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A educação como um elemento agregador da cultura – base das relações sociais no grupo

242 ANTUNES, Eva Entrev Cit.

CAPÍTULO 3: AS RELAÇÕES SOCIAIS ESTABELECIDAS A PARTIR DO PAPEL DAS MULHERES

3.1. A educação como um elemento agregador da cultura – base das relações sociais no grupo

O conceito de educação possui múltiplas facetas e interpretações. É um conceito polissêmico. Para Carlos Rodrigues Brandão, nas aldeias: “Toda relação entre a criança e a natureza, guiadas de mais longe ou de mais perto pela presença de adultos conhecedores, são situações de aprendizagem. A criança vê, entende, imita e aprende a sabedoria que existe no próprio gesto de fazer a coisa.267

Na aldeia, nas comunidades, de certa maneira, todos são responsáveis pelos mais novos, as crianças, adolescentes e jovens,

266 Constituição Federal de 1988, Artigo 210 e LDBEN 9394/1996, artigos 37 e

ss. Op. Cit.

267 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense,

especialmente os irmãos e parentes mais próximos. Há um senso de cuidado aos “pequenos” que perpassa por todos aqueles que possuem alguma experiência maior, ou se configura como geração anterior. Os mais velhos, independente das circunstâncias a que estão submetidos diariamente, sentem-se responsáveis pelos menores e isso, muitas vezes, ultrapassa as condições de parentesco, porque de maneira geral as crianças e jovens são presenças muito importantes e fortes dentro das aldeias e comunidades.

Esparramados pelos cantos do cotidiano, todas as situações sempre mediadas pelas regras, símbolos e valores da cultura do grupo – têm, em menor ou maior escala a sua dimensão pedagógica. Ali, todos os que convivem aprendem, da sabedoria do grupo social e da força da norma dos costumes da tribo, o saber que torna todos e cada um pessoalmente apto e socialmente reconhecidos e legitimados para a convivência social, o trabalho, as artes da guerra e os ofícios do amor.268

A partir desta concepção, a educação aparece nas formas sociais de condução e controle do ato de ensinar e aprender. No ensino formal, a educação se sujeita a pedagogia, a teoria da educação. É a educação escolar propriamente dita. A visão de educação para além do ensino formal, para além da escola ou que outras instituições produzem, está sendo cada vez mais difundida e aceita como valor e como passível de reconhecimento e legitimidade para a formação do conhecimento e em última instância da ciência como um todo. Neste sentido, se percebe, por exemplo que o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais/INEP, concebe o conceito de educação de forma a reconhecer que esta não ocorre apenas na escola, mas em outros espaços, com outros sentidos e significados e que pode ser formal e informal. Este conceito está expresso nos documentos do INEP, o termo “educação” consiste em:

Todas as atividades voluntárias e sistemáticas destinadas a satisfazer necessidades de aprendizagem. Processo de conscientização crítica do conhecimento. A educação, quando ocorre de maneira informal, confunde-se com o fenômeno do crescimento; ao processar-se em um ambiente

268 Idem, pp. 20-21.

determinado e controlado, pode ser formal e informal. A Educação não ocorre apenas na escola; ela é um processo permanente que se efetua na família, na comunidade, no trabalho, na comunicação social, enfim, na interação do homem com o meio. 269

As discussões e conceitos em torno do termo educação têm diversas implicações, que não estão reduzidas apenas ao campo do conhecimento formal de aprendizagem de conteúdos e conceitos produzidos historicamente pela humanidade. Deve-se olhá-la como uma espécie de “sistema” regido por relações estabelecidas dentro dos variados grupos. Para Dermeval Saviani, o termo “sistema” é polissêmico e:

Denota o conjunto de elementos, isto é, a reunião de várias unidades formando um todo. Sistema é um conjunto de atividades que se cumprem tendo em vista determinada finalidade. E isso implica que as referidas atividades são organizadas segundo normas decorrentes dos valores que estão na base da finalidade preconizada. Assim, sistema implica organização sob normas próprias (...) e comuns. 270

Assim, a educação, como conjunto de valores que se relacionam a outros elementos, contribui para a manutenção da cultura e da identidade das diferentes sociedades. Como conceito, no sentido amplo, a educação se aplica tanto às sociedades dominantes como a grupos étnicos, ou mais precisamente às sociedades indígenas. Os Guarani concebem a educação como um “sistema” que envolve diversos valores, situações, lugares,

269 DUARTE, S. G. Dicionário brasileiro de educação. Rio de Janeiro: Edições

Antares: Nobel, 1986. Também disponível no endereço eletrônico. In: http://www.inep.gov.br/pesquisa/ Acesso em 13 abr. 2008.

