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Artigos e entrevistas com especialistas

5. Expressões de culto ambiental

5.2 Artigos e entrevistas com especialistas

«Uma conspiração universal e convergente das almas para uma consciência ecológica? A situação tóxica geral em que vive o homem exige-o». Esta era a introdução de uma entrevista que o jornalista Fernando Antunes fez a Almerindo Lessa, com o título «Salvar o Homem. Conspiração Universal para uma consciência ecológica», publicada em fevereiro de 1973, na Vida Mundial.

O entrevistado era apresentado como membro do Comité Executivo da Associação Médica Internacional para o Estudo das Condições de Vida e Saúde292, que reuniu em outubro de

1972, em Varna (Bulgária) representantes de 72 nações e que depois participou em Bucareste (Roménia), na III Conferência Mundial sobre a Qualidade do Futuro.

«Ali vimos, eu e o Roger Garaudy, meu companheiro de trabalho, como em matéria de prospectiva, hoje já é amanhã», começavam as declarações de Almerindo Lessa293. Aquela

entrevista iria ser distinguida com menção honrosa pelo júri do Prémio Imprensa, em iniciativa da Campanha de Conservação da Natureza e Defesa do Meio Ambiente, patrocinada pela Lisnave e Gaslimpo. Outra menção honrosa foi atribuída a entrevista do jornalista Nuno Rocha ao engenheiro Pedro Martins da Silva, com o título «Lisboa com um aeroporto de portas adentro tem logo aí problemas no que diz respeito ao ruído», no Diário Popular de 28 de fevereiro de 1973. O Prémio Lisnave-Gaslimpo foi atribuído ao artigo do jornalista Maia Cadete «Mares poluídos: pescas em perigo», publicado no República, de 6 de fevereiro de 1973294.

«Da protecção da natureza à conservação da natureza», a toda a largura da página, foi título que o Expresso publicou em julho de 1973, de um texto encomendado, como se lê nas linhas introdutórias: «A conservação da natureza constitui um dos grandes problemas da vida actual. Interessados no esclarecimento e debate de questões relacionadas com este assunto

292 Almerindo Lessa (1909-1995) foi conselheiro de Ecologia Humana da Organização Mundial de Saúde,

tendo participado em organizações nacionais e internacionais, no âmbito da ONU. Conferir em lDGLAB, «Biografia»,

http://www.dglb.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores1.aspx?AutorId=9228.

293 Fernando Antunes, «Entrevista com Almerindo Lessa. Salvar o homem: conspiração universal para uma

consciência ecológica», Vida Mundial, 16 de fevereiro de 1973, 9-16 e 49-50.

294 «Menção Honrosa para uma entrevista concedida à ‘Vida Mundial’», Vida Mundial, 20 de abril, 1973,

contactámos o dr. Carlos Almaça, professor da Faculdade de Ciências de Lisboa, que, a nosso pedido, redigiu o artigo que hoje publicamos»295.

No seio do movimento conservacionista, que contava adeptos desde o século XIX, o autor, regente de uma disciplina «destinada a alunos da licenciatura em Biologia, sobre Ecologia e Conservação», distinguia três fases – «Protecção da Natureza», «Conservação dos Recursos Naturais» e «Conservação do Ambiente» – cujos princípios «inspiram, hoje, o ideário dos defensores da Natureza». Almaça explicava que tais fases, «em épocas diferentes mas consecutivas», refletiam qualquer delas «o que a humanidade exige da Natureza e a forma como a contempla em cada época».

A primeira fase, a «Protecção da Natureza», tendo como questão central «as espécies ameaçadas de extinção ou grave redução», era uma «consequência do massacre de animais e da destruição rápida de habitats que se processaram no solo americano após a chegada dos europeus». O caso mais conhecido era o do bisonte. Na Rússia o bisonte era protegido desde o século XVI, mas foi extinto em território selvagem, apesar dos esforços de o conservar, já no século XX, em jardins zoológicos. Na Polónia do século X as reservas de caça cumpriam a função de preservar espécies cinegéticas, lembrava Almaça. A segunda fase, conservação dos recursos naturais, impôs-se no século XX, consequência da explosão demográfica e talvez devido às duas guerras. «É nesta fase do movimento conservacionista que se torna evidente a indissolubilidade da Ecologia e da Conservação». A terceira fase, Conservação do Ambiente, «está em plena e constante afirmação nos nossos dias», prosseguia. «Após a segunda guerra mundial, e talvez como consequência imediata dos efeitos das explosões atómicas, a humanidade começou a aperceber-se dos riscos que adviriam do envenenamento da atmosfera, dos mares, do solo, dos seres vivos, enfim, de tudo o que a rodeia». O autor concluía indicando ao leitor interessado referências para aprofundamento da questão296.

