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Livros, crónicas e cartoons de inspiração ecológica

5. Expressões de culto ambiental

5.1 Livros, crónicas e cartoons de inspiração ecológica

Os periódicos consultados divulgaram novidades do mercado livreiro, dando visibilidade, entre outras, a obras focadas em questões ambientais, em forma de publicidade, ou em secções coordenadas por figuras da literatura278. Também se puderam ler crónicas assinadas por

escritores reconhecidos ou apreender em cartoons, de autores mais ou menos incógnitos, mensagens alusivas ao ambiente.

O texto «Os devotos da poluição» saiu em maio de 1973, na Flama, com assinatura de David Mourão-Ferreira279. Principiava assim:

Quem não os conhece? Quem não os tem visto nos fins-de-semana, sobretudo aos domingos, piquenicando à beira das estradas mais concorridas. Desdobram toalhas, desembrulham farnéis, há mesmo os que fazem faiscar os talheres, os que se repimpam em cadeiras articuladas, e ali ficam horas e horas, quase mordendo o alcatrão, a sorverem deliciados, de mistura com o vinho tinto e os pastéis de bacalhau, o rasto inebriante dos mais variados tubos de escape, as fortes emanações das gordas camionetes de excursionistas, os odores mais familiares dos automóveis utilitários, os requintados eflúvios dos velozes carros de sport, ou de “grande turismo”… Para eles, numa altura em que tanto se fala de ecologia e defesa do ambiente, vê-se bem que tais espantalhos não têm razão de ser.

A 5 de junho, como a Vida Mundial lembrou dia 8 daquele mês, em 1973, na página 1 (não era capa), celebrou-se o Dia Mundial do Ambiente, «destinado a chamar a atenção da humanidade para os cada vez mais graves problemas da poluição e da destruição da natureza, que ameaçam tornar inabitável o planeta que é (deveria ser) a “casa do homem” (de todos os homens) no pleno sentido da expressão»280.

Acrescentava: «Se as manifestações que assinalaram esse dia (inclusivamente em Portugal) podem servir para alertar a consciência universal para o complexo problema, este não terá solução enquanto não se tomarem a nível nacional e internacional, medidas concretas e

278 Sobre o panorama editorial, cf. Flamarion Maues Pelucio Silva, «Livros que tomam partido: a edição

política em Portugal (1968-1980)» (tese de doutorado, São Paulo, Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2013).

279 David Mourão-Ferreira, «Os devotos da poluição», Flama, 11 de maio, 1973, 134.

eficazes que ultrapassem o plano da teoria e das declarações mais ou menos românticas e estéreis». Depois o artigo referiu-se a uma visita de Willy Brandt a Israel.

A Flama publicava «O crocodilo», uma página satírica. Dia 15 junho de 1973 propôs o uso de fatos «para o cidadão ir à rua», sob o título «Os dias nacionais do (mau) ambiente»281.

A comemoração do Dia Mundial do Ambiente teve em 1975 em Lisboa visibilidade durante quatro horas, das 20 às 24, período durante o qual estiveram sem trânsito a Avenida da Liberdade e outras das artérias centrais da capital. «Sol de pouca dura que, por outro lado, provocou enormes engarrafamentos nas zonas limítrofes, a demonstrar

que a humanização do espaço urbano não é obra de um dia simbólico e muito menos de algumas horas», leu-se no Expresso, que registou «diversas comemorações oficiais através do país» e uma «pequena manifestação» do Movimento Ecológico Português a que aderiram «elementos do nosso folclore anarquista»282. No domingo seguinte, estava em agenda um

passeio ao Parque de Monsanto, organizado pela secretaria de Estado do Ambiente, para inaugurar um caminho de peões que ligaria o centro da cidade ao parque florestal.

As empresas livreiras traduziram para língua portuguesa obras sobre questões ambientais, produzindo publicações que tiveram repercussão nas páginas dedicadas às notícias do foro literário. A editora Dom Quixote fez sair no Expresso de 30 de junho de 1973 um anúncio com novos livros publicados, tendo à cabeça como maior novidade Os Limites do Crescimento, uma obra que, em 1972, no seu primeiro ano, esgotou nos EUA várias edições. «Agora também o leitor português poderá avaliar o grito de alarme que este relatório do superavançado Massachusetts Institute of Technology lançou ao mundo. Uma obra perturbante sobre o problema maior da nossa época. Best-seller na Inglaterra, França, Espanha Itália, Japão e Brasil», dizia o anúncio, apontando 95$00 como preço de capa283.

281 «Actualidades. Os dias nacionais do (mau) ambiente», Flama, 15 de junho, 1976: 64.

282 «Dia Mundial do Ambiente: apenas umas horas», Expresso, 7 de junho, 1975: 2.

283 «Um novo lançamento Dom Quixote» (anúncio), Expresso, 30 de junho, 1973, Europa, XI.

