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3. Poluição e atividades económicas

4.5 Automóvel: «problema maior»

As fontes revelam desde o limite inicial dos anos em análise uma perceção de excesso de veículos motorizados em Portugal. O parque automóvel aumentava, podia ler-se na Flama em fevereiro de 1973. A Direção-Geral de Viação concedera, em 1972, mais 66 681 dísticos “90” (então de uso obrigatório pelos condutores com pouco tempo de carta de condução) a pessoas que iam entrar num «inferno de trânsito», que já causava nas estradas e nas cidades «uma saturação crónica» 268.

No Porto, as proximidades da Ponte de D. Luís eram ponto diário de passagem de milhares de pessoas que transitavam de Vila Nova de Gaia, e paragem e estacionamento, produzindo «tremendos engarrafamentos», como podia ler-se em Janeiro de 1973, nas páginas de O Século Ilustrado. A autarquia operou alterações no trânsito, «de forma a tentar resolver o problema, cada vez maior, do congestionamento». Passou aquele tráfego para a Praça da Batalha e em várias artérias introduziu-se sentido único. A Rua de Santo António, que antes se subia, passou a funcionar em sentido descendente. «Esta é talvez uma das melhores medidas (…) consegue evitar a poluição por parte dos transportes camarários, que, quando subiam largavam verdadeiras nuvens de fumos do escape»269.

Em Lisboa, e arredores, adiantou mesma a revista em fevereiro de 1973, a «subida em flecha» do parque automóvel atribuía-se à utilização de transportes individuais por todos os que se precisam de deslocar» e não encontravam nos transportes coletivos «os meios indispensáveis

268 «Automóveis: aumentam os ‘90’», Flama, 16 de fevereiro, 1973, 5.

269 Adriano Nazareth Jr., «Também no Porto… Guerra ao ‘problema’ do trânsito», O Século Ilustrado, 27 de

janeiro, 1973, 36-37.

para o fazer»270. A reportagem, não assinada, referia a «quantidade enorme de veículos em

circulação», uma malha de arruamentos que «não estava planeada nem preparada» para aquele movimento, acentuado na zona central como nas entradas e saídas da capital». O anonimato do texto, que, em última análise responsabilizava o diretor da publicação – José Rodrigues Redondo Júnior271 – podia, no ano de 1973, justificar-se com o tom crítico que o autor dirigia às

autoridades, ao escrever que a CML «não acompanhou a evolução por circunstâncias que de momento não interessa apontar» e adiante apontar «o perfil da cidade, o traçado dos seus arruamentos, o elevado número de veículos em circulação, a falta (ou o mau) planeamento, a insuficiência da rede de transportes colectivos, a indisciplina dos condutores e peões, a ausência de agentes de autoridade» como «causas remotas da situação caótica a que se chegou».

O crescimento do uso de veículos continuou em 1974. A Ford Lusitana anunciou «o melhor mês de sempre em vendas» em comerciais ligeiros, revelou a Flama 272. Nesse ano, a

Direção do Meio Ambiente da OCDE divulgou um relatório sobre o peso do automóvel no fenómeno da poluição. A Vida Mundial referiu-se àquele documento em maio de 1975, considerando que «a actual crise energética não pode prolongar-se indefinidamente» mas reconhecendo que não se viam perspetivas de um «regresso à normalidade». No total do petróleo consumido, o automóvel tinha um peso de 13% na Europa e 29% nos EUA, representando, respetivamente, 44% e 54% das necessidades dos transportes273.

A reportagem, que concluía sugerindo a evolução tecnológica nas telecomunicações, com teletransmissão de documentos impressos, videofone e televisão por cabo, em ordem a «reduzir consideravelmente as necessidades de deslocação nos meios urbanos», desenvolvia alternativas para mitigar efeitos económicos e ambientais do automóvel. A primeira era a «restrição selectiva». A proibição de circular ao domingo já tinha sido posta em prática na Holanda, Bélgica, Itália, Alemanha, Noruega e Dinamarca. Com poucos custos para a atividade industrial, prejudicava o turismo. A segunda consistia em limites de fornecimento de carburante, o que causaria problemas de equidade e de julgamento de «difícil aplicação».

270 «Trânsito em Lisboa: à espera de poder andar», O Século Ilustrado, 17 de fevereiro, 1973, 12-15.

271 Nascido na Figueira da Foz, fez formação académica em Matemática e Engenharia Geográfica,

enveredou pelo jornalismo, tendo-se dedicado também ao teatro, como encenador, ensaísta, tradutor e crítico.

272 «Janeiro representou record nas vendas da Ford», Flama, 15 de março, 1974, 64.

No Porto o problema do automóvel persistia. Em 1975 atravessaram a Ponte de D. Luís 17 milhões de veículos, «quase o dobro do tráfego de 1965», informou em fevereiro de 1976 a Flama. Na reportagem, documentada com fotos, começava por ler-se que todas as manhãs uma «serpente gigantesca de veículos estende-se ao longo da Avenida da República, em Gaia, de Santo Ovídio, do terminal da auto-estrada, até à Ponte de D. Luís»274. Sem nunca referir

explicitamente o impacto ambiental, o artigo focava problemas de circulação na perspetiva da relação com alojamentos, transportes públicos, saúde, horários de trabalho, comércio e indústria e apresentava cálculos do Grupo de Estudo do Plano de Transportes da Região do Porto (organismo da Direção-Geral de Transportes Terrestres) em busca de alternativas, visando soluções de «descongestionamento», com economia de custos em termos financeiros e de tempo despendido.

Em Janeiro de 1976, Gonçalo Ribeiro Telles, secretário de Estado do Ambiente, numa entrevista que concedeu à Flama (cujas incidências estritamente políticas e legislativas se desenvolvem noutra secção), considerou que o maior problema de ambiente em Lisboa era «a elevada concentração de automóveis»275. Acrescentava que se os lisboetas «insistem em andar

de automóvel e não exigem uma rede de transportes públicos capaz; se os comerciantes continuam a julgar que o progresso é ter o automóvel do freguês à porta da loja e se levantam sempre problemas quando se quer alterar estes esquemas, verificamos que há muito a fazer, de facto, com as camadas mais desprotegidas da sociedade para fazer um país novo». No mesmo ano, em novembro, Rui Vilar, ministro dos Transportes, recusava a ideia de uma auto-estrada entre Lisboa e Porto, argumentando que tal investimento iria estimular o uso do transporte individual, quando o que se pretendia era favorecer o uso do transporte coletivo276.

Em dezembro de 1976, O Século Ilustrado alertava: «A poluição atmosférica nos centros urbanos, onde se intensificam os transportes públicos, conduz para a saturação física e psicológica das populações». Adiante fazia as contas possíveis: «no final de 1974, o parque automóvel engavetava 843 500 veículos, dos quais 263 000 entupiam Lisboa. De 1976 não

274 Pinto Garcia (texto) e José Ruiz (fotos), «Luz verde aos transportes colectivos», Flama, 24 de fevereiro,

1976, 34-37.

275 Dionísio Domingos, «Ouvindo o secretário de Estado do Ambiente…», Flama, 9 de janeiro, 1976, 41.

276 «Rui Vilar: prioridade aos transportes colectivos», Expresso, 22 de outubro, 1976: 10 e também «Rui

constam números, mas serão muito mais» e a seguir revelava medidas previstas do programa do Governo, como zonas interditas a automóveis particulares e melhores transportes públicos277.

277 «Uma função ambiental», em «Lisboa hoje. Grandezas e misérias nos transportes públicos», O Século