«A Índia fez explodir o seu primeiro engenho nuclear», foi título de um artigo de Eurico Fonseca na Vida Mundial em 31 de maio de 1974. A 100 metros de profundidade,

295 Carlos Almaça, «Da protecção da natureza à conservação do ambiente», Expresso, 7 de julho, 1973,

14.

296 Almaça começou por referir o seu próprio trabalho «A poluição térmica. Efeitos sobre os peixes e outros

animais aquáticos» (então em fase de publicação), acrescentando, entre outros, R. F. Dasman, Environmental

Conservation (New York, John Wiley: 1968); J. Dorst, Avant que Nature Meure (Neuchatel: Delachaux et Niestlé,

1965); R. Portal, Os Eslavos. Povos e nações (Lisboa: Cosmos, 1968); A. G. Banikov, «La conservation de la nature

et la chasse en URSS», Naturope, nº 10 (1971)); C. M. Baeta-Neves, A Natureza e a Humanidade em Perigo

«legalmente», explicava, porque o Tratado Internacional de Proibição Parcial de Experiências Nucleares, assinado em 1963, «apenas proíbe os ensaios realizados na atmosfera, no espaço cósmico e no fundo do mar». Nova Deli garantia que o ensaio tivera o fim de «estudar a utilização das explosões nucleares em fins pacíficos». Porém, a interpretação que se fazia era que «desde há muito, na União Indiana, se sentia a autoridade crescente de cientistas (e políticos) que afirmavam a necessidade absoluta da produção de engenhos nucleares, como resposta ao poderio atómico chinês». Esse grupo era chefiado pelo físico Bahaba, desaparecido na queda de um avião. «Acreditou-se então que alguém decidira eliminar o chefe da facção pró- bomba atómica indiana, como único meio para impedir uma alteração demasiado perigosa no xadrez nuclear», prosseguia.

«Tudo quanto se pode desejar é que os historiadores – se os houver – não tenham de escrever que a terceira guerra mundial teve a sua origem numa explosão nuclear “para fins pacíficos”, realizada na região desértica do Rajastão, a oeste da Índia, no dia 16 de maio de 1974, às 8 e 37 locais…». Assim concluía Eurico Fonseca o texto. Aquela abordagem, por um autor reconhecido na divulgação de ciência, transmitia em suma os receios que – também em Portugal em revolução – um conflito com armas atómicas suscitava.

O Expresso transcreveu, em março de 1976, uma entrevista que Bernard-Henri Lévy fez a Edgar Morin, sobre o seu L’Esprit du Temps, em reedição297. Eis um trecho:

A problemática ecológica passou do neo-anarquismo dos anos 60, da vontade de alternância entre vida urbana e laboriosa, por um lado, regresso à natureza e entretenimentos por outro, e uma vontade de alternativa bem mais consequente: mudar a vida, mudar de vida e já não apenas alternar a vida boa e a vida má. Por isso, o que me toca, o que me importa é, em primeiro lugar, a noção central de “ecossistema”. Fascinante este universo onde tudo se comunica e se entredevora, fascinantes, a delicadeza e requintes destes sistemas ao mesmo tempo integralmente solidários e constantemente no limiar da decomposição. E é isso que é interessante nas teses do Clube de Roma: o facto de o desenvolvimento exponencial da economia ameaçar quebrar essa fronteira invisível e frágil para cá da qual se mantém o equilíbrio do ecossistema. O que me importa também é a fecundidade desta noção de ecossistema na explicação do que é a nossa natureza própria – a natureza humana. A ideia de que nós somos ecossistemas abertos; que a natureza faz parte da nossa definição; que o que está no exterior de nós nos é no entanto interior.