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2. REVISÃO DE LITERATURA: UM OBJETO, MÚLTIPLOS OLHARES

2.1 ARTIGOS SOBRE GÊNERO E LIVRO DIDÁTICO

Realizamos, em abril de 2015, um levantamento no portal Scielo dos artigos produzidos entre 2004 e 2015 utilizando os seguintes descritores: ―livro didático‖ (103 resultados), ―livro didático de língua portuguesa‖ (15 resultados), ―representação feminina‖ (2 resultados), ―representações de gênero‖ (26 resultados), ―relações de gênero no livro didático‖ (2 resultados), ―livro didático do ensino médio‖ (1 resultado), ―representação de gênero no

ensino médio‖ (2 resultados) e ―representação feminina no livro didático‖ (nenhum resultado).

A partir dos resultados gerados, iniciamos um processo de exclusão, inicialmente, pelos títulos e resumos dos artigos cuja temática divergia completamente da nossa pesquisa. Posteriormente, uma leitura mais atenta possibilitou-nos selecionar nove trabalhos que atendiam, de alguma forma, aos nossos propósitos de estudo. Optamos por dividi-los em três grupos conforme metodologias e abordagens comuns utilizadas para tratar das questões de gênero em livros didáticos: 1) artigos que analisam os textos dos livros didáticos; 2) artigos que analisam as imagens dos livros didáticos; 3) artigos que revisam as produções sobre gênero e livro didático.

Quadro 2 - Artigos que analisam os textos dos livros didáticos

TÍTULO AUTOR(ES) ANO DE

PUBLICAÇÃO

ANO/SÉRIE(S) ANALISADA(S)

Gênero e políticas públicas Marta Ferreira

Santos Farah 2004 --

A menina e o menino que brincavam de ser...: representações de gênero e sexualidade em pesquisas com crianças

Constantina

Xavier Filha 2012 5º ano

Discursos sobre a mulher: uma análise do livro didático de língua portuguesa e literatura: Ensino Médio

Margarete Aparecida Nath-

Braga

2013 Ensino Médio

Análise da ideologia de gênero em livros didáticos de Língua Portuguesa: uma atualização das apresentações e representações

Neide Cardoso de

Moura 2014 5º ano

Representações de gênero social em livros didáticos de língua portuguesa Elizabeth Marcuschi; Amanda Cavalcanti de Oliveira Ledo 2015 9º ano

Quadro 3 – Artigos que analisam as imagens dos livros didáticos

TÍTULO AUTOR(ES) ANO DE

PUBLICAÇÃO

ANO/SÉRIE(S) ANALISADA(S) Representações de gênero em

ilustrações de livros didáticos Suyan Pires 2004

4ª série do Ensino Fundamental Processos comunicacionais em

ambiente escolar: o potencial de sentidos de representações visuais Luciana Coutinho Pagliarini de Souza; Maria Ogécia Drigo 2013 Ensino Fundamental

Quadro 4 - Artigos que revisam as produções sobre gênero e livro didático

TÍTULO AUTOR(ES) ANO DE

PUBLICAÇÃO

ANO/SÉRIE(S) ANALISADA(S)

Tendências da produção paulista sobre gênero e educação: um balanço das dissertações de mestrado

Silvia Regina Marques Jardim; Anete Abramowicz

2005 --

Combate ao sexismo em livros didáticos: construção da agenda e sua crítica Fúlvia Rosemberg; Neide Cardoso de Moura; Paulo Vinícius Baptista Silva 2009 --

Antes de discutirmos os artigos relacionados, vale sinalizar alguns aspectos significativos desse mapeamento: a predominância de estudos que tomam o texto como principal via de acesso às representações de gênero; a visível emergência da temática abordada em artigos produzidos, majoritariamente, nos últimos quatro anos; a concentração das pesquisas no Ensino Fundamental; e, por fim, a predominância indiscutível da autoria feminina.

Mais do que curiosidades, são traços que podem justificar algumas abordagens, referenciais, perspectivas, ausências e, sobretudo, posicionamentos adotados na construção dos trabalhos. O artigo que dá início às nossas discussões, intitulado ―Gênero e políticas públicas‖, de Marta Ferreira Santos Farah, é emblemático porque, mesmo não tratando especificamente do livro

didático, retoma as motivações históricas do movimento feminista no Brasil que desencadearam estudos, embates, rupturas, avanços e retrocessos para a emancipação feminina.

