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Autonomia da vontade e a personalidade jurídica 115

No documento Joao Guilherme de Moura Rocha Parente Muniz (páginas 116-119)

CAPÍTULO IV – EMPRESÁRIOS, SOCIEDADES EMPRESARIAIS E O

4.6   A personalização das sociedades empresariais e do empresário individual 107

4.6.2   Autonomia da vontade e a personalidade jurídica 115

Uma das utilidades do escorço histórico está em facilitar a compreensão do atual regime jurídico empresarial. Hodiernamente há no sistema empresarial brasileiro dois pilares de sustentação: o primeiro está na personalização de diversas sociedades empresariais ou mesmo empresas individuais, e o segundo está na concessão de uma certa liberdade de atuação às pessoas de direito privado necessária ao desenvolvimento da empresa sem interferência.

Esta concessão é promovida por norma constitucional que, devido ao tamanho grau de abstração e generalidade que possui, é denominada de princípio da autonomia da vontade.

Conforme visto, dentre os fatos que determinaram o desenvolvimento histórico das sociedades comerciais e da personalidade jurídica de entidades diversas, a influência da doutrina capitalista ganha especial destaque, tendo em vista que a hegemonia dessas ideias, adquirida com a conquista do poder pelo Terceiro Estado, essencialmente constituído pela

classe burguesa, fez com que a ideia de intervenção do estado na economia fosse tratada como algo extremamente prejudicial.

Dentre diversas outras influências na política e no direito, o Liberalismo trouxe consigo, em substituição ao Estado Absolutista, os pilares de um novo modelo estatal denominado de Estado de Direito e caracterizado por sua submissão à constituição e às leis, pela tripartição constitucional de suas funções essenciais e pelo respeito irrestrito aos direitos e garantias fundamentais.

De toda sorte, ainda em decorrência de focos de poder ligados à nobreza absolutista, e mesmo para bancar as ideias liberais de intervenção estatal mínima, fez-se necessário preservar parte da estrutura estatal, especialmente, para a custosa manutenção do direito de propriedade, princípio basilar às novas ideias.

Este cenário acabou por criar um aparente paradoxo, afinal, como poderia a autonomia individual estar consubstanciada em uma lei que, por sua natureza, limita vontades individuais? Em outras palavras, trata-se da questão em que a ideia de liberdade, o poder de agir sem limites ou submissão à vontade alheia, está consubstanciada no direito positivo, uma estrutura que, em sua função primordial, define limites individuais diante das relações intersubjetivas decorrentes da vida em sociedade.136

Ao trabalhar com este possível paradoxo no qual o direito – um limite – aparentemente estabelece um espaço de liberdade, Edmar Oliveira Andrade Filho, partindo do pressuposto de que o convívio em sociedade estabelece por si próprio limites à liberdade de ação de cada indivíduo (limites impostos por regras morais, éticas, jurídicas, religiosas, etc.), defende que a autonomia delimitada por normas jurídicas tem a importância de garantir, dentro de uma sociedade, um campo no qual a individualidade tem espaço para agir e assumir direitos e obrigações.137

O direito, portanto, cumpre o papel de proteger a pessoa dos limites naturalmente impostos pela sociedade na qual ela está inserida, garantindo a possibilidade de

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ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil. São Paulo: MP Editora, 2005. p. 17.

137 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código Civil.

todo e qualquer indivíduo, ao menos naquela seara definida, ter poder sobre suas próprias ações.

A migração do Estado Absolutista ao Estado de Direito marcada por tendências liberais corrobora o argumento do citado autor, tendo em vista o prestígio que a autonomia da vontade individual passou a ter com o Estado Burguês, tornando-se, como já dito, um dogma do Estado Liberal de Direito.

Assim, a autonomia da vontade é uma seara na qual, em que pese haja uma liberdade individual significativa, há também uma limitação bastante clara que é imposta pelo próprio ordenamento jurídico no exato instante em que traçou as fronteiras da autonomia individual. O limite básico, em suma, é o de que as ações individuais não poderão causar danos ilícitos aos demais membros da sociedade.

Não se quer defender que as condutas lícitas decorrentes do exercício da autonomia da vontade não possam gerar danos aos demais indivíduos, afinal, em um ambiente de livre-concorrência condutas lícitas (baixar preços, por exemplo) poderão gerar prejuízos aos demais concorrentes. Todavia, se a conduta abusar ou ferir os limites que o ordenamento traçou ao poder individual haverá, caso enunciada, a respectiva sanção.

É certo que, no início do século XX, as diversas crises que sofreu o capitalismo liberal, especialmente a Grande Crise de 1929, e o apelo social do Estado Socialista na Guerra Fria acabaram por fortalecer ideias intervencionistas que relativizavam a autonomia individual, estreitando ainda mais o seu âmbito de atuação. Neste ponto entrou em crise o então predominante: “o seu direito acaba quando o meu começa”.

Tais ideias acabaram influenciando, inclusive, novas gerações de Direitos Fundamentais com feições sociais, difusas e coletivas, cada uma delas com novas limitações à individualidade, Entretanto, em que pese mitigada, a autonomia individual é assegurada pela Constituição Federal sob a proteção de Cláusula Pétrea e é fundamento da República Federativa do Brasil.

Em verdade, para assegurar as fronteiras limitadores da autonomia individual, o ordenamento jurídico serve-se, inclusive, de sanções negativas,138 dentre as quais destacam- se as decretações de nulidades, a negativa de tutela estatal e, ainda, a desconsideração da personalidade jurídica, que será vista com a devida cautela posteriormente.

Assim, dentro dos limites impostos pelo ordenamento jurídico, é o princípio da autonomia da vontade que garante às pessoas de direito o poder de criar normas jurídicas que, voluntariamente, os assegurem direitos subjetivos e, consequentemente, os sujeitem a deveres jurídicos.

Neste mesmo sentido, ultrapassar os limites desta seara garante ao Estado a possibilidade de sancionar atos que extrapolem a autonomia da vontade e os direitos que dela decorrem, tendo em vista que a ação abusiva não mais estará assegurada pelo comando constitucional.

Os direitos decorrentes desta autonomia individual podem estar relacionados a uma feição social (matrimônio, patrimônio, sucessão de bens, etc.) ou a uma feição econômica, referentes ao trabalho e ao legítimo exercício da empresa na busca pelo acúmulo de bens necessários – ou não – à sobrevivência e ao bem-estar.

A feição econômica da autonomia privada se denomina de liberdade econômica e está imediatamente ligada à ideia de livre-iniciativa, fundamento explícito da Ordem Constitucional e Econômica da República Federativa do Brasil, que significa a possibilidade do indivíduo, só ou em sociedade, explorar uma atividade econômica, o que poderá fazer, como dito, por meio do trabalho ou através do exercício da empresa.

No documento Joao Guilherme de Moura Rocha Parente Muniz (páginas 116-119)