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Pescas, «granjas de pescado» e conservas

2. População, crescimento e recursos

2.2 Recursos alimentares

2.2.3 Pescas, «granjas de pescado» e conservas

Em 1972, Portugal importara 115 909 e exportara 76 003 toneladas de produtos pesqueiros, revelou a Flama, citando o INE144. Em 1960, a pesca ocupava 40 167 pessoas, mas

dez anos depois só 32 510 faziam deste o seu ofício. A quebra, na ordem dos 19%, era explicada pelo «aleatório da profissão, na maior parte dos casos em moldes antiquados», que levava muitos pescadores a emigrar.

Em fevereiro de 1974, a Vida Mundial dava conta de uma «quebra brusca das capturas de peixe verificada nos últimos dez anos» e o ministro da Marinha, ao discursar no batismo de um navio congelador, preconizava a renovação da frota pesqueira145.

Segundo o INE, Portugal era um dos países do mundo com maior consumo de peixe per capita, o que contribuía «de uma maneira efectiva para o equilíbrio em proteínas de origem animal dieta portuguesa». Segundo as estatísticas, nos mares portugueses em 1970 tinham sido capturadas 341 760 toneladas de pescado e em 1973 esse número baixava a 314 098 toneladas. Nos Açores, enquanto as atividades ligadas à pesca se «afundavam no marasmo», com barcos em terra e fábricas de conservas fechadas, como noticiava o Expresso em maio de 1973, a Embaixada de França em Lisboa procurava em Ponta Delgada apoio para 250 barcos que iriam capturar atum. Os pescadores lusos definhavam em métodos obsoletos. Os franceses usariam métodos científicos e teriam apoio de aviões146.

Em Janeiro de 1973, saíram em Diário do Governo regulamentos da pesca de arrasto costeira e da pesca industrial não agremiada. Segundo o Expresso, o primeiro regulamento visava «assegurar que os arrastões de costa não afectem injustificadamente os recursos vivos marinhos», impunha requisitos técnicos e raio máximo de seis milhas da costa. O segundo regulamento fixava regras da prática pesqueira e de comprimento do pescado147.

O IV PF propunha o aumento de exportações de determinadas espécies, de modo a captar divisas que permitiriam importar outras, ao gosto português, como o bacalhau. Mas também previa controlo de preços, a expansão do consumo, a exploração racional das reservas dos oceanos e coordenação de ações a desenvolver no espaço português no domínio dos

144 «Pesca: profissão com espinhos», Flama, 28 de dezembro, 1973, 17.

145 «A pesca em Portugal», Vida Mundial, 14 de fevereiro, 1974, 18-23.

146 J.S.B. «Os franceses pescam nos Açores», Expresso, 5 de maio, 1973, 4

recursos dos oceanos. Estes objetivos seriam prosseguidos com a reorientação da ação da Junta Nacional de Fomento da Pesca, que coordenaria o setor148.

Num colóquio de bioengenharia, em Coimbra, em Janeiro de 1975, discutiram-se novas fontes de proteína que vários países ensaiavam. Mais uma vez, considerava-se o aumento da população mundial e «escassez notória de alimentos». Calculava-se que as reservas mundiais de cereais davam «apenas para 26 dias», referia J. C. Contreiras na introdução a um artigo enviado por Santiago Grisolía, apresentado como autoridade internacional da bioquímica, que principiava considerando «de uma evidência clara e imediata que as disponibilidades alimentares e energéticas estão em perigo máximo próximo de se tornarem insuficientes num grande número de países». O problema do petróleo tivera «o condão de despertar o mundo» ao revelar «a carência mundial de recursos naturais onde particularmente avulta a de alimentos»149.

Mesmo admitindo uma distensão na questão, calculava-se que as reservas não dariam para mais do que 20 anos. Grisolía, que aceitava do Clube de Roma a necessidade de controlar produções de energia e alimentos, acrescentava que no Japão já se criavam «granjas de pescado» em aquacultura. Admitia que a quantidade de alimentos necessários para produzir um quilo de carne de bovino tornava este processo «quase proibitivo», mas o peixe e o frango «porque não formam ureia, são produtores muito mais eficientes de proteína».

Países com extensa orla marítima e clima adequado deveriam introduzir «granjas de pescado» como os japoneses e aproveitar progressos da genética, lançando novos híbridos de milho. O autor recomendava juntar «pessoas interessadas» para discutir «de uma forma prática quais as possíveis vias de expandir rapidamente a produção de alimentos».

O Governo português buscava parcerias externas para soluções duradouras. Mário Ruivo, secretário de Estado das Pescas, voltou de Moscovo a anunciar um acordo com a URSS, que contemplava investigação, formação de cientistas e equipamentos para escolas de pescas e a criação de uma comissão para estudar em países tecnicamente evoluídos o desenvolvimento de atividades piscatórias. Pela mesma altura, Guedes Duarte, da Junta Nacional de Frutas, encontrava-se em Moscovo, a negociar com responsáveis da empresa pública soviética Plodoimport a exportação de produtos portugueses, como amêndoa, azeitonas, pinhões e farinha

148Vida Mundial, 14 de fevereiro, 1974, 18.