A autora realiza um balanço das propostas formuladas por movimentos de mulheres e entidades feministas objetivando a incorporação da questão de gênero por políticas públicas e programas governamentais brasileiros. Após um resgate histórico das políticas públicas desenvolvidas no Brasil desde 1970, cujo foco era a superação das desigualdades de gênero, Farah (2004) apresenta os temas que passaram a compor a agenda feminista a partir da década de 1980, que, em sua concepção, não são resultado de um consenso, mas, ao contrário, revelam a tensão existente entre as múltiplas perspectivas que constituem o próprio movimento feminista.

Na passagem para o século XXI, a agenda de gênero foi reformulada tomando-se a plataforma de ações definida na Conferência Mundial sobre a Mulher de 1995. Além de ações ligadas à promoção da saúde, ao combate à violência, à garantia de direitos trabalhistas, interessa-nos o tópico relativo à educação, principalmente, porque o movimento feminista reconhece a atuação do livro didático como divulgador de representações sociais e sugere a ―reformulação de livros didáticos e de conteúdos programáticos, de forma a eliminar referência discriminatória à mulher e propiciar o aumento da consciência de gênero acerca dos direitos das mulheres‖ (FARAH, 2004, p. 57).

Contudo, Farah (2004) esclarece que a criação da agenda de gênero, apesar de representar um avanço, não pressupõe a adesão ou a incorporação da perspectiva de gênero de forma integral. A redução das desigualdades entre homens e mulheres vem se mostrando gradual e, contraditoriamente, em alguns casos, ―há programas que, embora focalizem as mulheres [...], acabam por reiterar desigualdades de gênero, reafirmando uma posição tutelada e subordinada da mulher tanto no espaço público como no privado‖ (p. 65).

O texto de Constantina Xavier Filha analisa, a partir dos estudos culturais, estudos feministas e pressupostos foucaultianos, os conceitos de sexualidade, gênero e diversidade mediados por livros infantis, a partir de textos escritos e ilustrados e de discursos orais de alunos do 5º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de Campo Grande (MS).

Nesse trabalho, duas questões nos saltaram aos olhos, apesar da autora não ter aprofundado estas discussões: primeiro, a interdição da família e do espaço escolar perceptíveis nas falas

dos alunos – uma questão indiciária de que, em outros espaços, as crianças se sintam mais livres para assumirem discursos divergentes porque não precisam ajustar suas opiniões aos padrões exigidos e esperados por esses outros contextos; segundo, o peso das marcas de gênero impostas aos meninos – porque pensar as representações femininas não significa negar o controle social exercido também sobre o masculino. A autora afirma que as falas dos meninos sugerem as coerções às quais eles também são submetidos à medida que ―eles são mais vigiados para serem ‗homens de verdade‖ (XAVIER FILHA, 2012, p. 635).

O artigo de Margarete Aparecida Nath-Braga interessa-nos sobremaneira, pois, dentre todo o levantamento realizado, é o que mais se aproxima do nosso objeto de pesquisa: o livro didático do Ensino Médio. Portanto, cabe uma análise mais criteriosa.

A autora se propõe, fundamentada na teoria da Análise Crítica do Discurso, a refletir sobre o discurso sexista presente em um livro didático de língua portuguesa desenvolvido por professores da rede estadual do Paraná e distribuído aos alunos do Ensino Médio desse estado no ano de 2006.

O texto reafirma a ideia do livro didático como instrumento ideológico de poder e controle social à proporção que naturaliza certos discursos, contudo, desconsidera a capacidade, tanto dos alunos quanto dos professores, em subverter essa lógica, além, é claro, das múltiplas apropriações às quais esse objeto cultural está sujeito.

Apesar do mérito de focalizar o Ensino Médio, um segmento carente de estudos, o texto vale- se de algumas conclusões generalistas; apresenta referenciais teóricos escassos; traz construções linguísticas e ideológicas contraditórias e não comprova dados apresentados. Como não é nosso intento realizar uma longa crítica ao texto, pinçamos alguns problemas como indícios de outros. No trecho a seguir, por exemplo, a autora atribui ao livro didático a capacidade de ―tranquilizar as condições econômicas de seus interlocutores‖. Além de não deixar claro o que isso significa exatamente e, ainda que consigamos inferir uma lacônica alusão ao fato de ser um material gratuito, a autora não informa como chegou a essas conclusões:

Contribuem para essa aceitação do LD, as propagandas midiáticas que difundem esse material como um verdadeiro instrumento de poder e de saber, doado, aparentemente, gratuitamente às escolas, o que faz com que os pais e a sociedade em geral, tenham muita aceitação, já que ele tranquiliza também as condições econômicas de seus interlocutores, de tal modo que

esses não questionem os valores ideológicos consolidados [...] (NATH- BRAGA, 2013, p. 98).

