solidariedade tributária do artigo

A hipótese de responsabilidade solidária de direito prevista no artigo 30, IX da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, é a única menção expressa de responsabilização de grupos societários em todo a legislação tributária brasileira.

A mencionada lei ordinária tem por escopo organizar a Seguridade Social e estabelecer os meios para seu custeio, o que o faz com a instituição de algumas contribuições sociais previstas pela Constituição Federal em seu artigo 195. Tal estrutura estabelece a

171 DARZÉ, Andréa Medrado. Responsabilidade Tributária: Solidariedade e Subsidiariedade. São Paulo:

conhecida fórmula do Tríplice Custeio da Seguridade Social na qual participam o Estado, os empregadores e os próprios empregados.

A expressa previsão constitucional aos fatos geradores é o que torna possível a uma lei ordinária a instituição dessas contribuições, caso contrário, seria necessária a veiculação através de lei complementar. Esta é, inclusive, a posição há tempos pacífica do Supremo Tribunal Federal (vide RE 148.754/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 24/06/1993, DJ 04/03/1994). Ademais, por não se tratar de imposto propriamente dito, desnecessária a obediência ao comando do artigo 146, III, a, da Constituição Federal.

Assim, no exercício de sua legítima competência, o legislador ordinário instituiu a lei 8.212/1991 e, dentre os vários comandos normativos lá contidos, inseriu o artigo 30, IX, nos seguintes termos:

Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas: (...)

IX - as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta Lei;

Trata-se, portanto, de uma previsão de solidariedade de direito, na qual o legislador ordinário ampliou polo passivo dos tributos lá instituídos e, valendo-se do comando do artigo 124, II do Código Tributário Nacional, declarou a solidariedade entre eles.

Assim, para esta construção normativa, quando configurado um evento tributável e, concomitantemente, constatada a existência de um grupo econômico pelo Fisco, todas as pessoas integrantes deste grupo respondem solidariamente pela contribuição, ou seja, todos os integrantes daquela coletividade podem ocupar a posição passiva da relação jurídica tributária.

O presente modelo normativo, beneficiado pela literalidade do enunciado normativo, é fundado em raciocínio simples e bastante preciso. A clareza de tal construção é tamanha que tal norma costuma ser aplicada por diversos tribunais, como no caso do seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL E TESTEMUNHAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. REVISÃO. SÚMULA N. 7 DO STJ. GRUPO ECONÔMICO. COMANDO ÚNICO. EXISTÊNCIA DE FATO. SOLIDARIEDADE. ART. 124, INC. II, DO CTN C/C ART. 30, INC. IX, DA LEI N. 8.212/91. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO

POR HOMOLOGAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PAGAMENTO

ANTECIPADO. LANÇAMENTO DE OFÍCIO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE O FISCO CONSTITUIR O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TERMO INICIAL. ARTIGO 173, I, DO CTN. AJUDA DE CUSTO.

DIÁRIAS. DESCARACTERIZAÇÃO. NATUREZA SALARIAL

CONFIGURADA. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO

PREVIDENCIÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. SÚMULA N. 306 DO STJ.

1. (...) 2. (...)

3. O Tribunal de origem declarou que "é fato incontroverso nos autos que as três embargantes compartilham instalações, funcionários e veículos. Além disso, a fiscalização previdenciária relatou diversos negócios entre as empresas como empréstimos sem o pagamento de juros e cessão gratuita de bens, que denotam que elas fazem parte de um mesmo grupo econômico. O sócio-gerente da (...) tem um procuração que o autoriza a praticar atos de gerência em relação às outras empresas, sendo irmão do sócio-gerente delas. Ou seja, no plano fático não há separação entre as empresas, o que comprova a existência de um grupo econômico e justifica o reconhecimento da solidariedade entre as executadas/embargantes" (grifei).

4. Incide a regra do art. 124, inc. II, do CTN c/c art. 30, inc. IX, da Lei n. 8.212/91, nos casos em que configurada, no plano fático, a existência de grupo econômico entre empresas formalmente distintas mas que atuam sob comando único e compartilhando funcionários, justificando a responsabilidade solidária das recorrentes pelo pagamento das contribuições previdenciárias incidentes sobre a remuneração dos trabalhadores a serviço de todas elas indistintamente.

5. "O prazo decadencial qüinqüenal para o Fisco constituir o crédito tributário (lançamento de ofício) conta-se do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, nos casos em que a lei não prevê o pagamento antecipado da exação ou quando, a despeito da previsão legal, o mesmo inocorre, sem a constatação de dolo, fraude ou simulação do contribuinte, inexistindo declaração prévia do débito" (REsp 973733/SC, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 18.9.2009, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC e da Res. STJ n. 8/08).

