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173 BARTH, Op Cit p 200.

2.2. As adaptações a partir das influências do contato com os juruá

A fronteira étnica se faz sentir também em relação às famílias vizinhas que não são indígenas e que vivem muito próximo à comunidade da Aldeia de Linha Limeira e da TI Xapecó e nesse sentido, ambos os povos Guarani e Kaingang, compactuam o fato de que na trajetória do contato com os não indígenas, sempre ficaram em desvantagem, porém continuam lutando para garantir seus direitos constitucionalmente estabelecidos, relacionados à terra, à educação, à saúde e aos processos próprios de viver o social, o cultural, o econômico e o político a partir das concepções da ancestralidade e da tradição.

Nos anos de 1960, a comunidade era tipicamente Mbyá Guarani e as relações com os Kaingang eram mais tensas devido aos conflitos com os colonos e as questões de limites da Terra indígena Xapecó. No entanto, com o passar do tempo, as relações entre esses dois povos foram se estreitando e procuraram manter uma relação de respeito entre ambos, o que ocorre também com os vizinhos não indígenas.

Estes povos têm praticamente a mesma postura em relação aos vizinhos. Devido ao contato estabelecido, tem gerado transformações nos costumes tradicionais, observando-se hábitos da sociedade nacional incorporados e reelaborados por estes povos, tanto na religião, estrutura social, quanto nas habitações e na confecção do artesanato.193

O mesmo ocorre com as relações dos Guarani com a sociedade envolvente e os indígenas desde os primeiros contatos desenvolveram relações de interdependência e influências culturais mútuas, mesmo apresentando interesses e modo de ser totalmente opostos.194

O relato de Dona Maria Benedito demonstra um pouco de como se processam as relações com os não indígenas. Nasceu em 1939 e casou-se com Francisco Benedito, filho de Fernando José Benedito Jopoy, indígena Kaingang, que foi nomeado pela Inspetoria de Curitiba, PR, do Serviço de Proteção aos Índios, em 1912, para exercer as funções de Major e comandar os indígenas no posto de Xapecozinho. Dona Maria guarda com orgulho o documento de nomeação de seu sogro. Já se

192 Juruá é a denominação dada pelos Guarani aos não indígenas, que significa

“homem com bigode”.

193 NÖTZOLD, Ana Lúcia Vulfe. Nosso vizinho Kaingang. Florianópolis:

Imprensa Universitária da UFSC, 2003. p. 95.

encontra muito deteriorado, mas me permite fotografá-lo e consta anexo, nº 02.195

Em seu relato, Dona Maria conta que há mais de 55 anos mora na TI Xapecó, morou muitos anos na Comunidade de Linha Matão e agora mora muito próximo à comunidade da Aldeia de Linha Limeira. Frequenta a casa dos Guarani, especialmente de suas amigas Dona Antonia e Dona Leandra. Gosta de comer as comidas Guarani. Aprendeu a fazer o bolo na cinza com os Kaingang e que para os Guarani é o mbojape, milho, batata-doce. Usa os remédios do mato. Tem 12 filhos e mais de 30 netos e bisnetos.

A respeito do que observa da vida dos Guarani ela afirma: “o índio Guarani não tem morada certa, coloca um filho nas costa, outro no colo, junta umas tralha e vai pra lá e pra cá. (...) Hoje tem poucos velhos morando aqui, mas tinha uma época que tinha muitos, alguns foram para Palmas, Morro dos Cavalos, outros morreram”. 196

Dona Maria participa de muitas atividades na Comunidade da Aldeia de Linha Limeira. Frequenta a Igreja, quando alguém da família está doente utiliza os serviços do Posto de Saúde. Ela própria aprendeu no convívio com os indígenas a cultivar chás e remédios caseiros. Conhece muitos deles e mantém ao redor de sua casa uma série de mudas destes remédios. Alguns também retira do mato.

Igualmente à dona Maria existem outros vizinhos à aldeia e a TI Xapecó que convivem com os Guarani. São famílias de pequenos agricultores, com as quais estabelecem relações de respeito e de convivência pacífica. Muitas vezes são realizadas trocas de mudas de plantas, sementes e frutas. Procuram mutuamente não interferir na rotina do outro.

O maior problema dos Guarani na convivência com os seus vizinhos são os médios e grandes produtores. Há chiqueirões instalados próximo às aldeias e o odor provocado pelos dejetos e pela ração causam desconforto. Outro problema é o uso de fertilizantes nas lavouras que ao entardecer a brisa chega na comunidade com alto teor de odor, provocando irritação e desagrado.197

195 BENEDITO, Maria. Depoimento. [21.05.2015]. Caderno de Campo Helena

Alpini Rosa. Aldeia de Linha Limeira, Entre Rios, SC, 2015.

196 Id. Ibid.

197 Esses fatos foram possíveis de presenciar ao realizar campo - mês de janeiro

na comunidade. Permaneci durante uma semana inteira em uma das casas de família com o intuito de realizar entrevistas e conviver com as pessoas para participar e sentir a rotina da comunidade.

A preocupação entre os Guarani é que a convivência com os juruá possibilita a imposição de outras perspectivas. Os juruá - e a forma como ocupam e reordenam os territórios, a base de remoções forçadas e políticas de confinamento, são temas constantes nas falas dos mais velhos, das lideranças.198

Muitas pessoas, em períodos diferentes circulam na comunidade e na própria Terra Indígena Xapecó. São os agentes de saúde: médicos e enfermeiras que atendem aos postos; são candidatos às eleições municipais; pessoas relacionadas à educação e à escola, professores, técnicos; vendedores ambulantes e universidades por meio dos cursos de Licenciatura tanto da UNOCHAPECÓ, quanto da UFSC e também por meio de pesquisadores. Nesta última categoria que me incluo e que estabeleço as relações com a comunidade.

As convivências se apresentam também com a sede do município, a cidade de Entre Rios e com conhecidos, amigos que estabeleceram na frequência de aulas nas Universidades, nas relações de comércio, com ONGs, encontros de Igrejas e eventos sociais, especialmente jogos de futebol, festas, bailes e outros. São essas relações que justificam as preocupações dos mais velhos e a possibilidade de outras perspectivas. A temeridade é que saiam da comunidade e fiquem sem o apoio e a proteção que a comunidade exerce sobre o indivíduo.

As relações estabelecidas com o outro, com o juruá, são mediadas por um duplo olhar, aquele que olha de fora e o olhar da comunidade para quem chega, o que também reverbera o afirmado anteriormente a respeito da identidade do grupo, do incluir e excluir.