149 Santiago Grisolía, «A escassez de alimentos uma preocupação mundial», Expresso, 1 de março, 1975,

de semente de alfarroba150. Volvidas duas semanas, o Expresso publicou, na primeira página, um

desmentido de «rumores insistentes» a dar conta da instalação de uma base pesqueira soviética na Madeira. Segundo fontes da secretaria de Estado, navios soviéticos de pesca e mercantes tinham sido autorizados a abastecer-se de combustível no Funchal. Na ilha de Santa Maria, Açores, funcionava um polígono acústico de deteção de submarinos, que poderia ser adaptado à prospeção de cardumes, para apoio à pesca151.

As atividades pesqueiras variavam, segundo investimentos, condições técnicas e sociais e interdependências internacionais. O desaparecimento «quase total» da sardinha na Bretanha, no último quartel do século XIX, suscitara a deslocação para Setúbal do francês F. Delory, pioneiro da indústria conserveira em Portugal, reportou a Flama em maio de 1975, citando um trabalho de finalistas da Faculdade de Economia da Universidade do Porto152.

Até meados da década de 1960, as conservas foram prosperando, com abundância de peixe e mão-de-obra. Em 1975, observava-se que desde finais dos anos 60, diminuía o volume de pescado, pela subtração de embarcações afectas à actividade pesqueira. Os dados disponíveis indicavam em Janeiro de 1973 um total de 198 899 cabazes de sardinha capturada por 86 barcos e, um ano volvido, 33 008 cabazes por 69 barcos.

Em 1964, considerado o melhor ano de sempre, a sardinha atingira as 140 mil toneladas, das quais foram para a indústria conserveira 85 mil toneladas. Em 1968 as capturas quedavam-se pelas 65 mil toneladas, recuperando em 1972 para as 74 mil, mas prevalecia a tendência de declínio, que tinha como causas identificadas os meios e métodos obsoletos praticados na pesca em Portugal, bem como aspetos de organização do setor, relacionados com perda de competitividade face a concorrentes próximos como Espanha e Marrocos, preços e condições sociais dos trabalhadores.

«Se o peixe aparece, ganhamos muito; mas se não aparece ninguém nos ajuda», dizia, em Setúbal, num barco de pesca artesanal, João Pedro da Cruz, um pescador de 71 anos, garantindo à Flama que ia ao mar desde os 10 anos153. Descontava para a Caixa de Previdência

150 «Pescas: cooperação Portugal/URSS», Expresso, 15 de março, 1975, 12

151 «Sec. Estado Pescas desmente base pesqueira russa na Madeira», Expresso, 28 de março, 1975, 1.

152 Pinto Garcia (texto) e José Ruiz (fotos), «Conservas: autópsia de uma indústria em crise», Flama, 9 de

maio, 1975, 23-30.

153 Manuel Gonçalves da Silva e Pinto Garcia (texto) e António Xavier e Carlos Gil (fotos), «Pescadores: a

havia cinco anos, mas não via vantagens, nem médicos, nem subsídios, nem reforma. Aos 50 anos vendera o barco, julgando que não precisaria de trabalhar mais. Aos 55 voltou à faina, a trabalhar no barco que vendera a Manuel Joaquim Fernandes da Cunha (Manuel Lavrador), agora proprietário e mestre.

Antes de 1974, pescadores foram presos ou referenciados pela PIDE – Polícia Internacional e de Defesa do Estado, por reclamarem descanso ou por se associarem. João dos Santos, nascido em Setúbal em 1906, lembrava conversas do avô e do pai: «nesse tempo os barcos eram à vela e os galeões a remos; peixe não faltava e havia tantas fábricas em Setúbal como dias tem o ano; mas havia mais descanso». Porém, considerava, as condições de trabalho «foram piorando».

Em 1975, em Matosinhos as traineiras deixaram de sair para o mar desde 29 Janeiro. O defeso fora antecipado dois dias, devido a um acidente com um petroleiro (o Jakob Maersk, tratado no capítulo sobre poluição) à entrada do Porto de Leixões.

Para o bacalhau, que os portugueses iam capturar ao Canadá ou à Noruega, países que estavam a alargar águas territoriais, uma comissão, formada em 1975 a fim de gerir a importação, até então centrada num grupo restrito que controlava o mercado, garantiu em setembro preços até 1976. A quantidade consumida, sendo importada quase metade – por se tratar de qualidade superior atingir em valor cerca dos dois terços –, das 74,1 mil toneladas em 1971 baixara em 1974 para as 56,8 mil154.

154 Carlos Plantier (texto) e Francisco Ferreira (fotos), «A comissão reguladora interveio. Bacalhau