6. A Corte a quo, soberana no delineamento das circunstâncias fáticas, observou que, apesar de denominadas como diárias e ajuda de custo, as verbas eram pagas de forma habitual, em valores fixos e expressivos, aos mesmos empregados e sem que fosse comprovada a execução dos serviços a que elas se destinavam ou a realização de viagens, "simplesmente para aumentar a sua remuneração". Correta, pois, a conclusão pela natureza salarial para fins de incidência da contribuição previdenciária.

7. (...)

8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (Resp 1144884/SC, Rel. Min. Mauro Campbell, Segunda Turma, Julgamento em 07/12/2012, Dje. 03/02/2011).

A questão probatória tampouco apresenta-se como algo complexo. Em verdade, ao costumeiro repertório probatório de ocorrência do evento tributário, soma-se apenas a demonstração da mera existência de grupo econômico.

O problema se apresenta no instante em que tal norma é confrontada aos limites estabelecidos constitucionalmente ou por meio de norma geral – no caso o Código Tributário Nacional – à indicação do sujeito passivo de uma obrigação tributária.

Esses limites, conforme analisado no Capítulo III, podem ser de ordem material ou formal.

As balizas de ordem material exigem, com fulcro na vedação de confisco e no respeito à capacidade contributiva, que a pessoa indicada como sujeito passivo detenha

alguma relação, direta ou indireta, com o fato jurídico tributário ou com o sujeito que o pratica.

Já aquelas barreiras de ordem formal limitam a escolha do legislador ordinário ao estabelecer a lei complementar como veículo adequado à introdução de normas gerais sobre responsabilidade tributária.

A limitação formal implica ainda, naturalmente, no respeito do legislador ordinário aos limites estabelecidos por essas leis complementares, isto em decorrência da legalidade estrita prevista no artigo 150, I da Constituição Federal. No caso da responsabilidade tributária há um limite expresso no artigo 128 que somente autorizou ao legislador ordinário a indicação de responsável tributário vinculado ao fato jurídico tributário da respectiva obrigação, desautorizando, consequentemente, a indicação de sujeito passivo vinculado exclusivamente ao contribuinte.

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Um grupo econômico – registrado ou não, com participações formalizadas ou não – é um conjunto de pessoas jurídicas que estão vinculadas devido à existência de um único centro de controle. Desta forma, o vínculo estabelecido entre tais pessoas jurídicas é pessoal e não em relação ao fato gerador em si.

Trata-se de vínculo da mesma espécie daquele entre sócios e sociedade, contido no artigo 13 da Lei 8.620 de 5 de janeiro de 1993 (hoje revogado pela lei 11.941/2009), mas que tinha a sua aplicação afastada de forma regular pelo Poder Judiciário, conforme também já estudado no Capítulo III.

São nestes termos que o artigo 124, II do Código Tributário Nacional deve ser interpretado. Afinal, ao legislador ordinário é possível a introdução de enunciados que levem à construção de norma de responsabilidade e, até mesmo, à escolha de devedores solidários à

obrigação tributária que institui, mas isso somente poderá ser feito desde que respeitados os limites estabelecidos pelo Código Tributário Nacional. Trata-se do raciocínio similar com aquele que exigiu respeito aos requisitos do artigo 135, III do Código Tributário Nacional pelo do artigo 13 da Lei 8.620/93.

Desta forma, é correto dizer que ao se tentar construir uma norma a partir da interpretação conjunta dos enunciados do artigo 124, II do Código Tributário Nacional e do artigo 30, IX da Lei 8.212/91, é necessário coordená-la com os demais comandos do ordenamento, especialmente o do artigo 146, III, b da Constituição Federal e o do artigo 128 do Código Tributário Nacional.

Assim, na vereda deste percurso gerador de sentido, inevitável constatar a ilegalidade da previsão do artigo 30, IX da Lei 8.212/1991, bem como a sua inconstitucionalidade. Ilegalidade por ferir os limites estabelecidos no artigo 128 do Código Tributário Nacional e inconstitucionalidade por tratar, ao cabo, de matéria reservada à lei complementar, tendo em vista que esta sim poderia estabelecer uma responsabilidade geral aplicada a todos os grupos econômicos.

Em conclusão, pode-se asseverar que os grupos econômicos não estão sujeitos à responsabilidade solidária no que tange às contribuições instituídas pela Lei Ordinária 8.212/1991 em seu artigo 30, IX. Tendo em vista que a autorização expressa pelo artigo 124, II do Código Tributário Nacional à instituição de solidariedade de direito é limitada, sistemicamente, pelo exposto no artigo 128 daquele mesmo Código e que tal limitação implica no reconhecimento de reserva à lei complementar para instituir tal responsabilidade.

No documento Joao Guilherme de Moura Rocha Parente Muniz (páginas 168-173)