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MEP – Movimento Ecológico Português

5. Expressões de culto ambiental

5.2 MEP – Movimento Ecológico Português

Perto de Almoster, em abril de 1973, a cooperativa UNIMAVE – União Macrobiótica Vegetariana, comprou terrenos para cultivo biológico de arroz. «A primeira agricultura biológica que, na era apocalíptica do adubo químico e do pesticida, vai ser feita em Portugal, por iniciativa de uma cooperativa de alimentação». Isto podia ler-se em O Século Ilustrado298. A UNIMAVE, que

orientava «sem fins lucrativos», a sua ação segundo a crença «na agrobiologia, na harmonia das coisas vivas e naturais, na ecologia da saúde, na humanização deste ambiente alimentar» iria dar origem ao MEP – Movimento Ecológico Português, tendo como um dos rostos visíveis o autor daquela reportagem, Afonso Cautela299.

Os terrenos eram irrigados por um subafluente do Tejo. «Não se podia encontrar melhor sítio para inaugurar a grande experiência do século XXI, que é uma antiga tradição anterior ao século XIX… para abrir uma nesga de esperança no panorama pouco animador da terra queimada, dos cereais adubados com químicas e violentados por toda a espécie de DDT, pouco respeitadores da genética e suas leis, das virtudes vivas do produto alimentar», escrevia Cautela, que citava um colóquio da FAO, no qual «peritos foram unânimes em reconhecer os perigos genéticos da ‘revolução verde’300, que começa a revelar-se, até entre os peritos, pouco menos

que reaccionária», pois, «a médio prazo o esforço anormal exigido às sementes e aos terrenos (pela predominância das químicas) acaba por fazer degenerar umas e por queimar outros».

Cautela assinou em junho de 1974 uma reportagem sobre o MEP. «Dão-se em Portugal os primeiros passos para a estruturação do Movimento Ecológico, tendência ireversível verificada hoje em todo o mundo industrializado que, em cada ano – a cada momento – se torna uma corrente de importância e força cada vez maiores», principiava301.

Após referir, nas linhas introdutórias, que o movimento «está enraizado na história, nos factos, na necessidade e na angústia das novas gerações que querem sobreviver mas que, ao

298 Afonso Cautela (texto) e Alfredo Cunha (fotos), «Um ‘não’ à agricultura química», O Século Ilustrado, 28

de abril de 1973, 24-27.

299 José Correia Contreras, «Apresentando uma voz do Movimento Ecológico Português», e Afonso Cautela,

«Alternativas para a sobrevivência planetária», Expresso, 28 de março, 1975, caderno, I. Também sobre este

assunto, cf. Instituto Hipócrates de Ensino e Ciência, http://institutohipocratesonline.com/index.php/medicinas-

nao-convencionais/historia/103-unimave-.html.

300 Sobre o conceito de revolução verde, conferir em Carolina Octaviano, «Muito além da tecnologia: os

impactos da revolução verde», disponível em http://comciencia.scielo.br/pdf/cci/n120/a06n120.pdf, ou em

PME.PT, «As consequências da revolução verde», disponível em http://pme.pt/revolucao-verde/.

301 Afonso Cautela, «Movimento Ecológico: descolonizar a natureza», O Século Ilustrado, 20 de junho,

despertar da responsabilidade de adultos, vão encontrar seriamente comprometida a vida e a qualidade de vida que as anteriores gerações lhes deixaram», o repórter aludia às contradições e ao «beco sem saída» para onde «o capitalismo internacional, o consumismo desenfreado e a tecnoburocracia vão lançando a maior parte dos países industrializados, precisa no entanto de se estruturar e organizar para intervir eficazmente em toda essa crise ambiental».

À organização em Portugal, prosseguia, não foram alheios os acontecimentos e o movimento político que no país se desencadearam após 25 de abril. O MEP, que se inseria «na irresistível corrente de reconstrução nacional (de Salvação Nacional) e que os portugueses se encontram empenhados», difundira o primeiro manifesto, posicionando-se «numa perspectiva contracultural para enfocar os problemas do ambiente e da crise ambiental». Na ponta final a reportagem incluía uma mensagem ao subsecretário de Estado do Ambiente, propondo uma «crítica que entende necessária e urgente à política do ambiente, a nível de organismos e de elites vigentes, herdada do anterior regime e ainda subsistente sem alterações substanciais». Continuava considerando que «essa política de cúpula é não só insuficiente como dilatória, reformista e comandada por interesses industriais que, em parte, lhe competiria hostilizar».

Em agosto de 1974, o MEP, constituído por rapazes e raparigas dos 16 aos 25 anos, que aproveitaram «estruturas da extinta Mocidade Portuguesa e uma verba de 100 contos», contava cerca de 250 associados, informou a Flama. Organizado em núcleos – técnico, ação local, propaganda e protecção imediata – o grupo desenvolveria atividades «em torno de todas as zonas sujeitas a poluição, como sejam as praias, bairros de lata e matas»302.

Segundo esta notícia, o MEP considerava a conservação da natureza «uma luta contra qualquer sistema produtivo em que a exploração dos recursos naturais, em vez de se dirigir à satisfação das necessidades da sociedade, se orienta pela obtenção do lucro». Adiantava que a ação de esclarecimento e de consciencialização «das populações mais directamente afectadas pela degradação da natureza quanto a toda a problemática que envolve essas mesmas questões naturais, é uma das principais formas de levar à sua resolução. Cabe em especial à juventude, quando prepara o seu mundo de amanhã, tomar posição perante estes problemas (…)».

302 «Movimento Ecológico Português: a necessidade de proteger a natureza», Flama, 9 de agosto, 1974:

Esta notícia foi contestada e corrigida, em carta ao director da Flama, enviada por Afonso Cautela. Para este jornalista de O Século Ilustrado e fundador do MEP, a notícia da Flama misturava numa só duas organizações distintas e quiçá opostas303.

Cautela esclarecia: no texto da Flama juntava-se o MEP, «o mais politicamente à esquerda em que é lícito um movimento ecológico colocar-se» e a Associação Juvenil de Protecção à Natureza, «o mais neutralmente escutista que pode ser uma associação de jovens que querem regaladamente passar as suas férias à sombra e com subsídios substanciais».

Considerava ainda «cómico» dizer que o MEP «(pobre como Job e sempre à rasca de massas) beneficiava de um subsídio de 100 contos de de 250 associados». Afonso Cautela desmentia que o movimento fosse formado por jovens dos 16 aos 25 anos: «rondamos (quase todos) os quarenta para cima», prosseguia, apontando que «o mais jovem de todos os nossos entusiastas é neste momento, o Prof. Agostinho da Silva, cuja lucidez e ritmo de trabalho muitos de nós nos vemos aflitos para poder acompanhar».

Acrescentava que o MEP naquele momento tinha «apenas dívidas, uma belíssima vontade de trabalhar para sanear ecologicamente o País, um manifesto editado em stencyl, uma sede de empréstimo na Rua da Boavista, 55-2.º, para reuniões às quintas-feiras, pelas 21 horas».