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O artigo 124, I do CTN e o interesse comum no fato jurídico tributário 173

No documento Joao Guilherme de Moura Rocha Parente Muniz (páginas 174-178)

CAPÍTULO VI – A RESPONSABILIZAÇÃO TRIBUTÁRIA DOS GRUPOS

6.3.2   O artigo 124, I do Código Tributário Nacional 172

6.3.2.1   O artigo 124, I do CTN e o interesse comum no fato jurídico tributário 173

Essa primeira construção normativa parte do princípio de que as sociedades empresariais formadoras de grupos econômicos têm interesse comum em qualquer fato tributário praticado pelos integrantes do grupo, inclusive, aqueles praticados individualmente sem interesse grupal.

Constate-se, desde já, que não é à toa que a expressão ‘interesse comum’ costuma trazer consigo uma série de desafios à interpretação e, quando levada às últimas consequências, pode abarcar pessoas em posições deveras distantes do contribuinte e do fato jurídico que enseja a tributação. Isto porque, para este modelo normativo, o “ter interesse comum no fato gerador” é interpretado no sentido de comunhão do interesse econômico, financeiro ou mercadológico na prática de um fato tributário qualquer.

O grande obstáculo, neste sentido, é que seria impossível negar, por exemplo, que o sócio de uma sociedade limitada destinada à importação e exportação tenha interesse comum na importação de uma mercadoria por tal pessoa jurídica. Todavia, o fato do sócio de uma pessoa jurídica ter natural interesse econômico naquele fato jurídico tributário – que provocaria o aumento do seu pro labore e a valorização de suas cotas sociais, por exemplo – não tem o condão de possibilitar que contra ele seja lançado o tributo.

Inegável também que um empresário individual tem interesse econômico no aumento do faturamento de sua empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI. Entretanto, tal interesse não implica que ele deva ser responsável pelos tributos incidentes sobre o fato tributário, sob pena de subversão de toda a estrutura de socialização de risco adotada no direito positivo brasileiro, que envolve: a personalização de sociedades empresariais e empresas individuais, a limitação de responsabilidade dos sócios, a recuperação judicial e extrajudicial, o processo de falência, etc.

Na esteira dos citados exemplos, a mera existência de grupo econômico, qualquer que fosse a sua espécie, implicaria, por si só, a existência da solidariedade tributária entre as pessoas jurídicas que dele fazem parte, afinal, se há grupo econômico, o interesse, invariavelmente, será pelo sucesso comercial coletivo.

Além do que, ao trazer à construção normativa conceito tipicamente econômico, o intérprete subverte a regra do jogo da linguagem jurídica, construindo norma que representa forte ameaça à segurança jurídica, à legalidade estrita, à tipificação e a outros princípios constitucionais.

Assim, pode-se asseverar com natural tranquilidade que a delimitação jurídica do fato tributável e da sujeição passiva, caracterizada pelo formalismo e tipificação, impede que o intérprete simplesmente expanda o polo passivo da obrigação com fulcro em conceitos extrajurídicos.

Não é por outro motivo que a doutrina e a jurisprudência rechaçam a interpretação da expressão ‘interesse comum’ como sinônimo de interesse econômico ou mercadológico, exigindo para a possibilidade de solidariedade a existência de interesse jurídico compartilhado no fato tributário.

Com este mesmo raciocínio, Marcos Vinícius Neder de Lima, em sua dissertação de mestrado, afirma que existe interesse jurídico no fato jurídico tributário sempre

que mais de uma pessoa jurídica estiver no mesmo polo de uma relação jurídica privada que constitua o fato jurídico tributário.172

Mesmo sentido daquele ensinado por Paulo de Barros Carvalho quando escreveu:

(...) o interesse comum dos participantes no acontecimento factual não representa um dado satisfatório para a definição do vínculo da solidariedade. Em nenhuma dessas circunstâncias cogitou o legislador desse elo que aproxima os participantes do fato, o que ratifica a precariedade do método preconizado pelo inc. I do art 124 do Código. Vale sim, para situações em que não haja bilateralidade no seio do fato tributado, como, por exemplo, na incidência do IPTU, em que duas ou mais pessoas são proprietárias do mesmo imóvel. Tratando-se, porém, de ocorrências em que o fato se consubstancie pela presença de pessoas em posições contrapostas, com objetivos antagônicos, a solidariedade vai instalar-se entre sujeitos que estiveram no mesmo pólo da relação, se e somente se for esse o lado escolhido pela lei para receber o impacto jurídico da exação. É o que se dá no imposto de transmissão de imóveis, quando dois ou mais são os compradores; no ICMS, sempre que dois ou mais forem os comerciantes vendedores; no ISS, toda vez que dois ou mais sujeitos prestarem um único serviço ao mesmo tomador.173

Aplicando tal raciocínio aos grupos econômicos, somente há a responsabilidade solidária entre os seus membros quando tais pessoas participem da relação jurídica que constitui o fato tributário. Difícil imaginar, todavia, um caso em que todas as pessoas jurídicas de um grupo econômico absolutamente lícito tenham interesse jurídico comum em um específico fato tributário.