Em outro momento, é feita uma alusão ao controle exercido pelo ―Ministério da Educação e Cultura‖ (p. 97) – desde 1985 o Ministério da Cultura ganhou autonomia e se desvinculou do Ministério da Educação – e concretizado pelas grandes editoras. Entretanto, o livro analisado, ―Língua Portuguesa e Literatura: Ensino Médio‖9, não faz parte do Programa Nacional de Livro Didático e nem é publicado por uma grande editora. A autora apenas menciona que se trata de um ―livro produzido por professores da Rede Estadual do Paraná‖ (p. 93) e não considera as condições de produção, nem a (in)existência de instrumentos e processos de avaliação desse material – informações fundamentais para se julgar as ideologias e discursos nele presentes.

Como realizado, por exemplo, por Tânia Mara Pacífico (2011) em sua dissertação de mestrado que focalizou a mesma coleção da rede estadual do Paraná:

O Livro Didático Público – Folhas não tem as mesmas características dos outros livros didáticos. Devido a isso, até sua conceituação é mais difícil, pois ele não é distribuído e nem comercializado por editoras, não faz parte do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) e, portanto, não está no Guia de Distribuição dos Livros, e não é escolhido pelos professores‖ (PACÍFICO, 2011, p. 50-51).

Diferente disso, somente nas ―Considerações finais‖ Nath-Braga (2013) afirma que ―embora esse livro didático tenha sido produzido por um grupo de professores, o mesmo não se desvincula das ideologias que imperam na sociedade e que são contempladas pelas grandes editoras‖ (p. 107). E, mais uma vez, percebemos incongruências, pois se sugere que os professores estão a priori imunes às ―ideologias que imperam na sociedade‖ e, por conseguinte, aptos a construir um material didático livre de preconceitos e estereótipos, sendo, portanto, digno de nota para o artigo que, a despeito de ter sido feito por professores, o material em análise é eivado das ideologias que imperam na sociedade.

9

Em 2006, o livro Língua Portuguesa e Literatura: Ensino Médio foi publicado e distribuído aos alunos da rede estadual do Paraná, como resultado de uma política de formação continuada dos professores iniciada em 2003 – o Projeto Folhas. O PNLEM (Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio), que ainda estava em fase de implantação no Brasil, na ocasião, universalizou a distribuição de livros de Língua Portuguesa e Matemática em todos os estados brasileiros com exceção de Minas Gerais e Paraná que desenvolviam programas próprios.

Em tópico dedicado a analisar dois textos literários produzidos e didatizados no livro didático em questão – ―Essa negra Fulô‖, de Jorge de Lima e ―A cláusula do elevador‖, de Luís Fernando Veríssimo –, também é possível encontrar algumas contradições.

A seção ―Discursos sobre a mulher: uma análise crítica‖ é iniciada pelo estudo do poema de Jorge de Lima que, segundo a autora, ―denuncia a servilidade da mulher negra e as acusações quando a sinhá não encontrava seus pertences‖ e logo em seguida que ―não apenas denuncia o trabalho da escrava, como também o seu silenciamento, fruto da escravidão‖ (NATH- BRAGA, 2013, p. 101). Nath-Braga anuncia uma análise dos discursos sobre a mulher, mas concentra-se na mulher negra, na escravização. Questões igualmente relevantes, mas distintas da proposição inicial. Principalmente, porque seus argumentos corroboram a ideia de submissão e poder decorrente muito mais de relações étnico-raciais que das relações de gênero e, de nossa perspectiva, ambas as questões seriam cruciais à compreensão do problema que se coloca.

Para além do sexismo, a relação de poder estabelecida entre as duas mulheres, a sinhá e a negra Fulô, não é problematizada pela autora, mas a análise crítica se ressente da ausência de exercícios no livro didático que promovam a discussão e a quebra de preconceitos raciais, sem, contudo, fazer a mesma ponderação em relação às questões de gênero: ―após o poema, não se discute situação social e histórica na qual a negra Fulô se inscreve. Propõe-se, após a leitura do poema, que o aluno identifique as características que conferem a esse texto um caráter poético‖ (NATH-BRAGA, 2013, p. 102).