270 SAVIANI, Dermeval. Sistema Nacional de Educação: conceito, papel

histórico e obstáculos para sua construção no Brasil GT-05: Estado e Política Educacional, Comunicação apresentada na 31ª Reunião Anual da ANPEd, em Caxambu, 19-22 de outubro de 2008, p. 2. Saviani desenvolve o conceito de sistema em outras obras publicadas por ele, entre elas: SAVIANI, Dermeval. Educação Brasileira: estrutura e sistemas. 10ª ed. Campinas, Autores Associados. 2008.

rituais, convivência familiar e social e acompanha o grupo historicamente.

Ao tomar parte desta temática, há que se pensar em um contexto de relações sociais estabelecidas dentro e fora do grupo constituído (aldeia), de formação da família e da sociedade como um todo. Ao descrever as famílias tradicionais na composição da História social da criança e da família, Philippe Ariès afirma que a criança, nas sociedades tradicionais vivia misturada ao mundo adulto e aprendia a vida diretamente, através do contato com eles. As trocas afetivas e as comunicações sociais eram realizadas, portanto fora da família, em um meio denso e quente, composto de vizinhos, amigos, amos e criados, crianças e velhos, mulheres e homens, em que a inclinação se podia manifestar mais livremente. As famílias conjugais se diluíam nesse meio. Os historiadores franceses chamariam hoje de "sociabilidade" essa propensão das comunidades tradicionais aos encontros, às visitas, às festas.271

Estes aspectos descritos por Ariès, também são percebidos entre os povos indígenas. Isso porque não apenas é uma sociedade tradicional, mas porque são características que fazem parte da história de muitos povos indígenas, ou não. A partir do contato com os colonizadores, as sociedades indígenas sofreram profundas modificações, uma vez que dentro dos diferentes povos se operaram importantes processos de mudança sociocultural, enfraquecendo as matrizes cosmológicas e míticas, em torno das quais girava toda a dinâmica da vida tradicional.272

Para os povos indígenas ressignificar valores e elementos de educação tradicionais significa viver a partir da memória dos ancestrais, das experiências do passado e do presente, passando necessariamente pela manutenção de seus modos próprios de viver, o que significa formas de organizar trabalhos, de dividir bens, de educar filhos, de contar histórias de vida, de praticar rituais e de tomar decisões sobre a vida coletiva.273

Nesse sentido, a educação indígena se processa e pode ser entendida em uma perspectiva daquilo que se chama de educação tradicional, ou do que é vivido dentro da cultura de um povo. Ao se tratar

271 ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família. Tradução de Dora

Flaksman. 2ª Edição. Rio de Janeiro: LTC, 2011. pp. 10-11.

272 LUCIANO, Gersem dos Santos. O índio brasileiro: o que você precisa saber

sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília/DF: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006. (Coleção Educação para todos), p. 18.

da educação tradicional indígena, se constata que os povos de maneira geral, vivenciavam e praticam um sistema próprio de educação. Cada povo possui processos educativos próprios que são determinados pela cultura e pelas relações sociais existentes dentro do grupo. As características educacionais indígenas são, muitas das vezes, comuns entre diferentes povos, que possivelmente são frutos das muitas trocas e relações interculturais estabelecidas com outros, antes e pós contato com o não indígena. Mencionar educação indígena, refere aos processos educativos tradicionais de cada povo indígena, às diferentes formas de socialização das crianças, adolescentes e jovens. 274

Na legislação, a prerrogativa da educação e garantia dos processos próprios de aprendizagem são evocados na Constituição Federal de 1988, no artigo nº 210, § 2º “O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”.275

A concepção de educação tradicional entendida como processos próprios de aprendizagem não é compreendida pela legislação apenas no âmbito das relações internas das comunidades indígenas, mas uma diretriz para o desenvolvimento da educação em nível escolar, ou oferta de ensino pelo poder público para os povos indígenas.

O documento oficial da Convenção nº 169, a respeito dos povos indígenas e tribais, adotada na 76ª Conferência Internacional do Trabalho em l989 e ratificada no Brasil em julho de 2002 reitera que:

1. Os programas e serviços educacionais