Também é neste sentido o paradigmático julgado do Superior Tribunal de Justiça, proferido sob a relatoria do Ministro Luiz Fux e que não contém os grifos no original:

172 LIMA, Marcos Vinicius Neder de. Responsabilidade Solidária no Lançamento Tributário. São Paulo:

2008. Dissertação de Mestrado, PUC-SP. p. 198.

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISS. EXECUÇÃO FISCAL. TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA (LETRAS FINANCEIRAS DO TESOURO). AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ E CERTEZA. RECUSA. POSSIBILIDADE. MENOR ONEROSIDADE. ART. 620 DO CPC. SÚMULA 7/STJ. LEGITIMIDADE PASSIVA. EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. SOLIDARIEDADE. INEXISTÊNCIA.

(...)

4. Na relação jurídico-tributária, quando composta de duas ou mais pessoas caracterizadas como contribuinte, cada uma delas estará obrigada pelo pagamento integral da dívida, perfazendo-se o instituto da solidariedade passiva. Ad exemplum , no caso de duas ou mais pessoas serem proprietárias de um mesmo imóvel urbano, haveria uma pluralidade de contribuintes solidários quanto ao adimplemento do IPTU, uma vez que a situação de fato - a co-propriedade - é-lhes comum.

5. A Lei Complementar 116/03, definindo o sujeito passivo da regra-matriz de incidência tributária do ISS, assim dispõe:"Art. 5º. Contribuinte é o prestador do serviço ."

6. Deveras, o instituto da solidariedade vem previsto no art. 124 do CTN, verbis: "Art. 124. São solidariamente obrigadas: I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II - as pessoas expressamente designadas por lei."

7. Conquanto a expressão "interesse comum" - encarte um conceito indeterminado, é mister proceder-se a uma interpretação sistemática das normas tributárias, de modo a alcançar a ratio essendi do referido dispositivo legal. Nesse diapasão, tem-se que o interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal implica que as pessoas solidariamente obrigadas sejam sujeitos da relação jurídica que deu azo à ocorrência do fato imponível. Isto porque feriria a lógica jurídico-tributária a integração, no pólo passivo da relação jurídica, de alguém que não tenha tido qualquer participação na ocorrência do fato gerador da obrigação.

8. (...)

9. Destarte, a situação que evidencia a solidariedade, quanto ao ISS, é a existência de duas ou mais pessoas na condição de prestadoras de apenas um único serviço para o mesmo tomador, integrando, desse modo, o pólo passivo da relação. Forçoso concluir, portanto, que o interesse qualificado pela lei não há de ser o interesse econômico no resultado ou no proveito da

situação que constitui o fato gerador da obrigação principal, mas o interesse jurídico, vinculado à atuação comum ou conjunta da situação que constitui o fato imponível.

(Recurso Especial nº 859.616/RS (2006/0124190-8) Relator Min. Luiz Fux. Julgado em 18/09/2007).

Conclui-se, portanto, que o comando do artigo 124, I do Código Tributário Nacional não é capaz, por si só, de responsabilizar um grupo econômico ante o simples e natural compartilhamento de interesse econômico sobre o fato tributário pelos seus membros.

Pelo contrário, para a construção da solidariedade faz-se necessária a comprovação de interesse jurídico em comum. Assim, o Fisco, ao lançar o tributo, somente poderá apontar como sujeitos passivos, em solidariedade, aqueles que estiverem no mesmo polo da relação jurídica que constitui o fato jurídico tributário, o que poderá fazer independentemente do fato deles fazerem parte ou não de grupo econômico, afinal, serão, em verdade, dois contribuintes propriamente dito.

A realidade comercial, entretanto, nem sempre é tão simples como prega o mencionado raciocínio formal, ainda mais quando estão em pauta os grupos econômicos que, no caso brasileiro, caracterizam-se majoritariamente pela parcial ou mesmo total informalidade e que usufruem, por consequência, de ampla liberdade de formatação.

A ausência de rigidez, em que pese inúmeras vantagens, traz consigo a ampla possibilidade de abusos que não pode ser ignorada e nesses casos, a delimitação do interesse comum é extremamente difícil, bem como a fronteira entre a licitude do grupo e sua ilicitude por confusão patrimonial.

No documento Joao Guilherme de Moura Rocha Parente Muniz (páginas 174-178)