A escritora Maria Teresa Horta, que organizava na Flama a página «Livros, autores, leituras», fez referência a este título em agosto, em destaque a livros recomendados, na categoria de ensaio284. Na mesma página, fazia um breve comentário de recensão, explicando:

Uma equipa internacional, sob a direcção do prof. Dennis Meadows e com apoio financeiro da Volkswagen, durante bastante tempo examinou cinco dos factores básicos que determinam, e, portanto, limitam, o crescimento do planeta: população, produção agrícola, recursos naturais, produção industrial e poluição. A investigação já terminou o livro, agora publicado pela Dom Quixote, é o primeiro relato das suas conclusões. E qual foi, pois, a sua principal conclusão? «Se as actuais tendências de crescimento da população mundial, da industrialização, da poluição, da produção alimentar e do desperdício de recursos permanecerem sem alteração, os limites do crescimento no nosso planeta serão alcançados dentro dos próximos cem anos».

O primeiro de uma série de três volumes com o título genérico «Dossier Zero» estava à venda nas livrarias com o título A Conferência do Terror, como podia ler-se em anúncio que as Novas Coleções Arcádia publicaram em O Século Ilustrado em julho de 1973285. O segundo volume e o terceiro

seriam intitulados Os Últimos Dias da Terra e A Indústria do Ruído, respetivamente.

As publicações em análise também iam reproduzindo nas suas páginas desenhos com notas humorísticas. Por vezes, tratava-se de obras eleboradas no estrangeiro. «Que cheiro estranho é

este? – Isto é ar puro!» era o diálogo de dois homens, numa cidade sem automóveis, um cartoon de autor germânico, alusivo à crise do petróleo, publicado em Janeiro de 1974, em O Século Ilustrado286.

Na Flama, de 10 de Agosto, M. T. Horta destacou na sua secção o livro de S. Manshot, H. Marcuse e E. Morin, entre outros, Ecologia. Caso de vida ou de morte, edição Moraes287,

284 Maria Teresa Horta, recensão de Os Limites do Crescimento, de Donella e Dennis Meadows et al.,

(Lisboa: Dom Quixote, 1973), Flama, 3 de agosto, 1973: 64.

285 «Novas colecções Arcádia», (anúncio), O Século Ilustrado, 28 de julho, 1973: 39.

286 Lutz Backes (cartoon) Der Tagerspiegel/O Século Ilustrado, 5 de janeiro, 1974, 57.

transcrevendo da contracapa: «Estes textos não se destinam às pessoas que voluntariamente tapam os olhos para serem felizes. Pretendiam, pelo contrário, abri-los bem às desgraças que nos esperam e assentar a nossa felicidade num combate».

Em março de 1974, M. T. Horta selecionou Pequena Enciclopédia da Energia Nuclear, de R. Gladkov, preço de 50$00, com o comentário «na sua colecção Biblioteca Básica de Cultura, editou a Estampa uma pequena enciclopédia da energia nuclear, livro cuja leitura recomendamos a quem se debruça sobre o assunto». Dia 26 de abril de 1974, M. T. Horta referia na sua página A Crise da Energia, com preço de 30$00, e o comentário: «“A crise da energia” é o título de mais um caderno Dom Quixote que desta vez toca um problema que a todos interessa sobremaneira. Entre os colaboradores contam-se nomes como os de Barbara Ward, René Dubois, Anthony Lewis e Nigel Hawkes»288.

Em maio de 1974, a escritora divulgou a publicação de um volume com preço de 35$00, acrescentando o comentário «o petróleo é hoje um dos temas preferidos e fundamentais do nosso diálogo quotidiano… Afonso Cautela não foge à regra e publica “Depois do Petróleo, o Dilúvio”, ecologia e dialéctica da crise»289. O autor já foi referido nesta dissertação nos papéis de

jornalista e de fundador do Movimento Ecologista Português.

Em agosto de 1974, no Expresso, Pedro Tamen escolheu para a sua «selecção crítica da quinzena» o livro, Crescimento Zero?, edição Europa-América, com autoria de Alfred Sauvy, apresentado como «grande especialista de economia e demografia» que se interrogou «sobre a situação do homem actual num mundo de recursos reconhecidamente limitados» e ainda outra obra, com edição do Instituto Universitário de Évora, O Homem e a Poluição, de Manuel Gomes Guerreiro 290. Este autor iria (sucedendo a Gonçalo Ribeiro Telles) desempenhar no I Governo

Constitucional (1976-1978) o papel de secretário de Estado do Ambiente291.

287 Maria Teresa Horta, recensão de Ecologia, Caso de Vida ou de Morte, de S. Manshot, H. Marcuse, E.

Morin et. al., (Lisboa: Moraes, 1973) Flama, 10 de agosto, 1973, 64.

288 Maria Teresa Horta, recensão de A Crise da Energia, de AAVV (Lisboa: Dom Quixote, 1974), Flama, 26

de abril, 1974, 40.

289 Maria Teresa Horta, recensão de Depois do Petróleo, o Dilúvio, de Afonso Cautela (Lisboa: Estúdios Cor,

1974), Flama, 3 de agosto, 1974, 40.

290 Pedro Tamen, recensão de Crescimento Zero, de Alfred Sauvy (Lisboa: Europa-América, 1974) e

recensão de O Homem e a Poluição, de Manuel Gomes Guerreiro (Évora: Instituto Universitário, 1974) , Expresso,

31 de agosto, 1974, 23.

291 Cf. Fernando Santos Pessoa, Manuel Gomes Guerreiro: um esboço biográfico (Faro: Fundação para o