• Nenhum resultado encontrado

96 DARELLA, Maria Dorothea Post. Ore Roipota Yvy Porã “Nós Queremos

Terra Boa” Territorialização Guarani no Litoral de Santa Catarina Brasil.SP:2004. Tese de Doutorado Programa de Estudos Pós-Graduação em Ciência Sociais PUC/SP. p. 46.

sentidos. Constitui-se no espaço do vivido e vivenciado. É o lugar do crescimento, da socialização, de relações familiares, sociais, lugar de expressar o mundo dos sonhos, das relações com os antepassados. 97

A sociedade nacional, por meio da Constituição Federal de 1988 produziu a categoria “terra indígena” associando-a ao significado mais amplo de “território” enquanto um espaço suficiente para o desenvolvimento de todas as relações e vivências definidas pela tradição e cosmologia. “Ocorre que as terras indígenas no sul do Brasil são pequenas frações do território de cada povo, e, pelas circunstâncias históricas, não é possível demarcar o território de cada povo”. 98 Em Santa Catarina, os povos indígenas têm formas próprias de ocupação da terra. Para os Kaingang e Xokleng/Laklãnõ, a terra tradicional tem a ver com o local das antigas aldeias, onde o “umbigo está enterrado”, já para os Guarani a terra é o lugar da tekoá, mais do que um lugar habitado anteriormente pelo grupo, desejam locais onde possam viver seus costumes, seu modo de vida = o nhandereko.99

Assim, os Guarani conservam uma relação simbólica com o “mundo original” preservando as áreas a que estão confinados. Ressignificam o espaço, o território e a maneira de viver neste espaço, limitado pelas fronteiras impostas de forma endógena. A ocupação da terra pelos Guarani e o entendimento de território perpassam as dinâmicas sociais e políticas, inclusive das redes de parentesco que implicam no permanente ir e vir.

A constante migração do povo Guarani, especificamente os Mbya, ainda hoje se deve à concepção desse amplo território associada a uma concepção de mundo que envolve a redefinição das relações interétnicas, compartilhando e dividindo os espaços.100 Isso compreende inclusive o fato de algumas aldeias Guarani no estado de Santa Catarina estarem situadas em Terras Indígenas ocupadas por Kaingang, assim como com o povo Xokleng/Laklãnõ na Terra Indígena Ibirama/ Laklãnõ. As demais aldeias estão ao longo do litoral e mantém constantes relações entre si,

97 ZEDEÑO, M. N. Landscapes, Land. Use, and the History of territory

formation: na example from the Puebloan Southwest. In: Journal of

archaeological method and theory, vol. 4. n. 1, 1997. pp. 67-103.

98 BRIGHENTI, Clovis Antônio. Terras Indígenas em Santa Catarina. In:

NÖTZOLD, Ana Lúcia, ROSA, Helena Alpini e BRINGMANN, Sandor Fernando (Orgs). Etnohistória, História Indígena e Educação: contribuições ao debate. Porto Alegre: Pallotti, 2012. pp. 255-277. p. 260.

99 Id. Ibid. 100 Id.

inclusive com outras aldeias que estão situadas no Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul. No mapa a seguir, se pode observar a localização do Povo Guarani, em uma grande área no Cone Sul que compreende no Brasil os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul e os países Uruguai, Paraguai, Argentina e Bolívia.

Figura 01 – Mapa Território Guaran

Fonte: Mapa Território Guarani. http://img.socioambiental.org/ acesso em 02 de maio de 2016.

A localização do povo Guarani também pode ser observada em diferentes mapas que ilustram os estudos de Bonomo et all, cujas imagens são destacadas na figura a seguir, possibilitando perceber detalhes de limites municipais, estaduais e federais, indicando a localização dos aldeamentos nas principais bacias hidrográficas que compreende a região

especificada acima. Noelli também publicou um mapa semelhante ao que está a seguir, indicando os espaços de ocupação do povo Guarani.

Figura 02 – Distribuição geográfica dos sítios arqueológicos Guarani na Bacia do Prata e áreas adjacente

Fonte: Mariano Bonomo, Rodrigo Costa Angrizani, Eduardo Apolinaire, Francisco Silva Noelli. Geographical distribution of the Guarani archaeological sítios (n ¼ 1177) in the La Plata Basin and adjacent areas.101

Este mapa é o que visibiliza a presença dos Guarani no Sul da América e demonstra a amplitude do território de ocupação de espaço e

101 BONOMO et all. A model for the Guaraní expansion in the La Plata Basin and

litoral zone of southern Brazil.