Nath-Braga condena o viés estrutural das atividades propostas pelo livro didático e atribui a isso a responsabilidade pelo ―apagamento da criticidade‖ do aluno. Concordamos que, em geral, os livros didáticos – especialmente os mais antigos – ignoram a historicidade e privilegiam aspectos linguísticos e formais. Entretanto, entendemos que o senso crítico não é acionado somente diante de exercícios e que a própria leitura do poema pode suscitar questionamentos e maneiras distintas de apropriações dos discursos.

Dada a falta de informações precisas e detalhadas acerca do livro analisado, decorreu a necessidade de observá-lo sem a interposição do olhar alheio. E, no cotejo entre algumas afirmações presentes no artigo e o livro ―Língua Portuguesa e Literatura: Ensino Médio‖, encontramos algumas inconsistências.

A autora constrói sua estratégia argumentativa diante do fato de que ―nenhuma questão é apresentada voltada para os sentidos provocados pela leitura do poema‖ (p. 102). Ao leitor, é propagada a ideia de que o livro didático naturaliza as condições sociais da mulher negra, conforme se ―utiliza do texto de Jorge de Lima, não como denúncia, mas como manutenção de um discurso de conformidade em relação à história da negra Fulô‖ (p. 103). Entretanto, é ocultado, por exemplo, que esse poema faz parte de uma unidade, intitulada ―Discursos da Negritude‖, dedicada a debater, não entraremos no mérito se de forma adequada ou não, relações étnicos-raciais, inclusive a partir de outros textos. Assim como é negligenciado o fato de que o livro didático também propõe, ainda que de forma incipiente, algumas reflexões sobre o poema, que vão além dos aspectos formais. São propostas as seguintes questões: ―O poema nos conta uma história. Que história é essa?‖ / ―Que relação se estabelece entre Fulô e as demais personagens que participam do enredo poético?‖ / ―Como este autor alagoano articula, no poema, a questão da negritude?‖ / ―Como o poema da Negra Fulô aborda a mestiçagem de que fala Lezama Lima?‖ (BUENO, 2006, p. 47).

A avaliação da crônica ―A cláusula do elevador‖ de Luís Fernando Veríssimo também segue a mesma linha argumentativa de ênfase nas atividades propostas (ou não) pelo livro didático. Nesse caso, entretanto, a crítica é direcionada muito mais à escolha da crônica, porque na concepção de Nath-Braga (2013) o texto de ficção, ―muitas vezes, contribui para que discursos preconceituosos sejam naturalizados [...] pode-se dizer que seja uma forma sutil de manter a desigualdade em certos grupos‖ (p. 106).

Diferentemente da análise anterior, é feita uma referência ao protagonismo do leitor, mas essa autonomia é rapidamente questionada: ―pode ser que o aluno considere o contrato injusto, o que pode levá-lo a uma análise crítica do fato retratado, como também essa desigualdade retratada na crônica pode configurar de forma natural [...] desigualdade entre os sexos [...]‖ (NATH-BRAGA, 2013, p. 106).

Para encerrar, cabe um último comentário: na tentativa de provar sua tese de que toda mulher é suscetível à dominação masculina, Nath-Braga adota um discurso generalista e tão carregado de estereótipos quanto os que ela denuncia:

No texto Cláusula do elevador, de modo humorístico, confirma-se a desigualdade entre homens e mulheres. Não se trata de uma mulher ingênua, mas de uma advogada, isto é, alguém que tem conhecimento, poder de escolha e de interpretação do próprio relacionamento e, autossuficiente financeiramente‖ (2013, p. 108).

Interpretações possíveis para o enunciado: advogadas não são ingênuas; todas têm conhecimento e autossuficiência financeira; conhecimento e ingenuidade são excludentes; o poder de escolha e de interpretação são capacidades vinculadas ao conhecimento escolar, o mesmo que têm as advogadas; pessoas autossuficientes financeiramente não são ingênuas. Enfim, esse artigo põe-nos no horizonte algumas armadilhas às quais estamos sujeitos nesse tipo de investigação, pois o desejo de se desvelar e lutar contra certas ideologias pode embaçar o olhar do pesquisador, que, muitas vezes, adota um tom ―denuncialista‖10

. Portanto, é fundamental que, ao julgarmos o discurso alheio, suspeitemos de nosso próprio discurso, concepções, perspectivas, mas, principalmente, do nosso poder de julgamento.

