• Nenhum resultado encontrado

3. Poluição e atividades económicas

4.3 Esporões, canais e barragens

Em Almada, a urbe alargava-se na Costa da Caparica, onde, desde a década de 1950, estava identificada a erosão costeira, que conflituava com investimentos no turismo. O mar «comia a praia», diziam. José Marcelino, 72 anos, 40 dos quais nesta costa, garantiu a O Século Ilustrado que o «que faz que agora haja areal são os dois espigões compridos», mas lamentava que os «espigões» tivessem 170 metros, quando «deviam ter 300 e 600» e protestava que devia haver uma intervenção do Laboratório Nacional de Engenharia Civil.

250 António Amorim, «Sines: progredir sem destruir», Flama, 27 de abril, 1973, 4.

251 Eduardo Gageiro (fotos), «80 mil pessoas em 1980. O colosso de Sines», O Século Ilustrado, 31 de

A Direção-Geral de Portos procurava travar a ação do oceano sobre o areal implantando esporões. O Projeto de Defesa e Valorização Turística das Praias a Sul da Embocadura do Tejo tinha sido dado por concluído em 1966 e no seu âmbito inseria-se o Projeto das Obras de Defesa e Valorização Turística das Praias da Costa da Caparica. A segunda fase deste, lançada em 1970, correspondia às obras que estavam em curso, numa extensão de 2300 metros, cobrindo a frente já urbanizada da Caparica252.

A autoridades consideravam alcançado o objetivo de defesa do aglomerado urbano da Caparica. A recuperação das praias, previa-se, ocorreria à mercê dos condicionalismos naturais e a aceleração do processo recorrendo a «alimentação aluvionar artificial», prosseguia a reportagem, acrescentando que a ampliação das obras dependia da ocupação turístico-balnear. Adiante, questionava-se, de modo inverso, se tal expansão não estaria condicionada pelas obras de defesa e valorização litoral. Correia Tomé, engenheiro da Direcção-Geral de Portos, explicava: «considerou-se a protecção do aglomerado urbano da Costa da Caparica, sem prejuízo de se terem orientado as intervenções no sentido de possibilitar uma reconstituição das praias».

Interrogado se recorreu ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil, respondeu que aquele organismo tinha em execução estudos sobre o estuário do Tejo e que se considerou «aconselhável aguardar a evolução» de análises de conjunto para fundamentar melhor uma decisão em modelo reduzido aos fenómenos que afetavam o litoral da Costa da Caparica. Garantia que os esporões eram de eficiência «já comprovada». Questionado sobre para onde ia a areia, o engenheiro reconhecia um problema «extraordinariamente complexo», mas refutava que as areias fossem assorear canais de navegação.

O assoreamento dos canais da ria de Aveiro era devido ao excesso de moliços, avisava a Flama em outubro de 1973. Nas férias do Verão de 1972, um grupo de jovens voluntários do Instituto D. Ernesto Sena de Oliveira, com apoio logístico da administração do Porto de Aveiro, pesquisara os canais, registando temperaturas e medindo plantas e voltou em 1973. Concluíram que a ria corria o risco de se «transformar num pântano, de consequências terríveis para a cidade e o porto de Aveiro»253.

252 Teresa Mendes (texto) e Fernando Baião (fotos), «Há cerca de 20 anos. O mar ‘come’ as praias da

Costa da Caparica», O Século Ilustrado, 10 de fevereiro, 1973, 2-5.

253 Pinto Garcia (texto) e Henrique Moreira (fotos), «Ria de Aveiro: um pântano ameaça a cidade», Flama,

O problema devia-se ao declínio da recolha do moliço como fertilizante. «Há cem anos, os barcos que andavam na faina da laguna eram 1342. Pois agora o número de embarcações é apenas na ordem das dezenas», explicava a reportagem, acrescentando: «Há um quarto de século, a produção de moliço atingia cerca de 300 mil toneladas anuais. Agora, nas terras de cultura, o moliço cede lugar aos adubos químicos». A reportagem, de quatro páginas, lembrava que este grupo de jovens apenas trabalhava no Verão, pelo que no resto do ano aquele estudo era interrompido e propunha que a universidade se interessasse pelo problema.

Em 1976, na Foz do Dão ia ser implantada uma barragem. «Uma população morre pela vida de uma região», titulou O Século Ilustrado. «Exemplos da factura apresentada pelo progresso encontram-se a cada passo, desde o extermínio de elementos naturais ou resultantes da acção continuada do Homem para implantação de vias de comunicação até às agressões praticadas contra a natureza, que se deveria manter inviolável, pela edificação de imóveis de interesse mais do que discutível ou que poucos favoreceram», lia-se nas linhas introdutórias254.

O repórter evocava a «celeuma levantada» no Egito com a barragem de Assuão, e em Portugal o caso então recente de Vilarinho da Furna, para evidenciar situações de povoados submersos. O mesmo iria acontecer em Foz do Dão, pequeno núcleo na confluência do Dão e Mondego. Antecipavam-se no Alqueva «futuros desalojados da Luz».

Em Foz do Dão faziam-se contas aos habitantes, às cabeças de gado e às habitações. Para o «aproveitamento da Bacia do Mondego» havia estudos desde 1781 que culminaram em 1957 com um decreto que considerou «reunidas as condições para se iniciarem os respectivos trabalhos». Percorrera-se «um longo caminho», pois os aproveitamentos hídricos do país nos tempos do Estado Novo submetiam-se a «vectores políticos que superavam os interesses da comunidade», prosseguia o repórter, apontando um caso no Douro onde as autoridades públicas recusaram como financiador um privado para impedir que este, concluído o empreendimento, ficasse a deter «um poder difícil de controlar». O caso do Mondego implicava a ocupação pelas águas de «alguns dos terrenos mais férteis do país».

O Plano Geral do Aproveitamento Hidráulico da Bacia do Mondego previa a regularização diária dos caudais a utilizar na rega, segundo um sistema em que, considerando que a água é um bem «que não pode (deve) ser destruído quando não faz falta imediatamente» a barragem a

254 Viriato Dias (texto) e Alfredo Cunha (fotos), «O preço do progresso. Uma população morre pela vida de

construir recuperaria águas turbinadas, que ficariam retidas num dique a jusante. Uma das vantagens daquele aproveitamento seria «permitir regular o caudal do Mondego em Coimbra», de onde desapareceria o areal, substituído por um dique na zona do Choupal que constituiria um espelho de água, produzindo «condições naturais indispensáveis». O repórter, que se deslocou à Foz do Dão, ouviu «o desespero na voz da mulher» que não poderia continuar a ir ali comprar peixe para vender noutras localidades, aproveitando no caminho para «trazer umas lenhitas». Adiantava que seria criada para a cultura de beterraba sacarina uma zona de 15 mil ha que, em fase posterior, poderia atingir os 30 mil ha.

Em fevereiro de 1976, a Flama revelou o projeto de um «parque natural às portas do Porto». Iria ser implantada uma barragem, 12 mil ha, entre Crestuma, em Entre-os-Rios, confinando com os concelhos de Valongo, Paredes e Penafiel, para onde se previam usos de recreio, campismo, desporto, floresta e agricultura, a par da preservação da fauna e da flora e uma biblioteca especializada onde teriam lugar «lições complementares sobre a Natureza»255.