El Sevier Jornal Quaternary International, 2015, pp 54-73, p.57. Journal Homepage: www.elsevier.com/locate/quaint. Acesso em 03.05.2016.

principalmente de circularidade, especialmente entre os Nhandeva e os Mbya. Na região Oeste dos três estados do sul do Brasil, os Guarani no período pré contato com o colonizador ocuparam áreas comuns aos povos Kaingang e no Vale do Itajái em Santa Catarina com os Xokleng. Lucio T. Mota explicita esse fenômeno em sua tese de doutorado102 e afirma que em quase todos os sítios Kaingang e Xokleng há a presença de sítios Guarani.

O fato de se constatar que junto aos sítios Kaingang e Xokleng havia a presença também de vestígios de cultura material Guarani, denota que viver próximo, vizinho aos povos Jê é uma prática anterior ao contato com o colonizador. Hoje, os Guarani viverem em terras Guarani e/ou Xokleng tem outra conotação, outra roupagem e se reveste de múltiplos e diferentes significados.

No território material/físico, formado por relevos, rios, vegetação, minerais, habitações e vestígios da cultura material há também as marcas imateriais profundas, modos particulares de apropriação e categorização deste espaço material, deste espaço ecológico.

O Guarani vive o território e tudo o que é possível se realizar neste espaço compreendido como tal e não dissociada da necessidade real e concreta de matar a fome, da crença em um lugar harmonioso de vida plena. Para os Guarani, estar e pertencer a um território é muito mais que ocupar um determinado e limitado espaço geográfico, físico, pois é também mítico, espiritual, o que torna difícil entender as demarcações, por exemplo. Nesse sentido entra a questão da territorialidade como compreensão de um sistema e não apenas do espaço em si. A mobilidade, o caminho, constituem elementos fundamentais para a reprodução social, no que se refere à cultura material, comportamentos e significados. Caminhar envolve sempre se defrontar com o novo, com o outro, com o diferente e, ao mesmo tempo, isso faz com que seja preciso se afirmar, definir, reconstruir.

1. 2. Os Guarani – os espaços, o povo, a Aldeia de Linha Limeira

Os Guarani que vivem na Aldeia de Linha Limeira são Mbya e se reconhecem como tal, mas mantém relações de parentesco com as

102 MOTA, L. T. O aço, a cruz e a espada: índios e brancos no Paraná

provincial (1853-889). 1998. Tese de Doutorado Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual de São Paulo, Assis, 1998.

famílias Nhandeva que vivem em Mbiguaçu, no litoral do estado de Santa Catarina.

Os Guarani- Mbya são conhecidos na bibliografia como Ka’aiguá, Kaiuá e entre os Nhandeva como Tambéaópé (chiripá largo) ou Txeiru, Ñaneiru (meu ou nossos amigos). Encontram-se ainda as denominações Apüteré (currutelas) que eles próprios, no entanto, consideram depreciativo. Entre os paraguaios são conhecidos pelo apelido de Baticolas e ainda Aváhuguai (homens de cauda), dado pelos outros grupos, em virtude do chiripá que usam entre as pernas.103

No “Tesoro de la lengua guarani”, Mbya significa “gente”; “ruído da gente”.104 A tradução de Mbya no dicionário Dooley aparece como “muita gente num só lugar” e foi traduzido ainda como “estrangeiro, estranho, aquele que vem de fora, de longe”, isto em relação ao outro, ao visitante, no contato com outros povos, porém em suas tradições e segundo o vocabulário religioso se designam Jeguakáva Tenondé Porangue, o que significa “os primeiros homens que receberam o adorno de plumas”.105

Além de ser o nome que os identifica e os diferencia de outros grupos indígenas internamente e externamente à TI, os Mbya dentro da expressão usual da língua é traduzido como “gente” também. Marisete dos Santos, quando questionada a respeito da presença de Guarani no local onde moram hoje, explica que “antigamente tava cheio de mbya ali pra cima, perto dos mato”.106 A palavra é substituída por “gente”. O grupo se autodenomina assim e assume esse nome como identidade do grupo.

103 CADOGAN. Leon. Ayvu Rapyta, textos míticos de los Mbyá-Guaraní del

Guairá. Edição preparada por Bartomeu Melià. Asunción/Paraguai: Biblioteca Paraguaya de Antropologia/ Fundacion Leon Cadogan CEADUC – CEPAG, 1992, p.14.

104 MONTOYA, Op. Cit. p. 339.

105 DOOLEY, A. Robert. SIL Guarani- Português - Léxico Guarani, Dialeto

Mbyá Versão de 9 de março de 2006. p. 115.

106 SANTOS, Marisete dos. Entrevista. [04 de junho de 2014]. Entrevistadora:

Helena Alpini Rosa. Aldeia de Linha Limeira, Terra Indígena Xapecó, SC. 2014. 1 arquivo mp3 (13:53min).