Já o artigo de Neide Cardoso de Moura, como anunciado desde o título, busca atualizar e revisar alguns dados apresentados na tese de doutorado da própria autora, em 2007, no que se refere a ideologias de gênero presentes nos livros didáticos de Língua Portuguesa do 5º ano do Ensino Fundamental.

Utilizando o mesmo referencial teórico anterior, Moura (2014) revisita livros didáticos publicados entre 2006 e 2011 e conclui que ―apesar de algumas mudanças, ainda observa-se permanências em termos das construções e representações das relações de gênero veiculadas nesses materiais didáticos‖ (MOURA, 2014, p. 1).

As permanências dizem respeito, por exemplo, à segregação do gênero feminino ao contexto do lar e da domesticidade, além da invisibilidade de meninas e mulheres nas histórias contadas aos alunos e alunas. Já as mudanças referem-se a algumas representações da rebeldia feminina. Por se tratar de questões semelhantes, ampliaremos essas e outras discussões quando analisarmos, no tópico seguinte, a tese defendida por Neide Cardoso de Moura.

No artigo que encerra nosso primeiro quadro, ―Representações de gênero social em livros didáticos de língua portuguesa‖, as autoras adiantam que, nos volumes analisados, identificaram a prevalência do tratamento estereotipado das relações de gênero, embora tenham detectado alguns textos que mencionam a emancipação feminina.

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Esse termo é utilizado por Jardim e Abramowicz (2005) em artigo que realiza um balanço das tendências das produções acadêmicas sobre gênero e educação. As autoras afirmam que a percepção das desigualdades de gênero, sobretudo as que atravessam a escola, impõe aos estudos um caráter de denúncia e muitos ainda permanecem presos a uma fase mais ―denuncialista‖ (p. 108).

Na delimitação do corpus, levou-se em conta a faixa etária dos alunos (jovens e adolescentes) por presumirem que para esse público o livro didático já abordaria questões propícias à discussão de gênero como namoro, amor e/ou sexualidade. Essa abordagem aproxima-se da nossa perspectiva de pesquisa na medida em que também acreditamos encontrar no livro didático do Ensino Médio debates mais francos e independentes.

Apresentam as concepções que guiaram seus olhares durante a pesquisa como o conceito de identidade não essencialista e transitória; de gênero social, como traço constitutivo da identidade dos indivíduos e uma construção social e discursiva; de representação, compreendida como um sistema simbólico capaz de produzir significados que interferem nas identidades individuais e, por último, o livro didático analisado a partir da sua especificidade enquanto suporte que coaduna uma variedade de textos e lhes dá visibilidade.

Sobre a metodologia, o artigo desenvolve uma análise qualitativa de textos encontrados que tratam de cinco temáticas comuns: adultério, profissões, papéis sociais, relacionamentos e sexualidade, além de desigualdade entre os gêneros. Essa sistematização vai além da contagem das vezes em que determinada categoria aparece em detrimento de outra, e possibilita uma interpretação mais sensível a alguns traços subjetivos inapreensíveis pela frieza dos números.

Como, por exemplo, a invisibilidade das relações homoafetivas, de forma que o livro didático de língua portuguesa mantém o modelo hegemônico da heterossexualidade. Para as autoras,

Esse tratamento oferecido nos LDPL analisados não condiz com a realidade social diversificada em que o aluno está inserido, nem problematiza questões contemporâneas, como a possibilidade legal de casamento e adoção de crianças por casais homoafetivos, o que altera significativamente o modelo tradicional de família (MARCUSCHI; LEDO, 2015, p. 167).

Para encerrar, Marcuschi e Ledo (2015) apontam a necessidade de se incluir textos que também abordem uma situação mais igualitária entre os gêneros, mas não deixam de ressaltar o questionamento, ainda que pontual, da representação hegemônica em textos sobre a emancipação da mulher e seu espaço na sociedade, além de críticas à violência por ela sofrida. Os dois artigos que compõem nosso segundo quadro investigam as concepções de gênero apregoadas por meio das imagens presentes em livros didáticos de língua portuguesa do Ensino Fundamental, mas com abordagens bastante distintas.

Publicado em 2004, o texto de Suyan Pires adota uma perspectiva histórica das representações de gênero ao avaliar livros didáticos publicados desde a década de 1980. Para isso, foram selecionados 17 títulos destinados a 4ª série do Ensino Fundamental.

Apesar do potencial analítico da temática, o texto apresenta-se muito mais como um diário de