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O diálogo entre o direito privado e o direito tributário 88

No documento Joao Guilherme de Moura Rocha Parente Muniz (páginas 89-93)

CAPÍTULO III – RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA 63

3.7   O diálogo entre o direito privado e o direito tributário 88

O Direito Civil pode ser definido, atualmente, como o ramo didaticamente autônomo do Direito que estuda os enunciados e normas jurídicas concernentes às relações intersubjetivas promovidas por indivíduos encarados como tais em que prevalece a autonomia da vontade. O subconjunto normativo objeto de estudo costuma ser – e aqui será – designado como direito civil com caracteres minúsculos.

Entretanto, nem sempre foi assim.

Em Roma, na antiguidade clássica, as relações dos cidadãos dotados de personalidade jurídica eram regidas pelo direito da pólis que, como explica Maria Helena Diniz, abrangia todo o direito vigente, contendo normas de direito penal, administrativo, processual, etc.101 Em outra mão, as relações construídas no seio das casas romanas (conceito bem mais amplo que o conceito hodierno de família) eram regidas pelas normas decorrentes do poder patriarcal, o pater famílias.

Tércio Sampaio Ferraz Júnior, embasado em lições de Hannah Arendt, traça em sua obra uma interessante explicação sobre o cenário romano e esclarece que a esfera privada em Roma, ao contrário do marcante respeito à autonomia privada atual, era formada por relações de submissão e obediência existentes no seio da família (pater familias) que,

definitivamente, não se confundiam com a regulação das relação entre seletos cidadãos, com certa autonomia, que eram travadas na polis.102

Assim, a relação entre iguais que hoje é tratada pelo direito privado, em especial o direito civil, em sua origem, eram tratadas na amplitude enciclopédica do direito da pólis, especialmente, no que tange à personalidade jurídica, à época restrita a alguns cidadãos. Ao direito privado restavam as relações existentes no seio das casas romanas e marcadas, como dito, pela submissão ao patriarca.

O modelo romano ainda deixa diversos resquícios nas legislações hodiernas. Entretanto, já em meados da Idade Média, houve uma mudança de paradigma no que tange à definição do público e do privado. Trata-se do surgimento e da solidificação da ideia de sociedade e do social.

A partir deste marco, o universo do direito privado passou a ser formado pelas normas que se dirigiam ao indivíduo como um ser criado por um deus, e o direito público à esfera social decorrente da natural sociabilidade humana e sua vocação a se organizarem em grupos sociais.

Esta mudança de significado também foi identificada por Hannah Arendt em uma detalhe na tradução da obra de Aristóteles (384-322 a.C.) para o latim por São Tomás de Aquino (1225-1274). Nesta oportunidade o termo aristotélico politikon zoon foi traduzido como animal sociale.103

Assim fica bastante clara, portanto, a existência de um processo dinâmico de substituição do paradigma do animal político aristotélico, o cidadão romano como patriarca e sujeito de direito, pelo homem como animal social, como indivíduo divino e membro de uma sociedade.

102

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão dominação. 3a ed. São Paulo: Atlas, 2001. P.130-131.

103 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão dominação. 3a ed.

Na Idade Moderna tal concepção tornou-se hegemônica com a diferença de que com o antropocentrismo individualista fomentado pelos iluministas, a esfera privada ganhou contornos mais rígidos, materializados na moderna formulação do estado constitucional de direito que passaram a garantir ao indivíduo proteção a uma esfera de autonomia de vontade, através dos direitos e garantias fundamentais.

Entre a modernidade e a contemporaneidade (ou pós-modernidade aos que queiram aventurar-se pela difícil delimitação deste conceito) importante destacar a tendência ocidental pela universalização da pessoa de direito.

A contemporaneidade, por fim, trouxe crise à fronteira do individual e do social. Tal crise foi vislumbrada nas novas gerações de direitos fundamentais (direitos sociais, direitos difusos e coletivos) que relativizaram os limites da autonomia da vontade e distorceram de modo irreversível o limite entre as duas classes mencionadas.

Hodiernamente, apesar de nebulosa e imprecisa, apresenta-se como principal critério delimitador da fronteira entre o direito público e o privado, o fato do primeiro primar pelo interesse público e o segunda fundar-se na autonomia da vontade individual.

Esta mudança gradual de perspectiva e a crise instaurada na dicotomia público/privado, como não poderia deixar de ser, trouxe consigo repercussões em vários prismas, inclusive, na maneira de interpretar a arquitetura estrutural do direito contemporâneo.

Uma dessas consequências, decorrente especificamente do fortalecimento do indivíduo na idade moderna e no fato do direito civil ter sido o primeiro direito codificado a tratar relações entre particulares,104 é que matérias que atingem todas as relações jurídicas, sejam elas públicas ou privadas, são reguladas no Código Civil, especialmente em sua Parte Geral, daí a importância em salientar a unicidade do ordenamento jurídico.

Neste ponto, Maria Helena Diniz anota que a Parte Geral do Código Civil fixa conceitos, categorias e princípios que produzem efeitos não somente no direito civil, mas em

todo o ordenamento jurídico, pois, toda relação jurídica pressupõe sujeito, objeto, fato propulsor, etc. 105

Assim, antes de ser um sujeito ativo ou passivo em uma relação jurídica tributária, há um sujeito de direito, definido no Brasil pelo Código Civil, e, antes de ser fato gerador de uma obrigação tributária, há um fato ou um situação jurídica que é regulada geralmente pelo direito privado. O tão debatido e polêmico propósito negocial, quando o assunto é o planejamento tributário, também é figura estudada pelo Direito Civil, assim como a personalidade jurídica e a sua possível desconsideração em questões específicas.

No caso brasileiro, portanto, é possível afirmar com segurança que a Parte Geral do Código Civil brasileiro constitui o alicerce para a operacionalidade jurídica. Além do que, toda e qualquer modificação em suas regras, seja no plano geral e abstrato das leis ou seja em normas individuais e concretas prolatadas em casos específicos, repercutirão em outros âmbitos do direito.

No direito tributário, especificamente, a relação jurídica na qual o sujeito ativo, Estado-Fisco, exige do sujeito passivo, responsável tributário em seu sentido mais amplo, o pagamento de um valor específico a título de tributo devido a um comando legal, antes de ser uma relação jurídica tributária, é uma relação jurídica e como tal, buscará no Código Civil institutos essenciais a sua caracterização.

Aqui não será – e nem poderia ser – diferente e os próximos dois capítulos serão dedicados a uma busca dentro do sistema jurídico como um todo, pela delimitação do conceito de grupo econômico. A partir daí, a relação tributária volta à tona, pois a pergunta permanece: há responsabilidade tributárias do grupo econômico como um todo ou cada sociedade empresarial responde individualmente por seu débito?

CAPÍTULO IV – EMPRESÁRIOS, SOCIEDADES EMPRESARIAIS E O

No documento Joao Guilherme de Moura Rocha Parente Muniz (páginas 89-93)